ADI 4.983/CE ‘’Vaquejada’’
Direito Ambiental
História
A vaquejada teve seu início, datada por pesquisadores, em meados de 1940, na era Vargas, desde então foi considerada uma atividade cultural e desportiva nos interiores do Ceará e em outros Estados do Brasil. A lei que tornou a pratica legal não levou em consideração somente os preceitos legais, mas também deixou de lado o Bem Viver, onde se busca um ambiente saudável e equilibrado entre todos os habitantes do planeta terra, nesse raciocínio vale ressaltar o que Boff menciona em seu livro - ethos mundial - onde se deve haver uma maior conexão entre o homem e o meio ambiente, não simplesmente o homem como o topo da cadeia alimentar, como ocorre atualmente.
Análise da lei legalizadora
Em análise à lei 15.229/2013, sancionada pelo ex-governador do Estado do Ceará - Domingos Gomes de Aguiar Filho - faz se necessário à elucidação do seu artigo 1º, que aduz ‘’Fica regulamentada a vaquejada como atividade desportiva e cultural no Estado do Ceará’’. Aos olhos de uma prática desportiva com animais, deve-se observar os preceitos constitucionais e as normas infraconstitucionais a respeito do tema.
Ao analisarmos o artigo 225 da Constituição, mais precisamente o inciso VIIdo parágrafo 1º, que informa:
‘’Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.’’
Percebemos que o próprio texto constitucional veda tais atos, já o artigo 32 da lei 9.605 reforça a menção de que tal prática fere também o controle de legalidade, ao ir de encontro com lei infraconstitucional, o artigo menciona:
‘’Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.’’
Sendo assim a referida lei cearense poderia passar tanto pelo controle de legalidade como pelo controle de constitucionalidade, tendo esse último considerado a prática inconstitucional em seu inteiro teor, ao regulamentar que tal prática – a vaquejada - submete o animal à tortura e à dor física.
Em 2016 o STF, por meio da ADI 4983/CE, declarou a referida lei do Ceará inconstitucional, já no ano seguinte o parlamento nacional, por meio da Emenda Constitucional 96/2017, acrescentou o parágrafo 7º ao artigo 225 da Constituição, para determinar que práticas desportivas que utilizem animais não sejam consideradas cruéis, desde que seja cultural e que não coloquem em risco o meio ambiente, ou seja, o direito cultural não deve se sobrepor à defesa do meio ambiente.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VIIdo § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
Considerações finais
Em primeiro lugar, ao perceber o caso concreto, faz se mister analisar o quê explica Zafarroni sobre a ideia de Pachamama e o homem ‘’como uma interação do homem com a natureza, a partir destes novos conceitos constitucionais latino-americanos, onde se aborda uma série de questões, inclusive a necessidade de que o ser humano respeite os animais dentro desta atuação do Bem Viver.’’ A América latina tem um dos biomas mais diversificados do mundo, o que Zafarroni explica é que cada País deve cuidar de seus biomas, inclusive, de forma não explicita no texto, observando o princípio da cooperação internacional, para que não haja excesso de determinado país contra seus biomas, tendo em vista que isso não acarretaria somente o local em si, mas sim, todo o planeta terra.
Em segundo lugar deve se levar em consideração o pensamento que ‘’o coletivo deve se sobrepor em relação ao individual, quando nessas hipóteses, o individual esmaga o coletivo’’. Tal pensamento está interligado na relação do homem com o meio ambiente, ou seja, se o ser humano destrói a vida animal, por meio de seus artefatos, logo o coletivo sentirá necessidade desse bioma, e não muitas vezes - futuramente - conseguirá viver neste planeta sem a presença da vida animal diversificada.
Por fim, e de acordo com este entendimento, a vaquejada não pode ser considerada uma prática legal, pois, mesmo indiretamente, pode colocar em risco todo o bioma animal. Encorajar que mais pessoas participem dessas manifestações é criar uma condição de vida difícil ao mundo animal, onde, muitas vezes esse mundo sai de seu habitat e começa a invadir as grandes cidades, causando risco à população que não gerou o fato em si, mas que pode, de acordo com a legislação, abater o animal, se se considerar em estado de necessidade, fazendo que com isso não haja punições pelo ato de quem causou a saída desses animais de seu local de origem, nem de quem agiu em conformidade com a lei, sendo neste último caso justificável pela legislação ambiental.
Autores citados:
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La pachamama y el humano. Buenos Aires: Colihue, 2012.
BOFF, Leonardo. Ethos Mundial: Um consenso mínimo entre os humanos, Brasília, Letraviva, 2000.
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