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16 de Junho de 2024

Apesar de acórdão do STJ, resseguro não é seguro

Publicado por Consultor Jurídico
há 10 anos

A afirmação que serve de título a este artigo pode surpreender, à primeira vista, dada a semelhança entre as palavras seguro e resseguro. Mas essa semelhança tem uma explicação, cuja compreensão ajuda a eliminar eventuais perplexidades. Ainda na Idade Média, quando a garantia dos riscos inerentes à aventura marítima se iniciava, uma determinada prática comercial começou a ser chamada de resseguro. Tratava-se, na verdade, em termos modernos, de um segundo seguro, ou de um seguro subsidiário, [1] por meio do qual o chamado ressegurador assumia parte das responsabilidades originalmente assumidas pelo segurador arrependido da garantia prestada. A prática ressecuritária, no entanto, evoluiu e se modificou com o tempo, ganhando contornos distintos e próprios, embora se tenha conservado sua denominação de origem.

Mas as palavras têm algo de demiúrgico. Especialmente quando se distanciam do seu significado original, não raras vezes induzem a confusões, surpreendendo quem não acompanhou mais atentamente as mudanças operadas ao longo da história. A palavra resseguro, apesar da compreensão já sedimentada na literatura internacional a respeito da natureza, sentido e alcance deste negócio, entre nós continua a causar equívoco e a provocar embaraços, que muitas vezes se refletem em decisões judiciais, a exemplo do que parece ter ocorrido, com todo o respeito, nas razões de decidir do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n. 1.170.057/MG.

Nesse decisório, os ministros julgadores, após considerável debate, concluíram que a prescrição da pretensão do segurador em face do ressegurador tem prazo de um ano, a exemplo da pretensão do segurado em face do segurador. Essa conclusão fundou-se, precipuamente, no entendimento da corte de que o resseguro se insere no tipo securitário, ou seja, o contrato de resseguro seria uma espécie de contrato de seguro, de maneira que a ele se aplicam (...) as regras gerais previstas para os contratos de seguro. O acórdão, em resumo, deixa entrever a equiparação entre os tipos contratuais seguro e resseguro, a partir da qual se inferiu o entendimento de que a regra do art. 178, 6º, II, do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 206, 1º, I, do Código Civil de 2002), que estabelece o prazo ordinário de um ano para o exercício da pretensão do segurado em face do segurador, e vice-versa, também se haveria de aplicar em relação ao exercício da pretensão do segurador (cedente ou ressegurado) em face do ressegurador.

O resseguro é tema muito pouco discutido no Brasil, em particular na literatura jurídica, predominando um exame meramente superficial acerca da sua natureza ou da tipologia desta já longeva fattispecie. O prefixo re, na palavra resseguro, induziu e pelo jeito continua induzindo muita gente a supor que essa operação não teria sofrido transformação alguma ao longo dos séculos, desde o seu surgimento na Idade Média. Isso tudo, a despeito do posterior desenvolvimento da estatística, da aplicação da Lei dos Grandes Números (demonstrada por Jakob Bernoulli em 1713) ao fenômeno securitário e do desenvolvimento, a partir do seguro e da ideia de gestão profissional da mutualidade, do conceito moderno de empresa, sem falar na intervenção estatal no setor, bastante incisiva também nos países baluartes da livre iniciativa.

Na corrente literatura jurídica internacional, todavia, já se fez consenso sobre o fato de que o resseguro é um tipo contratual autônomo, que não se identifica com o tipo contratual securitário, dele apenas se aproximando. [2] O resseguro não se assenta na mutualidade e por meio do contrato de resseguro não se cobre o mesmo risco, ou área de risco, que cobre o segurador, por meio do contrato de seguro. Por meio do resseguro presta-se uma garantia para a seguradora. O risco coberto é um risco próprio da seguradora, que ela mesma corre, como empresa. [3] Não se cobre o risco que pesa sobre o interesse de seu segurado, mas o risco dela, empresa de seguro, ver-se sujeita um desnivelamento patrimonial indesejado. [4]

Caso se prefira um argumento pragmático, não dogmático, para se extrair essa percepção, basta mero passar dolhos no capítulo XV do Código Civil vigente para que se verifique que a disciplina legal aqui veiculada para o contrato de seguro não casa com o tipo ressecuritário. Ou seja, boa parte das normas gerais cogentes que aí se encontram a respeito do contrato de seguro (a exemplo da disciplina do prêmio de seguro) é incompatível com o contrato de resseguro, sequer se podendo cogitar de aplicá-la no tocante a discussões sobre o pagamento do preço no contrato de resseguro. O resseguro, enfim, não pode ser remetido ao genus securitário.

O resseguro, por outro lado, embora contrato socialmente típico e largamente praticado, é um contrato legalmente atípico. [5] Não se encontra disciplinado em todos os seus contornos na maior parte das legislações nacionais. No Brasil, são poucas as regras que aludem ao resseguro e as poucas existentes são regras voltadas sobretudo à disciplina da empresa ressecuritária, não propriamente ao negócio jurídico resseguro. O mais longe que se pode ir, nessa matéria, é dizer que há certa analogia entre...

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