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17 de Junho de 2024
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    ARTIGO DO DIA - Prisão cautelar. Fundamentação fática necessária

    há 14 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Prisão cautelar. Fundamentação fática necessária. Disponível em http:// www.lfg.com.br - 23 de setembro de 2010.

    No que tange ao tema prisões cautelares, após as reformas processuais (Leis 11.689/2008 e 11.719/2008), é sensivelmente notada a supervalorização dos pressupostos/requisitos concernentes à prisão preventiva. Hoje, não há que se falar em prisão cautelar sem motivo concreto (ou seja: não existe prisão ex vi legis ). O juiz, ao decretar a prisão cautelar, deverá sempre fundamentar sua decisão num dos pressupostos que justificam a prisão preventiva: garantia da ordem pública ou da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

    Mas este necessário atendimento aos requisitos ainda gera discussões na jurisprudência, notadamente quanto à perfeita adequação dos casos concretos nas hipóteses previstas no artigo 312 do CPP. No recente informativo de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal destacamos dois julgados que tratam do tema:

    Informativo STF nº 598

    PRIMEIRA TURMA

    Prisão Cautelar e Fundamentação

    A Turma, por maioria, desproveu recurso ordinário em habeas corpus para manter a prisão cautelar do paciente. Na espécie, preso em flagrante e condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do delito de roubo duplamente qualificado, o paciente permanecera custodiado com o advento da sentença condenatória. Reputou-se que o juízo sentenciante teria mantido a prisão em flagrante lastreado em motivação idônea, com o objetivo de resguardar a ordem pública e a aplicação da lei penal. Considerou-se o fato de o recorrente haver permanecido preso durante todo o processo como elemento a corroborar a mantença do decreto. Vencido o Min. Março Aurélio, que provia o recurso por entender que o fundamento alusivo à necessidade de garantia da aplicação da lei penal não estaria satisfeito, pois baseado na presunção de culpa do recorrente, bem como que o simples fato de haver permanecido preso durante o processo não se prestaria como justificativa para a manutenção da cautelar. Em seguida, concedeu-se habeas corpus de ofício, ante o empate na votação, para determinar ao juízo das execuções que verifique a possibilidade de progressão de regime, tendo em vista que a prisão em flagrante teria ocorrido em 5.2.2009, portanto, passado mais de um sexto da pena não transitada em julgado. Vencidos, no ponto, os Ministros Ricardo Lewandowski, relator, e Cármen Lúcia. RHC 103744/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, 31.8.2010. (RHC-103744)

    SEGUNDA TURMA

    Gravidade em Abstrato do Delito e Prisão Preventiva

    Ante o empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para que a paciente aguarde em liberdade o encerramento da ação penal, ressalvada a possibilidade de nova decretação de prisão de natureza cautelar, se necessária. Na espécie, a paciente e o co-réu foram presos em flagrante pela suposta prática do delito previsto no art. 121, 2º, I, III e IV, e no art. 211, ambos do CP. Asseverou-se que a prisão da paciente fora decretada tendo por único fundamento a gravidade em abstrato do delito. Consignou-se que tal justificativa somada à hipotética periculosidade do agente não demonstradas nos autos não autorizariam por si sós a custódia cautelar, consoante reiterado pela jurisprudência da Corte. Vencidos os Ministros Ellen Gracie e Ayres Britto que indeferiam a ordem, por considerarem que a decisão do magistrado estaria devidamente fundamentada. A Min. Ellen Gracie observava que o delito hediondo teria sido praticado com extrema crueldade e que o juiz circunstanciara, inclusive, as condições em que perpetrado. O Min. Ayres Britto entendia que fora consubstanciado um juízo de alta periculosidade da ré quanto ao modo de execução de crime, e que o magistrado fizera o vínculo entre a garantia da ordem pública e a necessidade de acautelamento do meio social no caso concreto. Ressaltava, ainda, o fato de o juízo de periculosidade que teria relação com o acautelamento do meio social, portanto, com o pressuposto da ordem pública de que trata o art. 312 do CPP ser exatamente aquele sobre a gravidade no modo de execução do delito. HC 95460/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 31.8.2010. (HC-95460)

    No primeiro julgado (RHC 103.744), a Primeira Turma do STF decidiu que o recurso não deveria ser provido, mantendo-se a prisão do recorrente, mas o julgamento não foi unânime. O Ministro Março Aurélio, com voto divergente, entendeu que a prisão não se encontrava devidamente fundamentada. Majoritariamente, entendeu-se que com o objetivo de resguardar a ordem pública e a aplicação da lei penal o recorrente já tinha permanecido preso durante todo o processo e, por esse motivo, justificada estava a manutenção do decreto prisional.

    Acertadamente, no entanto, o Ministro Março Aurélio defendeu que não se pode basear a segregação cautelar apenas na presunção de culpa do recorrente, muito menos no fato de que se ele esteve preso durante todo o processo justificado estaria o fato de assim permanecer.

    Estamos com o Ministro Março Aurélio. Parece-nos clara a intenção do legislador ordinário com as alterações que implementou no CPP. A mantença do acusado na prisão deve ser claramente demonstrada na sua real necessidade, que deve ser demonstrada pela incidência de uma das três causas: garantia da ordem pública ou da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. Não se pode presumir a culpa do acusado e com isso mantê-lo em cárcere.

    Do mesmo modo, no segundo julgado (HC 95.460), apreciado pela Segunda Turma do STF, temos a informação de que a paciente foi presa em flagrante delito, mas que sua prisão tinha por único fundamento a gravidade em abstrato do delito. Ora, o Código de Processo Penal é claro em dispor que também nas hipóteses de prisão em flagrante, a manutenção da segregação deve estar respaldada em uma das hipóteses que justificariam a prisão preventiva (art. 310, parágrafo único, do CPP).

    Neste último julgado, à paciente foi concedido o direito de aguardar o transcurso da ação penal em liberdade, mas porque houve empate na votação; os Ministros Ayres Britto e Ellen Gracie entenderam que, por se tratar de um fato extremamente grave, a garantia da ordem pública e o acautelamento da ordem social exigiam a prisão da acusada, com o que não podemos concordar.

    É inequívoca a necessidade de fundamentação concreta sobre a existência do risco que as ordens pública e econômica, a instrução criminal e a aplicação da lei penal sofrem na manutenção liberdade do acusado, para que ele seja mantido preso cautelarmente.

    A prisão em flagrante e a prisão preventiva têm objetivos definidamente distintos. O fato de alguém ser autuado em flagrante não justifica sua manutenção em cárcere durante todo o correr da ação penal, porque o flagrante tem o objetivo de fazer cessar a atuação delitiva, bem como auxiliar a instrução probatória, quando o acusado é surpreendido após encerrada a prática do delito. A preventiva, por sua vez, tem outros objetivos. Repita-se: garantir as ordens pública e econômica, para a conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

    Já é tempo de a jurisprudência estar atenta à tecnicidade das prisões, pois a liberdade do indivíduo é garantia fundamental da nossa Lei Maior e não se pode esquecer do precário sistema carcerário no qual se inclui este indivíduo.

    Assistam nossos comentários em "Jurisprudência Comentada", nosso "Direito em Pílulas" na TVLFG e no LFG News .

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