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24 de Maio de 2024
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    ARTIGOS DO PROF. LFG - Embriaguez ao volante: Resolução de Cetran não pode legislar sobre recusa ao bafômetro

    há 13 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES*

    Áurea Maria Ferraz de Sousa**

    No dia 15.03.11, o Conselho Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul CETRAN / RS editou a Resolução nº. 35/2011 que dispõe sobre a aplicação obrigatória do art. 277, , do CTB, nas fiscalizações de trânsito.

    Justificando a iniciativa, dentre outros fatores, numa pesquisa feita Secretaria Nacional Antidrogas SENAD em parceria com a UNIFESP, que apontava para os altos índices de acidentes de trânsito causados por motoristas que haviam ingerido bebida alcoólica, o CETRAN / RS, por sete votos a seis aprovou a norma regulamentadora que, ao nosso ver, é absolutamente inconstitucional.

    Leia o inteiro do teor da Resolução:

    ÍNTEGRA DA RESOLUÇAO nº. 35/2011

    Embora as razões apontadas pelo Conselho nos pareçam legítimas, não podemos deixar de destacar a inconstitucionalidade da norma.

    Em primeiro lugar, embora haja previsão no CTB sobre a possibilidade de os conselhos estaduais elaborarem normas no âmbito das respectivas competências (art. 14, II), não nos parece que a regra seja um permissivo para que os conselhos estabeleçam regras mais severas do que a própria Lei 9.503/97 estabelece ( princípio da legalidade ).

    Em segundo lugar, e no mesmo sentido, a impressão que temos ao nos deparar com a Resolução 35/2011 é que houve, em verdade, desobediência às regras constitucionais sobre a competência. Isso porque, de acordo com o artigo 22, XI, da CF/88: Compete privativamente à União legislar sobre: trânsito e transporte ;

    Aliás, a este respeito comentamos recente julgado do STF que julgou inconstitucional a lei estadual paulista que dispunha sobre o tráfego de motocicletas nas vias públicas. Veja nossos comentários aqui .

    Por fim, o fundamento mais importante que foi desobedecido pelo presente regulamento: a obrigatoriedade à submissão a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame. Esta obrigatoriedade é inconstitucional porque fere a garantia, segundo a qual, ninguém é obrigado a fazer prova contra si. Há ADIN pendente no STF sobre o assunto. O tema é polêmico. Pensamos que ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo.

    Vejamos a hierarquia entre as normas, para entender porque a resolução é inconstitucional.

    Dispõe o artigo 59 da Constituição Federal sobre as seguintes espécies normativas: I emendas à Constituição; II leis complementares; III leis ordinárias; IV leis delegadas; V medidas provisórias; VI decretos legislativos; VII resoluções .

    Note que nesta cadeia, a resolução encontra-se como espécie última. No topo desta ordem, por óbvio, encontra-se a nossa Lei Maior que, no artigo 5º, assegura em caráter de direito fundamental o direito ao silêncio:

    LXIII o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

    Desta norma extrai-se o princípio de acordo com o qual ninguém é obrigado a fazer prova contra si: nemo tenetur se detegere .

    Trata-se de princípio com status constitucional e supralegal; primeiro porque previsto na Lei Maior (art. 5º, inc. LXIII); segundo porque garantido na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, item 2, g: direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada ).

    Dos dispositivos acima transcritos entenda-se: o acusado não pode ser compelido pelo Estado a fazer prova contra si, seja ele preso, indiciado, suspeito, ou mesmo condenado, ou seja, qualquer pessoa a quem seja imputada a prática de um ilícito penal. Isso tudo implica em garantir o direito de não se exigir a prática de qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo.

    Se uma resolução dispõe sobre a obrigatoriedade de submissão a exame que vai determinar a prática de infração disciplinar e identificar possível crime (art. 306, CTB) ela é inconstitucional, inconvencional e ilegal.

    Inconstitucional porque resolução não pode dispor sobre trânsito.

    Inconvencional porque fere norma supralegal, no caso, a Convenção Americana de Direitos Humanos, porque obriga o indivíduo a fazer prova contra si.

    Por fim, ilegal porque somente a lei, em sentido formal, pode dispor sobre crimes, no caso a Lei Federal 9.503/97, não podendo norma regulamentar dispor de maneira mais severa que ela. Ora, se o CTB prevê a possibilidade no art. 277, sobre aplicação de penalidade e medida administrativa, não pode resolução estadual impor sua obrigatoriedade.

    Por último: toda essa polêmica deriva de um equívoco legislativo, qual seja, a exigência de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue (para a caracterização do delito de embriaguez ao volante, nos termos do art. 306 do CTB). É essa exigência quantitativa que está gerando a confusão geral. Há tempos estamos reivindicando a sua revogação. O legislador teima em mantê-la. E aí vai gerando incontáveis problemas jurídicos. Urgentemente deveria o legislador alterar a redação do referido art. 306.

    *LFG Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

    **Áurea Maria Ferraz de Sousa Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.

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