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6 de Maio de 2024

Candidato consegue tomar posse em cargo que foi considerado inapto para o exercício, por ser portador de visão monocular.

O Estado de São Paulo promoveu concurso público através de Edital para o provimento de cargos de Agente Policial, para o qual o autor concorreu na condição de pessoa com deficiência, sendo aprovado em todas as fases do concurso. Contudo, submetido a perícia médica pelo DPME, o autor foi eliminado do certame.

há 2 anos

Trata-se de ação anulatória de ato administrativo ajuizada por candidato em face do Estado de São Paulo, para o fim de obter o reconhecimento de nulidade do ato administrativo pelo foi considerado inapto para o exercício do cargo de para Agente da Polícia Civil, mesmo após aprovação em todas as fases do concurso, por ser portador de visão monocular.

Conforme r. sentença de fls. 197/200, o pedido foi julgado procedente para reconhecer a ilegalidade e nulidade do ato administrativo responsável pela exclusão do autor do certame e reconhecer a sua aprovação definitiva no concurso, com a condenação do requerido ao pagamento das custas e despesas processuais, mais honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa.

Inconformado, apela o Estado e pugna pela reforma do julgamento.

Sustenta, em síntese, que o requerente, quando da publicação do Edital de Abertura e de Rerratificação no Diário Oficial do Estado, tomou conhecimento integral da legislação que regia o concurso, inclusive da Lei Complementar nº 683/92, que consta do preâmbulo, bem como das fases e das condições do certame, no que concerne aos candidatos às vagas reservadas para portadores de deficiência. Alega que foi constatado mediante perícia técnica realizada por junta médica do órgão oficial do Estado que a deficiência do autor (visão monocular) é incompatível com as atribuições do cargo policial, já que além das atribuições do cargo especificadas no Edital de abertura, as carreiras policiais civis ostentam outras atribuições decorrentes da particular natureza da função policial, tais como portar arma de fogo, ter capacidade de manusear armas, utilizar algemas, dirigir viaturas policiais praticando direção ofensiva e defensiva, agir em locais de pouca luminosidade e etc. Assevera, assim, que esse é o entendimento que deve prevalecer, pois embasado em perícia realizada à época do concurso, quando o candidato foi considerado inapto, sendo irrelevante a verificação da sua atual situação clínica (fls. 205/211).

Houve resposta (fls. 216/233). É o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e lhe nego provimento.

Ao que consta dos autos, o Estado de São Paulo promoveu concurso público através do Edital Processo DGP 5298/16 para o provimento de cargos de Agente Policial, para o qual o autor concorreu na condição de pessoa com deficiência, sendo aprovado em todas as fases do concurso. Contudo, submetido a perícia médica pelo DPME, o autor foi eliminado do certame, sob o fundamento de que sua condição física se revela incompatível com o exercício das atribuições do referido cargo (fls. 32/34).

Com efeito, não se pode perder de vista que a Constituição Federal estabelece que “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão” (art. 37, VIII).

Essa reserva de vagas se justifica para assegurar às pessoas com deficiência o efetivo acesso ao mercado de trabalho no serviço público, em observância aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana.

Assim, as regras do edital do concurso público não podem ser compreendidas em prejuízo do candidato deficiente, à luz das normas constitucionais e infraconstitucionais que dispõem sobre o tema, cujo objetivo primordial é possibilitar a inclusão da pessoa com deficiência e a concorrência destas em igualdade de condições, na medida de suas desigualdades.

No caso concreto, o edital realmente prevê que o candidato deficiente aprovado no concurso deve se submeter à perícia médica para verificação da compatibilidade de sua condição física com o exercício das atribuições do cargo, nos termos do artigo da Lei Complementar nº 683/92 (item 5.12 fl. 48).

Porém, é evidente que essa apuração não pode ser conduzida de modo a identificar no candidato deficiente a capacidade plena de exercício sem restrição de todas as atribuições do cargo, ou seja, com os mesmos critérios de avaliação dos demais candidatos.

Conforme já dito, em obediência ao princípio da isonomia, os candidatos deficientes concorrem em igualdade de condições, mas na medida de suas desigualdades.

Na verdade, as limitações ao desenvolvimento pleno de algumas atribuições da função pública devem ser compreendidas como condição inerente à pessoa com deficiência.

Nos termos do que dispõe o Estatuto da Pessoa com Deficiência: “Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (art. 2º).

Já segundo a Súmula nº 377 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, aplicável ao presente caso, “O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes”.

Desse modo, a necessidade de adaptação da função a ser desempenhada pelo candidato com deficiência ou mesmo a aparente impossibilidade

de execução de algumas atribuições identificadas ao final do certame no exame admissional, após todas as demais etapas, não podem obstar o ingresso no serviço público.

Além disso, é importante mencionar o entendimento sedimentado pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça de que eventuais incompatibilidades entre a deficiência do candidato e as atribuições do cargo público devem ser objeto de análise oportuna por equipe multidisciplinar, durante o período de estágio probatório.

Ou seja: “Nos termos da jurisprudência do STJ, em julgamento de processos análogos que procederam ao exame do disposto na Lei 7.853/1989 e no Decreto 3.298/1999, deve-se observar a obrigatoriedade do Poder Público de assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos. Inclui-se a adoção de ações que propiciem sua inserção no serviço público, assegurando-se ao candidato aprovado em vaga destinada aos portadores de deficiência física que o exame da compatibilidade ocorra no desempenho das atribuições do cargo, durante o estágio probatório, e seja realizada por equipe multiprofissional. A proteção legal conferida a essa categoria de vulneráveis não é apenas retórica, o que faz com que, sobretudo na hipótese dos autos em que a vaga destina-se a apoio administrativo, a exclusão prévia do candidato mostre-se descabida” ( REsp 1777802/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 22/04/2019).

Sendo assim, a apuração realizada na esfera administrativa pela equipe médica a indicar que o autor não está apto a praticar algumas atribuições e atividades inerentes ao cargo por possuir visão monocular (fls. 32/39) não pode ser admitida para justificar, desde já, a sua eliminação no concurso público.

Nesse sentido, já se pronunciou esta Egrégia Corte em casos

semelhantes:

APELAÇÃO CÍVEL. Concurso público. Candidato portador de visão monocular inscrito em certame para provimento do cargo de Agente de Escolta e Vigilância sob a reserva de cargos para portadores de necessidades especiais PNE. Perícia médica realizada perante o DPME que, embora tenha reconhecido a deficiência visual do candidato, o declarou como inapto para o exercício da função.

Descabimento. Visão monocular sabidamente qualificada como deficiência para o fim de participação em concurso público. Aplicação da Súmula nº 377 do STJ. Exclusão que contraria a teleologia normativa de inclusão da pessoa com deficiência, ferindo o princípio da isonomia, conforme previsão constitucional. Aferição de incompatibilidade da deficiência apresentada com a atribuição do cargo que deverá ser realizada após aprovação em concurso, durante o estágio probatório. Precedentes. Sentença de procedência mantida. Recurso desprovido.

(TJSP; Apelação Cível 1003599-20.2018.8.26.0156;

Relator (a): Jose Eduardo Marcondes Machado; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro de Cruzeiro - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/07/2021; Data de Registro: 07/07/2021)

Ademais, a própria legislação que trata sobre o uso, posse e porte da arma de fogo não prevê qualquer disposição que impeça o portador de visão monocular de manusear o armamento.

A esse respeito, vale mencionar que no laudo pericial realizado nestes autos, por perita de confiança do Juízo, ficou expressamente destacado que “O Autor possui a comprovação de habilidade técnica para o manuseio de armas de fogo (Comprovante No 361/2020 de 15/08/2020, cópia na Pág.117 dos Autos) e comprovação de avaliação psicológica (Expedida pela Clínica Fenix, psicóloga Maria Aparecida do Nascimento CRP 54346-5 em 31/07/2020, cópia anexada à Pág. 116 dos Autos)” (fl. 153).

Em suma, caracterizada a insubsistência dos fundamentos que embasaram a inaptidão do autor no exame médico admissional, a hipótese é mesmo procedência do pedido.

Portanto, decidida corretamente a questão, nada há que se alterar na

r. sentença.

Por fim, nos termos do disposto no artigo 85, § 11, do Código de

Processo Civil, considerando o trabalho adicional nessa fase recursal e atendendo-se aos critérios legais, majoro os honorários em 1%.

Ante o exposto, pelo meu voto e para os fins acima, nego provimento ao recurso.

O pedido foi julgado procedente a decisão foi confirmada em todas instâncias e foi patrocinado pela Dra. Cristiana Marques especialista em Concurso Público e Servidor Público.

PROCESSO nº 1035962-16.2019.8.26.0224

CRISTIANA MARQUES ADVOCACIA

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