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2 de Maio de 2024

Condenação por violência doméstica contra a mulher pode incluir dano moral mínimo mesmo sem prova específica

há 6 anos


Nos casos de violência contra a mulher ocorridos em contexto doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo de indenização a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que sem especificação do valor. Essa indenização não depende de instrução probatória específica sobre a ocorrência do dano moral, pois se trata de dano presumido.

A tese foi fixada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recursos especiais repetitivos (Tema 983) que discutiam a possibilidade da reparação de natureza cível por meio de sentença condenatória nos casos de violência doméstica. A decisão, tomada de forma unânime, passa agora a orientar os tribunais de todo o país no julgamento de casos semelhantes.

“A simples relevância de haver pedido expresso na denúncia, a fim de garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa, ao meu ver, é bastante para que o juiz sentenciante, a partir dos elementos de prova que o levaram à condenação, fixe o valor mínimo a título de reparação dos danos morais causados pela infração perpetrada, não sendo exigível produção de prova específica para aferição da profundidade e/ou extensão do dano. O merecimento à indenização é ínsito à própria condição de vítima de violência doméstica e familiar. O dano, pois, é in re ipsa, afirmou o relator dos recursos especiais, ministro Rogerio Schietti Cruz.

Evolução legislativa

Para estabelecimento da tese, o ministro traçou uma linha histórica da evolução legislativa ocorrida na última década no sistema jurídico brasileiro, que teve como um de seus objetivos e resultados a valorização e o fortalecimento da vítima – e, particularmente, da mulher.

Um dos marcos evolutivos da legislação ocorreu em 2008, com a inclusão do inciso V no artigo 387 do Código de Processo Penal, que passou a prever a fixação de valor mínimo de reparação de danos por ocasião da sentença condenatória. Apesar de certa divergência doutrinária, o ministro lembrou que o STJ já possui jurisprudência pacífica no sentido de que a indenização prevista no dispositivo contempla as duas espécies de dano: material e moral.

“Mais robusta ainda há de ser tal compreensão, a meu sentir, quando se cuida de danos experimentados pela mulher vítima de violência doméstica – quase sempre, mas nem sempre, perpetrada pelo (ex) marido ou (ex) companheiro – situação em que é natural (pela diferente constituição física) e cultural (pela formação sexista e patriarcal da sociedade brasileira) a vulnerabilidade da mulher”, explicou o ministro ao também lembrar da aprovação da Lei Maria da Penha e, mais recentemente, da Lei 13.104/15, que alterou o Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio.

No âmbito do STJ, o ministro destacou que as turmas penais já firmaram o entendimento de que a imposição, na sentença condenatória, de indenização a título de danos morais para a vítima de violência doméstica requer a formulação de pedido específico, em respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa.

Segundo Schietti, o pedido expresso do Ministério Público ou da parte ofendida é suficiente, ainda que não haja a indicação do valor específico, para que o magistrado fixe o valor mínimo de reparação pelos danos morais, sem prejuízo de que a pessoa interessada promova pedido complementar no âmbito cível – nesse caso, será necessário produzir prova para a demonstração dos danos sofridos.

Em relação à dispensa da produção de prova em situações de violência doméstica, o relator disse que, no âmbito da reparação dos danos morais, a Lei Maria da Penha passou a permitir que um juízo único – o criminal – possa decidir sobre quantificações que estão relacionadas à dor, ao sofrimento e à humilhação da vítima, que derivam da própria prática criminosa e, portanto, possuem difícil mensuração e comprovação.

“O que se há de exigir como prova, mediante o respeito às regras do devido processo penal – notadamente as que derivam dos princípios do contraditório e da ampla defesa –, é a própria imputação criminosa – sob a regra, derivada da presunção de inocência, de que o onus probandi é integralmente do órgão de acusação –, porque, uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela derivados são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados”, concluiu o ministro ao fixar a tese dos recursos repetitivos.

Tapa e atropelamento

Em um dos casos analisados pela seção, um homem foi denunciado por lesão corporal em âmbito doméstico. Ele teria desferido um tapa em sua ex-companheira, levando-a ao chão e, momentos depois, retornou ao local e a atropelou, causando diversas lesões corporais.

A vítima apresentou representação contra o agressor e, ao oferecer denúncia, o Ministério Público pediu a fixação de valor mínimo para reparação de danos morais.

Em primeira instância, o magistrado condenou o réu a quatro meses de detenção e fixou indenização mínima por danos morais à vítima no valor de R$ 3 mil. A indenização foi, todavia, afastada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que entendeu que não houve instrução processual específica para fixação da reparação e, além disso, concluiu que não foi apontado um valor mínimo que servisse como parâmetro para a defesa do réu.

“Pelo exame dos autos, observo que houve requerimento expresso tanto do Ministério Público quanto da própria vítima, desde o início da lide, para que fosse imposta ao réu uma indenização mínima pelos danos morais suportados com a prática criminosa, os quais derivaram da prática de lesões corporais perpetrados em contexto de violência doméstica e familiar”, concluiu Schietti ao aplicar a tese ao caso concreto e restabelecer a decisão de primeira instância.

Fonte: STJ Notícias

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A violência doméstica facilita pela força física que o homem seja o agressor, mas a agressão moral, pode vir das duas partes e seria muito interessante que isso fosse observado. continuar lendo

Sim, é muito possível que a mulher possa agredir seu par moralmente e até fisicamente. E exemplos concretos no cotidiano não são raros. Porém, neste caso específico, em se tratando da proteção à mulher que foi vítima de agressão, já há uma sentença penal condenatória em face do agressor e pela experiência jurídica que temos, quando chega neste ponto, estamos diante de uma mulher que foi subjugada sistematicamente no ambiente doméstico até conseguir se libertar, inclusive psicologicamente, para dar início e seguimento a uma ação penal. E neste caso, há a especial proteção à mulher. Se a vítima da agressão for o homem, sempre há ação penal por outros tipos penais em que se enquadrem o ato agressivo da mulher e os danos morais poderão ser reparados na esfera cível. continuar lendo

Hoje, estamos escrevendo uma nova história e cada fato se torna relevante e se torna um capítulo que poderá perpetuar.
O afã de uma justiça desejável não pode desvirtuar o sentido desta.
Muito cuidado nas conclusões precipitadas. Homens e mulheres presisam aprender muito sobre respeito mútuo. continuar lendo

Só espero que a legislação cível também evolua no sentido de prever o dano moral presumido em algumas situações. Da mesma forma como na última década houve a valorização da vítima e em especial da mulher, nos dizeres do ministro, há também que se considerar que nos últimos 30 anos houve a conscientização dos direitos do consumidor. Hoje em dia é latente o uso imoderado por parte das mega empresas, de meios hostis de cobrança de dívidas e também de afrontas descaradas ao direito do consumidor, já que o dano moral, de difícil apuração e prova, em geral é afastado sob a infeliz tese do "mero aborrecimento", o que tem encorajado as empresas a atuarem com flagrante má fé, traindo assim a confiança que o consumidor lhes dedicou ao escolher pelo produto/serviço que fornecem. Na realidade, o mundo está caminhando a cada dia mais para a valorização do ser humano e do indivíduo, e isso há que ser constantemente refletido na jurisprudência e por fim, nas leis. continuar lendo