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1 de Maio de 2024
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    Crimes contra a Dignidade Sexual e outras Reformas Penais

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br) Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Crimes contra a Dignidade Sexual e outras Reformas Penais. Disponível em http://www.lfg.com.br - 14 de setembro de 2009.

    Várias leis modificaram nosso ordenamento jurídico-penal recentemente: por força da Lei 11.923/2009 estabeleceu-se que o chamado sequestro relâmpago configura crime de extorsão (CP, art. 158, ); em virtude da Lei 12.012/2009 agora também a posse de celular pelo preso passou a ser incriminada; a Lei 12.016/2009 trouxe novo regramento para o mandado de segurança; a Lei 11.983/2009 eliminou a contravenção de mendicância. Foram muitas as alterações, mas nenhuma foi mais profunda que a ocorrida com os crimes sexuais.

    Há vários anos a doutrina penal brasileira mais atualizada reivindicava a eliminação do Código Penal do título (da década de quarenta, do século passado) crimes contra os costumes. Finalmente, com a Lei 12.015/2009 essa locução foi substituída pela seguinte: Crimes contra a dignidade sexual (que significa a tutela da liberdade e do desenvolvimento sexual de cada pessoa humana).

    Nossa preocupação, acredito, não pode ter por base mudanças periféricas, como a que ocorreu com o delito de estupro (que agora tem como vítima qualquer pessoa). Uma premissa fundamental para a correta interpretação de praticamente todos os novos dispositivos legais (CP, art. 213 e ss.)é a seguinte: foi fixada uma idade em que rege a proibição absoluta de sexo: menos de catorze anos. Nesse caso o que se protege é o desenvolvimento sexual da pessoa (que não deve ser perturbado com a antecipação de qualquer tipo de experiência sexual). Com pessoas com menos de catorze anos o novo texto legal veda expressamente qualquer tipo de relacionamento sexual. Claro que gerará muita polêmica a situação extrema da pessoa, com treze anos de idade, por exemplo, que exerce a prostituição pública e há muito tempo. Talvez o erro de tipo (sobre a idade), nesses casos, é que venha a eliminar o delito.

    Uma vez estabelecido o limite, a partir daí, tudo está a depender da anuência ou não da pessoa (em participar ou presenciar qualquer ato sexual). A partir dos catorze anos o fundamental é saber se a pessoa quis ou não quis (livremente) o ato sexual. Se o ato for livre, não há que se falar em delito (o sexo faz parte do âmbito da liberdade de cada um). Onde não há violência ou grave ameaça ou mesmo fraude, não há que se vislumbrar qualquer tipo de delito sexual, quando os envolvidos contam com catorze anos ou mais. O Estado não tem o direito de invadir a vida privada das pessoas, para impor-lhe uma determinada orientação moral.

    Mesmo no delito previsto no art. 218-B (favorecimento da prostituição), desde que a vítima tenha catorze anos ou mais, se o ato foi livre, foi desejado, fica difícil vislumbrar qualquer infração penal (apesar da letra da lei em sentido contrário). Mais vale a liberdade sexual de cada pessoa que as presunções legais.

    No que diz respeito ao delito do art. 229 do CP (casa de prostituição), a melhor interpretação é a restritiva, ou seja, desde que o ato sexual envolva maiores, não há que se vislumbrar qualquer tipo de crime nas casas destinadas aos encontros sexuais. As pessoas maiores frequentam essas casas se quiserem (e quando quiserem). São livres para isso. Nos parece um absurdo processar o dono de um motel ou de uma casa de prostituição, que é frequentada exclusivamente por pessoas maiores de idade. O comércio que tem como objeto o sexo privado (entre maiores), que conta com conotação positiva (em razão da segurança, da higiene etc.), não é a mesma coisa que exploração sexual (que tem conotação negativa de aproveitamento, fruição de uma debilidade etc.). As pessoas maiores contam com a liberdade de darem à sua vida sexual a orientação que quiserem. Podem se prostituir, podem vender o prazer sexual ou carnal, podem se exibir de forma privada etc. Só não podem afetar direitos de terceiros (nem muito menos envolver menores).

    Em razão da multiplicidade de tipos penais, parece-nos importante a fixação dos parâmetros mencionados. O risco de se fazer confusão entre o Direito e a Moral é muito grande (sobretudo na esfera dos crimes sexuais). Cada um tem uma visão de mundo. Cada um vê o sexo de uma maneira. Mas a moral de cada um não pode preponderar sobre o bom senso, sobre a razoabilidade. O processo de secularização do Direito penal começou, de forma clara, no século XVIII: Direito e Moral foram separados, delito e pecado foram delimitados.

    Enquanto de adulto se trate, cada um dá à sua vida sexual o rumo que bem entender. O plano moral não pode ser confundido com o plano jurídico. O Estado não tem o direito de instrumentalizar as pessoas (como dizia Kant) para impor uma determinada orientação moral ou sexual.

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