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3 de Maio de 2024
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    Demitir trabalhadores no curso de greve é ato antissindical

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    No dia 28 de abril ocorreu um dos principais movimento de resistência dos trabalhadores da história recente, uma greve geral, que reuniu diferentes categorias e centrais sindicais na tentativa de forçar o governo federal a negociar o seu pacote de reformas trabalhistas e previdenciárias.

    A postura inflexível do governo – talvez decorrente de sua frágil legitimidade democrática – indica que outros eventos ocorrerão, pois a tomada das ruas ainda não foi suficiente para sensibilizar o planalto do quão forte pode ser a resistência popular coletiva. A possibilidade de sucessivos movimentos revistas, portanto, abre espaço para discutirmos alguns dos efeitos da paralisação do trabalho para reinvindicação de direitos – tal como tentamos recentemente discutir aspectos gerais da chamada “greve política”.

    Seria importante, neste momento, discutir um aspecto já mencionado em nosso artigo anterior, um direito previsto na Convenção nº 98, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 49, de 27.8.52 e ratificada pelo Decreto n. 33.196, de 29.6.53. O art. 2, b, de referida Convenção: “b) dispensar um trabalhador ou prejudicá-lo, por qualquer modo, em virtude de sua filiação a um sindicato ou de sua participação em atividades sindicais, fora das horas de trabalho ou com o consentimento do empregador, durante as mesmas horas”.

    A cláusula protetiva, como se vê, é genérica e permite que o rol de proteção contra atos antissindicais seja tão extenso quanto forem os óbices injustificadamente opostos aos trabalhadores e às suas entidades representativas (sindicato, federação e confederação), pois “cometerá uma antissindicalidade aquele que, por ação ou omissão, independentemente da constatação de culpa, violar direitos de liberdade sindical, [de modo que] a culpa ou o dolo qualificará, evidentemente, o ilícito civil-trabalhista aqui em análise” (MARTINEZ, Luciano. Condutas antissindicais. São Paulo: Saraiva: 2013. p. 216). Seguramente essa antissindicalidade se manifesta em atos contra o exercício individual (trabalhador) ou coletivo da liberdade sindical (sindicato, federação e confederação).

    Desde a edição da Súmula 316, do STF (“A simples adesão à greve não constitui falta grave”) são menores as hipóteses de dispensas motivadas durante o movimento grevista, mas a inexistência de um verbete jurisprudencial a respeito da dispensa imotivada dos trabalhadores, no curso de uma greve, permite às empresas atuarem nessa zona grísea e, sob o pretexto de exercer o seu direito potestativo, violar o direito individual e coletivo à liberdade sindical e seus consectários. Afinal, o trabalhador que (ainda) não aderiu à greve, pode ser dispensado de forma imotivada?

    Ainda que se reconheça o direito empresarial em dispensar, há que se reconhecer o abuso desse direito no curso da greve, o que, por conseguinte, também induz a responsabilidade civil, nos termos do art. 187, do Código Civil. Afinal, a Lei de Greve é expressa em afirmar que “§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento”.

    Não é preciso desdobrar muito o raciocínio para compreender que a dispensa de trabalhadores no curso da greve é um meio de “frustrar a divulgação do movimento”, pois reduz o coletivo que está pressionando o empregador, além de servir como medida de prevenção geral negativa, ou seja, possui o efeito de “disseminar” entre os demais quais são as consequências que recairão sobre quem se “rebelar” contra o empregador ou apoiar quem se rebela. A expressão prevenção geral negativa é tomada por empréstimo das teorias absolutas da retribuição no Direito Penal, por prestarem exatamente o mesmo (des) serviço à sociedade no caso de expiação do apenado. Em tempos de crise econômica e desemprego, reforça-se, ademais, o discurso de que “em tempos de desemprego e dificuldades financeiras, fazer greve por melhores condições é não dar valor ao que se tem”.

    A tolerância judicial e legislativa com tais práticas já valeu ao Brasil a condenação pelo Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT que, ao apreciar o Caso nº 2.646, oriundo de queixa apresentada pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Transporte Metroviário (FENAMETRO), condenou a República à adoção de medidas imediatas com vistas à reintegração dos dirigentes sindicais e trabalhadores metroviários de São Paulo e do Rio de Janeiro dispensados em razão de sua participação nos movimentos reivindicatórios deflagrados no ano de 2007.

    A decisão igualmente reforçou a constatação em torno da insuficiência do ordenamento jurídico brasileiro na tutela contra os atos antissindicais e da sucessiva inobservância por parte do Poder Público e dos empregadores ao art. 1º, 2, b, da Convenção nº 98 da OIT:

    “a) el Comité pide al Gobierno que tome sin demora todas las medidas a su alcance para obtener como solución prioritaria al reintegro sin pérdida de salário de los dirigentes sindicales y trabajadores despedidos de la empresa Compañia do Metropolitano de São Paulo por haber participado en las paralizaciones de actividades de los días 23 de abril, 1º, 2 y 3 de agosto de 2007, así como de los dirigentes sindicales despedidos de la empresa Opportrans SA en vísperas del inicio del proceso de negociación colectiva en abril de 2007; si las autoridades competentes determinan que el reintegro de los dirigentes sindicales no es posible por razones objetivas e inevitables, se debe otorgar una indemnización adecuada para reparar todos los daños sufridos y prevenir la repetición de tales actos en el futuro, lo cual debe significar una sanción suficientemente disuasiva contra los actos de discriminación antisindical. El Comité pide al Gobierno que le mantenga informado de todo hecho nuevo que se produzca a este respecto.”

    Seguramente o cenário geral é menos dramático – pois a dispensa de dirigentes sindicais é menos comum –, mas não menos preocupante, na medida em que, por debilidade da força normativa da Constituição, as empresas, a cada movimento grevista, decidem esvaziar a categoria – isso para não se discutir, por ora, a dispensa contínua em segmentos como o dos bancários e dos metalúrgicos que violam o projeto constitucional que veda a dispensa arbitrária e imotivada, defende o pleno emprego, assim como a tutela jurídica em face da automação.

    Sem margem para dúvida, dispensas jamais poderiam ocorrer no curso da greve, por obstar o direito individual à liberdade sindical de aderir ao movimento grevista; bem como frustrar a liberdade sindical coletiva e o consequente direito do sindicato em arrebanhar novos trabalhadores para os atos de pressão da paralisação. Ignorar esse direito de duplo viés é esvaziar o conteúdo jurídico da liberdade sindical.

    E é justamente para prevenir essa série de desencadeamentos ilícitos, que a própria Lei de Greve veda a dispensa no curso da paralisação: “Art. , parágrafo único. “É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. e 14”.

    E, para dar concreção a essa sistemática de proteção à liberdade sindical, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu que o trabalhador não poderá ser dispensado independentemente de aderir ou não à greve. Trata-se, portanto, de uma proibição objetiva ao empregador, uma ordem de não dispensar no curso do movimento paredista:

    “Agravo de instrumento. Recurso de revista. Deflagração de greve pela categoria. Rescisão do contrato de trabalho do reclamante sem justa causa, no curso da greve. Trabalhador que não aderiu ao movimento paredista. Art. da lei 7.783/89. Indenização. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, ante a constatação de violação, em tese, do art. da Lei 7.783/89. Agravo de instrumento provido. Recurso de revista. Deflagração de greve pela categoria. Rescisão do contrato de trabalho do reclamante sem justa causa, no curso da greve. Trabalhador que não aderiu ao movimento paredista. Art. da lei 7.783/89. Indenização. O instituto da greve, ao ser incorporado pela ordem jurídica como um direito, acaba por encontrar nela suas próprias potencialidades e limitações e, entre as potencialidades, está a proteção de dispensa dos trabalhadores, conforme art. , parágrafo único, da Lei 7.783/89. Nessa medida, também o art. da Lei 7.783/89 desautoriza a adoção de condutas antissindicais. Assim, em regra, não será possível ao empregador rescindir os contratos de trabalho no decurso de greve, ainda que não se trate de trabalhador grevista. No caso dos autos, verifica-se que o Reclamante foi dispensado sem justa causa em 21/3/2011, depois de deflagrada greve na categoria em 18/3/2011. Tem-se, com isso, que o ato de dispensa sem justa causa do empregado configura conduta antissindical da empresa. Nessa circunstância, compreende-se razoável fixar indenização como forma de compensação pelo ato ilícito praticado pela empregadora, além de ostentar recomendável diretriz pedagógica. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido”. (RR – 1810-20.2011.5.02.0462, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 03/09/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/09/2014).

    Caracterizada a ilicitude da conduta patronal, não restam dúvidas que remanesce o direito à reintegração e, quando menos à indenização. Como se mencionou acima, cometerá uma antissindicalidade aquele que, por ação ou omissão, independentemente da constatação de culpa, violar direitos de liberdade sindical, [de modo que] a culpa ou o dolo qualificará, evidentemente, o ilícito civil-trabalhista aqui em análise (MARTINEZ, Luciano. Op. cit. p. 216). Isto significa que a responsabilidade é objetiva, pois prescinde de dolo ou culpa. E esse conceito não é apenas doutrinário, como demonstra a redação da Convenção 98. O ato da dispensa, portanto, desde que existente estão previstos na Lei de Greve e na Convenção 98 como ilícitos. Trata-se, portanto, de responsabilidade civil objetiva.

    Ainda que assim não se entenda, é certo que a responsabilidade decorre de culpa, dada a imprudência (uma ação precipitada, açodada) das empresas em efetuar dispensas no curso de uma greve, o que obviamente enfraquece a força do coletivo organizado pela defesa de seus direitos.

    Em virtude da prática de ato ilícito ou abuso de direito pelo réu, os trabalhadores dispensados no curso da greve, por terem violados os seus direitos individuais (feição individual da liberdade sindical), possuem direito a indenização por dano moral. O dano moral é dano in re ipsa, ou seja, violado um dos direitos da personalidade, surge o dever de indenizar. A dor, o sofrimento, o abalo psicológico são apenas consequências do dano nas pessoas físicas e variam conforme a intensidade do dano e o bem jurídico violado (a perda da vida e da capacidade física, sem dúvida, causam maior abalo, em regra, do que a violação da privacidade).

    “Provado o fato, não há necessidade da prova do dano moral, nos termos de persistente jurisprudência da Corte” (REsp 261.028/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ 20.08.2001 e no mesmo sentido, vide AgRg no Ag 701.915/SP, Quarta Turma, Min. Jorge Scartezzini, DJ 21.11.2005; REsp 702.872/MS, Min. Jorge Scartezzini, DJ 01.07.2005)

    Cada um dos trabalhadores dispensados, portanto, pode pleitear reparação de danos e o Tribunal Superior do Trabalho já possui parâmetro objetivo de indenização, de acordo com voto do Ministro Godinho Delgado “como o óbice para a dispensa era de curto prazo (período da greve), a indenização, com efeitos compensatórios e também pedagógicos, deve atingir o valor equivalente a dois salários obreiros”. (RR – 1810-20.2011.5.02.0462, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 03/09/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/09/2014). Se o período de greve é um período de estabilidade no emprego, todas as dispensas deverão ser declaradas nulas e reintegrados todos os dispensados.

    Mais do que isso, como demonstrado acima, a liberdade sindical não pertence apenas aos trabalhadores, mas, sobretudo, às entidades sindicais, especialmente aos sindicatos – entidades de representação imediata. Afinal, a negociação é atributo constitucional dos sindicatos e a greve, isto é, o recurso de pressão laboral diante das dificuldades negociais também o é. Logo, se houver a violação de liberdade sindical, referido dano igualmente será afetado um direito fundamental-social do sindicato, com a violação do seu pleno exercício da liberdade sindical. E, se o sindicato é pessoa jurídica regularmente constituída de acordo com as leis brasileiras e teve violado um direito, é o caso de fixação de indenização por dano moral, tal como permite a Súmula 227, do STJ.

    Os pontos acima ainda são objetos de um número pequeno de ações e conjuntura não aponta para uma solução constitucionalmente adequada dos Tribunais – e menos ainda se pode cravar o sucesso dessa peleja judicial quando o assunto é a denominada “greve política”. Seja como for, em momentos de turbulência e privação de direitos, é fundamental que todos os instrumentos políticos e jurídicos sejam utilizados para refrear as reformas draconianas que se aproximam e que, sem qualquer legitimidade democrática, poderão pôr fim a direitos construídos historicamente, fruto de inúmeras lutas e reinvindicações.

    Angelo Antonio Cabral é Mestre pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP, 2014). Cursou Especialização em Direito do Trabalho pela mesma instituição (2009) e, pela Universidade de Coimbra cursou Especialização em Direitos Fundamentais (“Ius Gentium Conimbrigae” – IGC, 2013). Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Taubaté (2006). É pesquisador do núcleo de estudos e extensão «O trabalho além do direito do trabalho: dimensões da clandestinidade jurídico-laboral», DTBS/USP. Autor, pela Juruá Editora, dos livros Direito Ambiental do Trabalho na Sociedade do Risco (2016) e Teoria da Constituição – Introdução ao Direito Constitucional Brasileiro (2015). É advogado, sócio de Crivelli Advogados Associados, e professor.

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