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17 de Junho de 2024

"Demurrage"

Publicado por Mariana D
há 8 anos

1. O que vem a ser “demurrage”?

Em contratos de transporte, as partes contraentes, quais sejam, o armador e o afretador, ajustam tanto o preço quanto os prazos que deverão ser respeitados. Sendo assim, desde o momento em que o “navio atraca”, cria-se uma expectativa de tempo para conclusão da descarga das mercadorias ora transportadas bem como para que os contêineres sejam devolvidos ao armador, com isto, possibilitando a liberação do navio para seguir viagem.

É claro que, o atraso na devolução deste contêiner tem como consequência a retenção do navio o que provoca, consequentemente, atrasos subsequentes que acabam prejudicando o armador. Em razão deste atraso, estabelece-se uma indenização ou multa por dia ou hora de atraso. Define-se, tanto pelo atraso em si, quanto pela compensação garantida por esse atraso a “demurrage”, conhecido pela Lei Brasileira como “sobreestadia”. A sobreestadia, prevista em nosso Código Comercial, é definida como sendo a soma pecuniária avençada a ser paga, por dia ou pro - rata, pelo afretador ao transportador, pelo tempo utilizado além daquele estipulado para embarque ou descarga do navio.[1]

De acordo com Carla Adriana Comitre Gilbertoni o termo “demurrage é a indenização paga pelo afretador num fretamento por viagem, pelo tempo que exceder das estadias nas operações de carga e descarga de um navio, conforme estiver estipulado na carta-partida”. [2]Para o Ministério da Justiça, a demurrage é definida domo “o pagamento feito ao dono do navio pelo operador portuário pelo atraso no embarque da carga”. Já para o Banco Central, a demurrage é “a indenização convencionada para o caso de atraso no cumprimento da obrigação de carregar e descarregar as mercadorias no tempo pactuado”.[3]

De acordo com Rafael Guimarães Rosset, via de regra, a estadia inicia-se no momento em que o comando do navio emite a notificação (denominada NOR – Notice of Readiness ou aviso de prontidão) de chegada à área de fundeio ou em lugar adequado ao início das operações e finaliza-se pela conclusão da carga ou descarga das mercadorias.

Importante ressaltar que a tarifa diária cobrada pela demurrage é fixada de acordo com a vontade de cada transportador, tomando como base para cálculo a tonelagem do navio empregado. É possível dizer que este atraso na “devolução do container gera um desequilíbrio econômico-financeiro ao contrato de afretamento, na medida em que o armador mantinha a justa expectativa de desembaraçar a embarcação dentro do prazo contratado, e o atraso importa em custos extras não cobertos pelo valor do frete. Mais do que o tempo, o prejuízo é também em termos de espaço, na medida em que o container é considerado unidade de carga, e cada container não devolvido subtrai, sonega espaço disponível no navio do armador. ”

2. Qual a natureza jurídica da “demurrage”?

Apesar de a sobreestadia estar presente em grande parte dos contratos de transporte marítimo internacional de cargas, o entendimento quanto à sua natureza jurídica ainda não foi unificada pela doutrina e jurisprudências brasileiras. Em razão de o entendimento não estar pacificado, a demurrage ora é enquadrada como sendo uma cláusula penal, ora indenização por danos materiais em matéria de responsabilidade civil, ora como simples multa.[4]

De acordo com Eliane Martins:

“A temática atinente à natureza jurídica da demurrage é extremamente polêmica. No Direito brasileiro, é latente a escassez doutrinária e de precedentes jurisprudenciais. A doutrina e jurisprudência oscilam entre enquadrar a demurrage como indenização por danos materiais em sede de responsabilidade civil contratual e entre destacar a natureza de multa. Destacam-se ainda alguns entendimentos recentes que sustentam o caráter de cláusula penal (MARTINS, 2008:225). ”

No que diz respeito à adoção da cláusula penal, cabe citar alguns pontos positivo: a) a sobreestadia só será devida caso o inadimplemento tenha ocorrido por fato imputável ao exportador/importador; b) possibilidade de ter ciência prévia do valor a ser pago no caso de descumprimento contratual e c) limitação do valor pelo que preceitua o art. 412 do CC ou pelo valor do contêiner.[5]

Para outra parte da doutrina e jurisprudência, adota-se a demurrage como uma indenização devida ao armador, em razão do não cumprimento do prazo estipulado, sendo esta devida independentemente de imputação de culpa ao devedor.

Tendo em vista a natureza jurídica da sobreestadia, cabe aqui destacar:

“Ação de cobrança - sobrestadia de contêineres ("demurrage") - natureza jurídica - caráter de indenização - valor devido - ação julgada procedente - recurso provido para esse fim.

(TJ-SP - APL: 00396933720128260562 SP 0039693-37.2012.8.26.0562, Relator: Coutinho de Arruda, Data de Julgamento: 24/06/2014, 16ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/07/2014)”[6]

“AÇÃO DE COBRANÇA Apelação Transporte Marítimo Atraso na Devolução de contêineres Sobreestadia (demurrage) Natureza Jurídica de compensação do proprietário dos contêineres por eventuais prejuízos sofridos pela retenção indevida, e não de cláusula penal Inaplicabilidade do artigo 408 do Código Civil Desnecessidade de prova de culpa, exigindo-se apenas a retenção dos contêineres por tempo superior ao ajustado. Sentença modificada Ação procedente RECURSO PROVIDO.

(TJ-SP - APL: 00142569120128260562 SP 0014256-91.2012.8.26.0562, Relator: Spencer Almeida Ferreira, Data de Julgamento: 14/05/2014, 38ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/05/2014)”.[7]

Apelação. Ação de cobrança. Conteiners não devolvidos nos prazos ajustados. Despesas de sobrestadia . Sentença de procedência. Preliminar. Documentos juntados nos autos comprovam a regularidade da representação processual. Omissão inexistente na r. Sentença proferida.. Mérito. Código de Defesa do Consumidor. Não aplicabilidade. Inexistência das figuras de consumidor e fornecedor. Partes em igualdade, não constatada hipossuficiência. Caso dos autos que retrata dívida contratualmente firmada entre as partes. Relação jurídica entre as partes é de natureza unicamente comercial. Demurrage. Natureza jurídica de indenização pré-fixada em razão da retenção indevida do conteiner pelo devedor, por prazo excedente ao determinado no instrumento contratual, independentemente de culpa. Cobrança que não se enquadra nas hipóteses previstas de cláusula penal. Caução. Desnecessidade. Empresas integrantes do Mercosul estão dispensadas da caução. Autora estabelecida em país signatário do Protocolo de Las Leñas. Constitucionalidade do Protocolo de Las Leñas preservada. Aplicabilidade do princípio da imperatividade, que assegura a autoexecutoriedade das normas jurídicas, até que referido texto normativo venha a ser extirpado do ordenamento jurídico com o reconhecimento de sua inconstitucionalidade pelo STF. Recurso não provido. (TJ-SP - Apelação: APL 00349594320128260562 SP 0034959-43.2012.8.26.0562 Relator (a): Edson Luiz de Queiróz. Órgão julgador: 18a Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 14/03/2016). "[8]

Frente ao exposto, resta exposta a carência de uniformidade jurisprudencial acerca do tema abordado.

3. Quando (em que casos) pode ser cobrada “demurrage?

A demurrage poderá ser cobrada quando acordada expressamente por meio de contrato de afretamento. Este contrato deverá dispor sobre as seguintes condições: tempo permitido; condição de contagem; condições para entrega; o ritmo de embarque e descarga; início da contagem de tempo.

Com isto, poderá ser cobrada a sobreestadia após a ciência pelo transportador marítimo sobre a chegada da mercadoria importada e as devidas diligências aduaneiras. Apenas após estes procedimentos será possível prosseguir com a cobrança da demurrage.


[1] http://www.amigosdocomex.com.br/p_canais.php?id=47&canal=45

[2] http://www.rsilvaeadvogados.com.br/site/?imprensa/mostrar/id/95

[3] http://fecomercio-rs.org.br/pdf/demurrage.pdf

[4] http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f4f1f13c8289ac1b

[5] http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f4f1f13c8289ac1b

[6] http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/128025647/apelacao-apl-396933720128260562-sp-0039693-3720128260562 Acesso em 28 de setembro de 2011

[7] http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/120407836/apelacao-apl-142569120128260562-sp-0014256-9120128260562

[8] http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/322674357/apelacao-apl-349594320128260562-sp-0034959-4320128260562

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