Do Artigo 41 da Lei Maria da Penha
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral,defensor público do Estado do Espírito Santo
A premissa maior do julgador, com a qual confrontará os fatos da vida na hipótese concreta sob análise, não é a letra fria da lei, que jaze solitária, mas a norma jurídica, assim entendida como a significação que obtemos a partir da leitura dos textos de direito positivo. É aquilo que GRAU com sua incomparável maestria diz tratar-se como algo que se produz em nossa mente, como resultado do processo de interpretação. A norma, assim, é exatamente o juízo que a leitura dos textos provoca em nosso espírito, isto é, consiste na própria proposição do intérprete último.
Alcançada, desse modo, a curativa idéia exegética de que o Art. 88 da Lei 9.099/95 é um forasteiro intruso na unidade e propósito deste diploma regulamentador de norma constitucional de eficácia limitada que dispõe sobre juizados especiais (Art. 98, Inciso I) e condição de procedibilidade de ação penal lógica e topograficamente nada tem a ver com estes juizados de pequenas causas e suas finais disposições, mas matéria puramente de vetusto direito processual clássico , resta-nos, assim, conceber este solitário dispositivo como aquele que verdadeiramente deu outra providência, diversa daquela idealizada pelo comando constitucional balizador dos juizados. Afastando-se, tão-somente, neste ponto, de sua eficácia de norma derivada complementar, para teletransportá-la como norma de estrutura dependente logo no encalço do Art. 129, Parágrafo 9º, do Código Penal, através do critério sistemático de interpretação das leis.
Sem timidez ou embaraço, sabe-se, clara e induvidosamente, que quando o Art. 41 da Lei da Mulher, sob diversos refletores, diz que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, está querendo dizer, em verdade, que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a benevolente e conciliadora lei dos juizados especiais. Ou seja, rejeita-se ao benefício do homem se é assim que se quer conceber a aplicação do Código dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
E, no que a Lei 9.099 não se prestar, especificamente, a tratar da regulamentação desses juizados especiais e seu rito pacificador, dando, noutra margem, outras providências, aí a história será outra, o produto interpretativo para extração da norma aplicável será outro. Perceba-se que quando esse mesmo Art. 41 alude à expressão independentemente da pena prevista está mesmo a rechaçar a idéia de infração penal de menor potencial ofensivo no âmbito da violência doméstica e familiar. A ojeriza da Lei 11.340/2006 é contra a sistemática dos juizados especiais e seus institutos despenalizadores, não investindo contra as outras providências da Lei 9.099.
Ora, a Lei 9.099/95 dando outras providências, como nítida lei modificadora-reformadora, a par de dispor sobre juizados especiais, hipoteticamente, poderia alterar a Lei Ordinária Federal n. 662/49 de mesma hierarquia para proclamar que o feriado da Independência do Brasil passaria a ser sempre no dia 12 de Outubro, em definitivo. Neste exemplo, seria lícito à mulher supostamente ofendida escusar-se a comparecer ao Fórum quando convocada para audiência aprazada para 07 de Setembro alegando feriado nacional só para as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar, em razão de uma suposta interpretação literal desse Art. 41 da Lei 11.340? Certamente que não. E ninguém ouse duvidar da criatividade do legislador ordinário. Poucos ainda se recuperaram dos dejetos lançados pela Lei 9.494/97, que a tudo providenciou. A própria Lei 11.340 traz diversas providências alteradoras noutros diplomas, como a introdução de um novo Inciso IV, no Art. 313, do Código de Processo Penal, autorizando ao juiz a decretação da prisão preventiva nos casos de descumprimento de medidas protetivas pelo acusado.
Em conclusão, aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, naquilo que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e os seus institutos despenalizadores afins. E, no que esta lei ordinária dá outras providências, como dispondo sobre condição de procedibilidade de ação penal para determinado delito tipificado no Código Penal, despreza-se, assim, o comando literal do Art. 41 da Lei 11.340/2006, adequando-se lógica e coerentemente os diplomas em altercação, para condicionar a ação à iniciativa da ofendida nos delitos de lesão corporal leve ou culposa.
(*) E.mail: edu.riosdoamaral@gmail.com
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