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3 de Maio de 2024

Fonoaudióloga poderá adaptar jornada para cuidar de filha com necessidades especiais

Mãe de menina com Síndrome de Down e disfunção na bexiga, ela pleiteou jornada de seis horas sem redução salarial.

há 3 anos

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho deferiu a possibilidade de adaptação razoável da jornada a uma fonoaudióloga da Universidade de São Paulo (USP), mãe de uma menina que necessita de cuidados especiais. Ela poderá escolher, sem redução da remuneração, entre diversas opções de jornada, como seis horas diárias presenciais e duas de atendimento on-line ou sete horas diárias.

Necessidades especiais

A criança, nascida em 2017, tem Síndrome de Down e disfunção de origem neurológica na bexiga. Para poder cuidar da filha, a fonoaudióloga, contratada para trabalhar 40 horas semanais, requereu, administrativamente, a redução da jornada com manutenção salarial, mas o pedido foi indeferido. A universidade sugeriu que ela aderisse ao Programa de Incentivo à Redução de Jornada, com redução salarial e flexibilização de horários.

Na ação trabalhista, ajuizada em 2018, a profissional pleiteou turno único e ininterrupto de seis horas, sem redução de vencimentos, sustentando que a filha precisa de acompanhamento, inclusive para realizar cateterismo vesical, pois não pode ficar um longo período sem esvaziar a bexiga.

Reajuste indevido

O juízo de primeiro grau deferiu a redução, sem prejuízo na remuneração mensal integral ou exigência de futura compensação. Mas o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) reformou a sentença e julgou improcedentes os pedidos, ao considerar aspectos como legalidade, economicidade, eficiência e interesse público. Para o TRT, atender ao pedido da profissional não seria conveniente à administração pública, pois a redução da jornada com a manutenção do salário implicaria reajuste indevido.

Direitos fundamentais

O relator do recurso de revista da fonoaudióloga, ministro Agra Belmonte, assinalou que o direito das crianças com deficiência de serem tratadas pelo Estado e pela sociedade em igualdade de condições, e segundo as características peculiares que as diferenciam dos demais indivíduos, passou a ser literal na Constituição da República a partir de 25/8/2009, com o Decreto 6.949/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD).

Conforme o ministro, a adaptação ou acomodação razoável nas relações de trabalho pode ser definida como o dever de utilização dos meios, instrumentos, práticas e regras indispensáveis ao ajuste do ambiente de trabalho para assegurar igualdade de condições e de oportunidades, para que as minorias possam exercer, concretamente, os direitos e liberdades fundamentais com a mesma amplitude das maiorias.

Adaptação razoável

Com essa perspectiva, ele destacou que cabe à Justiça do Trabalho conciliar os interesses divergentes, para que a criança possa ser acompanhada de forma mais próxima por sua mãe, sem que isso proporcione um ônus para o qual o empregador não esteja preparado ou não consiga suportar. Segundo o relator, a recusa do poder público à adaptação razoável constitui espécie de discriminação indireta e quebra do dever de tratamento isonômico.

Segundo o ministro, a aplicação da adaptação razoável, atendendo às peculiaridades do caso, é compromisso assumido pelo Estado, como signatário da CDPD. “A acomodação possível somente pode ser pensada no caso concreto, pois cada pessoa tem necessidades únicas”, afirmou. No caso, ele assinalou que a criança necessita de maior proximidade com a mãe, “diante do desafio superior tanto ao seu desenvolvimento como pessoa quanto à sua afirmação enquanto agente socialmente relevante

Situações análogas

Outro ponto observado pelo ministro é que, no âmbito da administração pública, a Lei 8.112/1990 (regime jurídico dos servidores públicos federais) assegura a concessão de horário especial ao servidor ou à servidora que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência, sem prejuízo do salário e sem a necessidade de compensação de horário. “Se o dependente do funcionário federal possui tal prerrogativa, entendemos que o filho de uma funcionária estadual deve desfrutar de direito semelhante”, frisou.

Na avaliação do relator, pessoas em situações análogas não podem ser tratadas de forma desigual, sob pena de violação do princípio da igualdade. Além disso, destacou que já há jurisprudência referente a casos de adaptação razoável aplicada a familiares de pessoas com deficiência.

Opções de jornada

Ao acolher o recurso da fonoaudióloga, a Terceira Turma deferiu tutela antecipada para determinar à USP possibilitar que a empregada escolha entre as seguintes jornadas, sem prejuízo da remuneração: seis horas diárias presenciais e duas horas diárias de atendimento on-line; sete horas diárias e 35 horas semanais, com intervalo de 15 minutos; e seis horas diárias, com intervalo de 15 minutos, e cinco horas de atendimento on-line aos sábados.

A decisão foi unânime.


Decisão: por unanimidade, conhecer do recurso de revista por violação dos arts. 7º, 27 e 28 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e, no mérito, dar-lhe provimento para determinar a acomodação da autora, devendo o réu possibilitar que a empregada escolha entre as seguintes prestações: a) prestação de jornada de seis horas diárias presenciais e duas horas diárias de atendimento on-line, sem prejuízo da remuneração; b) prestação de jornada de sete horas diárias e trinta e cinco horas semanais, com intervalo de quinze minutos, sem prejuízo da remuneração; c) prestação de jornada de seis horas diárias, com intervalo de quinze minutos, e cinco horas de atendimento on-line aos sábados, sem prejuízo da remuneração; d) adesão, sem concorrência, e pelo prazo que a autora necessite cuidar de sua filha, ao Programa de Incentivo à Redução de Jornada (PIRJ), previsto na Resolução 7.350/17 da USP, para diminuição voluntária da carga horária semanal de 40 para 30 horas, com redução proporcional de vencimentos, à razão de 1/4 (um quarto), estimulados pelo abono concedido de acordo com o artigo 5º da Resolução (equivalente a um terço do salário, a cada 6 meses), acrescido, se atendidos os requisitos, de um abono adicional, nos termos do artigo 6º da Resolução. Defere-se a tutela antecipada, a fim de determinar que o réu proceda à acomodação à autora no prazo de quinze dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00, limitada a R$60.000,00, a ser revertida em favor da reclamante. Após a criança completar dezesseis anos, a autora deve comprovar anualmente em juízo a situação de dependência de sua filha, a justificar a manutenção das condições da adaptação razoável. Honorários advocatícios fixados em R$5.000,00, na forma do art. 85, §§ 2º e , do CPC, considerando o baixo valor atribuído à causa (R$2.000,00). Custas em inversão, a cargo do réu, das quais isento.

Fonte: TST.

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