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16 de Junho de 2024

Mãe que permite lesionar filha de 10 anos em ritual de escarificação (cortes) comete crime?

Crime ou liberdade religiosa?

Publicado por Silvimar Charlles
há 3 anos

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Por NÃO vislumbrar a prática de crimes, o juiz Bruno Paiva Garcia, da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Guarulhos (SP), ABSOLVEU uma mãe acusada de lesão corporal em contexto de violência doméstica por ter levado a filha para um ritual de candomblé.

A mulher levou a filha de dez anos para participar de um ritual em que foi praticada escarificação com fins religiosos, que é uma técnica que produz cicatrizes na pele. Após o ocorrido, o pai foi até uma delegacia de polícia para denunciar a mãe.

Porém, o magistrado não identificou crime na conduta da ré e ainda falou em intolerância religiosa.

"Na hipótese dos autos, não se verifica qualquer justificativa, senão a intolerância religiosa, para a restrição a ritual próprio do candomblé", afirmou.

De acordo com o magistrado, o exame médico anexado aos autos constatou apenas micro lesões na pele da criança:

"Trata-se de lesão ínfima, insignificante, que não causou prejuízo físico, psicológico ou sequer estético".

A tipificação dessa conduta como crime de lesão corporal, na visão de Garcia, revelaria inaceitável prática de intolerância religiosa.

"Basta ver que (felizmente) jamais se cogitou criminalizar a circuncisão religiosa, que é comum entre judeus e muçulmanos", completou.

Por fim, o juiz afirmou que o exercício de um direito constitucional, a liberdade religiosa, e a possibilidade de transmissão das crenças aos filhos, dentro dos limites estabelecidos pela Constituição, como o respeito à vida, à liberdade e à segurança, "não pode acarretar consequências penais".

Qual era o teor da Denúncia Silvimar?

Na denúncia recebida pela Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Campinas, o promotor do MP defendia que a mãe levou a criança

"a um ritual religioso no qual a vítima sofreu cortes provocados por gilete ou navalha, causando-lhe lesões corporais de natureza leve".

Bernardo argumenta ainda que a denunciada teria agido por ação e também por omissão, "pois devia e podia agir para evitar resultado danoso à filha".

O laudo do Instituto Médico Legal (IML) anexado à denúncia, realizado em 22 de janeiro de 2021, três meses e 13 dias depois do ritual, aponta que a criança tinha

"oito cicatrizes lineares hipercrômicas, na região do ombro direito", e "cicatriz linear hipercrômica na região lateral do braço esquerdo", todas com "aproximadamente 0,5 centímetro".

A conclusão da perita é de que a menina apresentou "lesões corporais de natureza leve".

E a mãe, o que diz?

A mãe denunciada à Justiça contou que frequenta o terreiro de candomblé em Vargem (SP) há cinco anos, sendo que nos últimos dois a filha a acompanhava, tinha amizade com outras crianças e teria sido informada sobre o ritual de iniciação.

"Ela fez comigo (o ritual). Quando falei que iria fazer, expliquei e perguntei se ela queria fazer. Ela nunca foi obrigada ao terreira, nunca houve resistência, sempre era uma alegria. Era uma coisa normal, como um batismo nas igrejas. E meu ex-marido sabia da crença, ela contava", diz.

Para a moradora de Campinas, o que tem sido mais complicado não é enfrentar o processo, mas estar distante da filha e sem contato com ela por tanto tempo.

"Desde janeiro eu não vejo, não posso falar, ninguém da minha família fala com ela. Minha vida é ela, somos só nos duas há 11 anos. Uma mãe ser impedida ter contato com seu filho, isso é um absurdo. Tento ser forte para não me entregar a uma depressão. Mas tenho fé, esperança que as coisas vão reverter. Nunca faria mal a minha filha. Fiz o bem para ela, como todo pai e mãe que frequenta uma religião faz ao iniciar seus filhos", completa.

De acordo com a mãe e o advogado de defesa, a menina ficou sob a tutela do pai, que busca na Justiça a guarda da filha. Ainda segundo a mulher, o casal se separou quando a criança tinha seis meses de idade, e ela foi responsável pela criação.

Qual foi a tese apresentada pela Defesa?

O advogado Hédio Silva Jr., que representa a mãe no processo, argumenta que o fato é penalmente irrelevante e que "há sinais inequívocos que apontam para intolerância religiosa".

Hédio defende que a cliente exerceu direito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que assegura aos pais o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, e que a prática da escarificação religiosa é menos invasiva que outros rituais comuns em outras religiões, como a circuncisão praticada por judeus e muçulmanos, por exemplo.

"É um caso que entendemos ser ideológico. É fato e notório a extração do prepúcio em bebês de outras religiões, feitas por sacerdotes, e não médicos, e que não configuram lesão corporal. Seria o mesmo que dizer que práticas cotidianas, como a colocação de brincos em crianças, configuram lesão. A escarificação é um ritual religioso" , explica.

Ainda segundo o advogado, a escarificação realizada na cerimônia de iniciação no candomblé, religião de matriz africana, consiste em uma

"microincisão que atinge a superfície da derme, equiparável à tatuagem".

Mas Silvimar, a lesão corporal leve permitida pelo lesionado não é causa supralegal de excludente de ilicitude?

Em regra, SIM, denominado consentimento do ofendido, explorado em artigo próprio (AQUI). Entretanto esta permissão deve ser feita por maior, capaz, sem vícios de forma prévia ou concomitante a lesão, dentre outros, elementos CUMULATIVOS. Senão vejamos:

a) O consentimento do ofendido deve ser manifestado em momento anterior ou concomitante à conduta lesiva. Se posterior pode dar margem a extinção da punibilidade pela renúncia ou perdão nas ações penais privadas que comportem essas figuras;

b) Aquele que consentiu deve ter a capacidade para tanto. Essa capacidade não se confunde com a capacidade prevista no Direito Civil ou a maioridade penal. Deve ser verificada no caso concreto se o ofendido tinha capacidade de discernir a violação que sofreria;

c) A pessoa que consentiu deve ter a titularidade (por óbvio) do bem que pretende dispor;

d) O consentimento do ofendido de ser manifestado sem qualquer tipo de vícios, aqui abrangidos o erro, o dolo ou a coação;

e) O consentimento deve recair sobre bens jurídicos disponíveis, a exemplo do patrimônio ou da liberdade sexual. Quanto a integridade física (onde está o núcleo do presente artigo), diz-se que há uma certa margem de discricionariedade do ofendido, admitindo-se, pois o consentimento no caso de lesões corporais leves. Como é o caso dos piercing e tatuagens.

Obs: embora a liberdade sexual seja um bem inteiramente disponível, isso NÃO torna lícita a prática de ato sexual com menor de 14 anos ou com quem não possua o necessário discernimento para o ato, uma vez que nessas hipóteses, entende o legislador que o ofendido NÃO possui a capacidade para manifestar o seu consentimento.

Decisão na íntegra AQUI 👈🏻👈🏻👈🏻

FONTES: conjur.com e g1.com

ASSUMPÇÃO. Vinicius; ARAÚJO. Fábio Roque. Direito Penal - Resumos para Concursos. 2ª edição. Salvador: Editora JusPodium. 2016

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A mãe tinha o dever de evitar a lesão na criança? COMENTEM

A mãe poderia dispor, livremente, do corpo da sua filha por se tratar de uma lesão corporal de natureza leve? COMENTEM

Um forte abraço e até a próxima!!!

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1 Comentário

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Na medida do possível, sempre opino nos artigos do Silvimar, porque são assuntos bastante complexos e discutíveis, juridicamente falando. Era católico (não praticante) quando meus filhos tinham a mesma idade dessa menina, mas nem eu e nem minha esposa, jamais obrigamos nossos filhos a nada sobre ir ou não ir a igreja, primeira comunhão, etc. . Conheci os rituais do Candomblé e Umbanda. A meu humilde modo de ver, baseado em que não estamos num pais onde a prática desse dois rituais são predominantes, mas sim o Cristianismo, a mãe deveria antes ter consultado seu marido, porque afinal de contas tratava-se de levar uma "criança" a participar desse tipo de ritual, a contra-gosto do pai. Perdendo a ação na justiça, entendo eu, que esse infeliz pai ficou totalmente "desmoralizado" perante sua família e, principalmente quanto a menina. Quem sou eu, pra "contestar" um "togado"... "Lei, ora lei". continuar lendo