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3 de Maio de 2024
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    Não se deve "nomear" a Defensoria Pública como curador especial

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 8 anos

    No Direito, algumas práticas são repetidas ao longo dos anos sem que se entendam os motivos pelas quais são feitas. Isto é, todos seguem o mesmo caminho, por vezes equivocado, presumindo que os demais sabem para onde estão indo, em verdadeiro efeito manada[1]. O desacerto da escolha, porém, comumente não resiste a uma análise mais técnica da questão.

    O despacho judicial nomeando a Defensoria Pública como curador especial é um desses costumes que, apesar de corriqueiros, não encontram razão de ser na legislação. E o novo Código de Processo Civil parece ter sido levado pela manada.

    O novo CPC, frise-se, trouxe inegáveis avanços no tratamento processual da Defensoria Pública. Em matéria de curadoria especial, não foi diferente, tendo sido incorporadas diversas críticas apontadas pela doutrina e pela jurisprudência[2].

    O mesmo cuidado, todavia, não foi observado quanto à forma de introdução da figura do Curador Especial no processo. O caput do artigo 72, CPC/2015 substituiu o comando “o juiz dará curador especial” — presente no caput do artigo , CPC/1973 — por “o juiz nomeará curador especial”, a despeito de prever expressamente no parágrafo único do mesmo dispositivo que “a curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei”.

    Ocorre que a nomeação judicial da Defensoria Pública para exercer tal função já era criticada pela doutrina especializada na vigência do CPC/1973[3]. A mudança do verbo, pois, encontra-se na contramão da melhor técnica. Vejamos.

    A nomeação é o “ato ou efeito de nomear pessoa para o exercício de uma função”[4]. Logo, para que a nomeação faça sentido, é imprescindível que o nomeado não seja o incumbido de cumprir a função para o qual está sendo nomeado[5].

    De fato, a nomeação judicial para atuar como curador especial justificava-se no regime do CPC/1973 até o advento da Lei Complementar 80/94. Isso porque o seu artigo 9º, parágrafo único, prevê: “Nas comarcas onde houver representante judicial de incapazes ou de ausentes, a este competirá a função de curador especial”. Ocorre que a lei não esclarecia que figura seria essa, o que gerava certa perplexidade doutrinária[6].

    O artigo , parágrafo único, CPC/1973, pois, não era em si mesmo eficaz, vez que dependia de lei que o completasse criando o cargo de representante judicial de ausentes[7]. Assim, nos casos em que não era exercida pelo Ministério Público de forma atípica, o juiz nomeava advogado dativo para exercer essa função[8].

    Ocorre que o paradigma legislativo atual é outro. Com a edição da Lei Complementar 80/1994, a norma do artigo , parágrafo único, CPC/1973, restou completada, vez que essa estabeleceu no artigo , XVI, ser função institucional da Defensoria Pública atuar como curador especial no processo[9].

    A curadoria especial, pois, é instituto de Direito Processual de caráter eminentemente protetivo. Destina-se a garantir a tutela dos interesses de pessoas cuja situação de vulnerabilidade possa impedi-los de ter plena ciência acerca da existência e do teor do processo ou de exercer adequadamente a defesa de seus direitos em juízo[10]. Suas principais hipóteses estão previstas no artigo , CPC/1973, correspondente ao artigo 72, CPC/2015, quais sejam: i) incapaz sem representante legal; ii) incapaz quando os interesses deste colidirem com os do representante legal; iii) réu revel preso; iv) réu revel citado por edital ou com hora certa.

    A doutrina especializada costuma classificá-la como função atípica[11] da Defensoria Pública, uma vez que a instituição atua em favor do curatelado independentemente de sua condição econômica. Haveria, assim, uma situação de hipossuficiência jurídica.

    Todavia, com o advento da Lei Complementar 132/2009 e a Emenda Constitucional 80/2014, vêm surgindo vozes defendendo o abandono da classificação das funções da Defensoria Pública em típicas e atípicas[12]. Afinal, dada à sua conformação legal e constitucional atual, a Defensoria Pública defende não só pessoas ou grupos vulneráveis, mas, igualmente, valores constitucionalmente assegurados[13].

    A curadoria especial, pois, configura atribuição em favor primordialmente de valores relevantes do ordenamento[14], em especial o contraditório e a ampla defesa (artigo 3º-A, IV, LC 80/94). Destarte, como destaca Amélia Soares da Rocha[15], não deve ser considerada uma função atípica — como se fugisse da natureza da instituição. Trata-se, pois, de função institucional de defesa, sendo determinada diante da ausência de recursos técnicos do curatelado para tutela de seus interesses, a denotar uma situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência jurídica.

    Por outro lado, trata-se também de função privativa[16] da Defensoria Pública, vez que expressamente prevista no aludido artigo , XVI, da Lei Complementar 80/1994, bem como nas respectivas leis orgânicas estaduais[17], sem qualquer ressalva. Tal exclusividade restou reafirmada pelo próprio Código de Processo Civil de 2015, que no parágrafo único do artigo 72 determina que “a curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei”.

    Portanto, desde 13 de janeiro de 1994 — data de publicação da Lei Complementar 80/94[18] — nas comarcas em que a Defensoria Pública encontra-se instalada, a “nomeação” do curador especial pelo Poder Judiciário, além de desnecessária é absolutamente despropositada. Afinal, a atuação da Defensoria Pública como curador especial decorre de expressa determinação legal e não de nomeação judicial, sendo função institucional de defesa privativa da Defensoria Pública.

    A questão é bem exposta por Diogo Esteves e Franklyn Roger Alves Silva:

    “Restando identificada no processo a ocorrência de situação que reclame a presença da curadoria, não se mostra necessário que o juiz profira decisão nomeando a Defensoria Pública como curadora especial; a nomeação nesse caso é despicienda e descabida. Como a investidura decorre expressamente de lei, deverá o magistrado simplesmente determinar a abertura de vista para que o defensor público tome ciência da ocorrência de hipótese legal de atuação institucional e passe a exercer a função de curador especial, nos termos do artigo 72, parágrafo único, do CPC/2015 c/c artigo 4º, XVI da LC 80/1994[19]”.

    No mesmo sentido, é o entendimento de Frederico Rodrigues Viana de Lima:

    “A Lei Complementar 80/1994 afirma que a Defensoria Pública atuará como curadora especial, nos casos previstos em lei. Logo, ocorrendo no processo uma das situações que reclamem a presença de curador especial, a tarefa do Poder Judiciário deve se reduzir à intimação da Defensoria Pública, comunicando-a de que houve a incidência, naquele feito, de uma das hipóteses legais em que a Instituição deve agir. O juiz não deve nomear a Defensoria Pública para funcionar como curadora especial, tampouco — o que é ainda mais grave — nomear determinado defensor público, escolhido a seu critério[20]”.

    De fato, é comum deparar-se na prática forense c...

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