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7 de Maio de 2024
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    Novo CPC: mudanças na ação de alteração de regime de bens

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Dentro das mudanças implicadas pelo novo Código de Processo Civil na ordem jurídica, é certo que o direito que aborda as relações jurídicas de família e sucessões, seja da ordem pessoal/afetiva ou da ordem patrimonial, também foi objeto de alterações. Nessa linha, um dos alvos das mudanças, a partir da nova legislação processual, foi a ação de alteração do regime de bens.

    Até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o regime de bens adotado nos casamentos era da ordem da imutabilidade. Acompanhava os cônjuges durante toda a duração da sociedade conjugal até sua extinção. A partir de 2002, permitiu-se aos jurisdicionados casados a opção na alteração de regime de bens, desde que preenchidos alguns requisitos e observadas algumas regras específicas.

    Assim, por meio de uma ação de jurisdição voluntária, o ordenamento previu a possibilidade de que ambos os cônjuges, a partir de um pedido motivado – e ressalvados os direitos de terceiros -, requeressem a alteração judicialmente, nos termos do § 2º do art. 1.639 do Código Civil:

    Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver (...)

    § 2o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

    Por mais que a Lei não implicasse, vide dispositivo supramencionado, petições iniciais que apresentavam esse pedido de alteração de regime de bens vinham geralmente firmadas por ambos os cônjuges – essa era orientação de parte da doutrina/jurisprudência sobre a questão. A fim de resguardar direitos de terceiros, eram solicitadas ainda as certidões negativas em nome dos cônjuges e, com a não oposição do Ministério Público – sempre previamente intimado -, era deferida a alteração, expedindo-se os mandados necessários para as respectivas averbações.

    Pois bem. E o que mudou no Novo CPC?

    Há, de forma inédita, uma previsão específica na legislação processual a partir do CPC/2015: a alteração de regime de bens está regrada no art. 734 e seus respectivos parágrafos, conforme abaixo transcrito.

    Art. 734. A alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros.

    § 1o Ao receber a petição inicial, o juiz determinará a intimação do Ministério Público e a publicação de edital que divulgue a pretendida alteração de bens, somente podendo decidir depois de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias da publicação do edital.

    § 2o Os cônjuges, na petição inicial ou em petição avulsa, podem propor ao juiz meio alternativo de divulgação da alteração do regime de bens, a fim de resguardar direitos de terceiros.

    § 3o Após o trânsito em julgado da sentença, serão expedidos mandados de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.

    Inicialmente, percebe-se que a firmatura da petição inicial por ambos os cônjuges foi elevada pelo legislador a um requisito da própria petição inicial – somado aos requisitos do CPC/15, art. 319 e seguintes.

    Contudo, esse requisito não foi o único que, aparentemente, se tornou imprescindível constar na petição inicial desse tipo de demanda. Como se observa no caput do art. 734, se faz necessário, também, a apresentação de um justo motivo para que essa alteração seja deferida.

    E em que consistiria esse justo motivo?

    Em uma primeira leitura – ou, em uma leitura “seca” dos dispositivos, sem se atentar às discussões jurisprudenciais e doutrinárias acerca da questão -, pode o leitor afirmar que não haveria tamanha diferença entre o § 2º do art. 1.639 do Código Civil“pedido motivado (...) apurada a procedência das razões invocadas - e o caput do art. 734 do novo Código Civil – “requerida, motivadamente, (...) na qual serão expostas as razões que justificam a alteração”.

    Todavia, sobre a questão, paira grande discussão entre os operadores de direito, que consiste, basicamente, em saber se esse justo motivo consistiria apenas na livre vontade das partes – desde que observados os demais requisitos legais -, ou se consistiria em um “plus” ao interesse das partes, em que caberia o controle do órgão jurisdicional sobre ser ou não um justo motivo aquele apresentado pelas partes para a alteração do regime.

    Como quase tudo no direito implica a existência de, ao menos, duas correntes, tal questão não foge da regra: existe uma primeira corrente que entende que a demonstração desse justo motivo seria um requisito a mais, consistente na necessidade de serem demonstradas as razões (ou os “porquês”) para a alteração do regime [1]; e uma segunda corrente entende que a motivação para a alteração consistiria apenas na verificação da vontade das partes – o que já seria suficiente para o preenchimento do interesse processual [2].

    Se considerarmos o entendimento da primeira corrente, não há como negar que a apresentação de um justo motivo – e não apenas o interesse das partes - se configuraria em um verdadeiro requisito, autônomo e independente, para a petição inicial, sendo que, caso não preenchido, levaria ao seu indeferimento. Caso contrário, sendo considerada como petição motivada apenas a constatação da intenção das partes para a alteração, a mera assinatura delas na petição inicial já preencheria o referido interesse.

    Enquanto não há uma posição adotada ou consolidada pela jurisprudência, não pode o patrono furtar-se de tentar, dentro da realidade do caso por seus clientes apresentada, demonstrar a existência de um justo motivo a fim de que seu pedido supere a admissibilidade inicial e, assim, entregue o bem da vida pretendido. Ou seja, até segunda ordem, vale considerar esse “plus” como requisito autônomo desse tipo de ação.

    Outra novidade, advinda do CPC/15, consiste na necessidade de publicação de um edital, antes do deferimento da alteração, a fim de que seja dada uma maior publicidade ao novo regime que for pretendido pelas partes. Somente após o mínimo de 30 (trinta dias) após a publicação do edital – e após a não oposição do Ministério Público (como já ocorria) -, é que poderá ser deferida a alteração (CPC/15, art. 734, § 2º).

    Essa publicação que, por mais que fosse adotada por alguns juízos esparsos, não era regra, mas uma importante inovação no sentido de permitir uma maior amplitude da publicidade da alteração – resguardando, assim, ainda mais direitos de terceiros que poderiam ser eventualmente prejudicados.

    Além disso, com os novos contornos dados pela Lei, cada vez mais esse tipo de procedimento se afasta da necessidade de ser judicializado, como já ocorreu em algumas outras hipóteses (ex.: divórcio). Por falar nisso, essa é a uma das ideias previstas no projeto de Lei do IBDFAM “Estatuto das Famílias” [3].

    Ainda quanto à essa publicidade, a Lei, dando ares de “contemporaneidade”, previu a possibilidade dos próprios cônjuges sugerirem forma alternativa da divulgação da proposta de alteração de bens. Ou seja, garantiu abertura na norma a fim de que o procedimento seja, ao mesmo tempo, mais otimizado e menos custoso, sem perder de vista o real foco da amplitude da publicidade almejada – a doutrina cita, dentre outras formas atuais de divulgação, a feita por meio da internet [4], não podendo ser desconsiderada nenhuma outra, desde que atinja o mesmo grau de conhecimento público.

    Não se pode deixar de destacar que essa evolução da alteração do regime de bens – partindo da proibição (anterior ao Código Civil de 2002), para uma futura permissão de realização até mesmo extrajudicial (Estatuto das Famílias) – reflete, mesmo que a passos curtos, uma evolução da reflexão e compreensão do legislador pátrio, ao entender que um regime patrimonial de bens (ou, na verdade, a impossibilidade de sua alteração), não pode ser o óbice para a manutenção da comunhão plena de vida de uma entidade familiar – pensando, neste ponto, em todas as entidades e não apenas o casamento.

    Sobre as questões não abordadas no novo CPC, mas que aparentam restarem mantidas pelo entendimento jurisprudencial, refere-se sobre a possibilidade dos casamentos anteriores ao Código Civil de 2002 poderem ser objeto da ação de alteração do regime de bens [5], sendo impossível atribuir à sentença que acolhe tal pedido o efeito ex tunc (a alteração do regime passa a valer apenas a partir do trânsito em julgado da sentença) [6].

    Rodrigo D’Orio Dantas é Psicanalista formado pelo Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo (CEP-SP). Advogado, mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado lato sensu em Direito Processual Civil na mesma universidade.
    REFERÊNCIAS 1 APELAÇÃO CÍVEL - PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS - POSSIBILIDADE, DESDE QUE ATENDIDOS OS REQUISITOS DO ART. 1.639, § 2.º, DO CÓDIGO CIVIL - AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. - Segundo jurisprudência predominante neste Sodalício, é possível a alteração de regime de bens do casamento, desde que verificados, concomitantemente, os requisitos do art. 1.639, § 2.º, do Novo Código Civil. Assim, se não verificado motivo razoável para a modificação pretendida, a improcedência do pedido é medida que se impõe. (Apelação Cível 1.0512.10.008457-7/001, Relator (a): Des.(a) Armando Freire , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/08/2011, publicação da sumula em 30/09/2011). No mesmo sentido: TJMG - Apelação Cível 1.0223.14.014027-6/001, Relator (a): Des.(a) Luís Carlos Gambogi , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/03/2016, publicação da sumula em 15/03/2016. Vide enunciado 113 da Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro dos Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. 2 “No caso, diante de manifestação expressa dos cônjuges, não há óbice legal que os impeça de partilhar os bens adquiridos no regime anterior, de comunhão parcial, na hipótese de mudança para separação total, desde que não acarrete prejuízo para eles próprios e resguardado o direito de terceiros. Reconhecimento da eficácia ex nunc da alteração do regime de bens que não se mostra incompatível com essa solução (...) Existe hoje um novo modelo de regras para o casamento, em que a autonomia da vontade dos nubentes, quanto aos seus bens, é percebida em sua mais ampla acepção, e a única ressalva apontada na legislação diz respeito a terceiros, ao dispor o § 2º do art. 1.639 do CC de 2002, de forma categórica, que os direitos destes não serão prejudicados pela alteração do regime de bens. Como a própria lei resguarda os direitos de terceiros, não há porque o julgador criar obstáculos à livre decisão do casal sobre o que melhor atenda a seus interesses, razão pela qual, no caso, não vislumbro nenhum óbice legal que impeça a partilha dos bens adquiridos sob o regime anterior, de comunhão parcial, diante de sua mudança para separação total, notadamente quando o pedido decorre da expressa manifestação de vontade dos cônjuges” STJ – REsp 1.533.179/RS – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – Dje 23/9/15 3 PLS 470/2013 – Senado Federal 4 Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo/ coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier ... (et al.] – 1ed – SP:RT, 2015, p. 1080 5 “Direito civil. Família. Casamento celebrado sob a égide do CC/16. Alteração do regime de bens. Possibilidade.” STJ – Resp 821/807/PR – Rel. Min. Nancy Andrighy – DJ 13.11.2006. No mesmo sentido: REsp nº 1533179 / RS - DJe 23/09/2015. 6 CASAMENTO. ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS (SEPARAÇÃO TOTAL PARA COMUNHÃO UNIVERSAL). DECRETO DE PROCEDÊNCIA. Recurso interposto pelos autores, pleiteando que a alteração retroaja à data da celebração do casamento. Inadmissibilidade. Modificação de regime de bens que possui efeito ex nunc. Inteligência do art. 1.639, § 2º, do Código Civil. Precedentes, inclusive do C. STJ. Sentença mantida. Recurso improvido. (TJSP; APL 1056413-22.2014.8.26.0100; Ac. 9346600; São Paulo; Oitava Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Salles Rossi; Julg. 12/04/2016; DJESP 19/04/2016)
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