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24 de Maio de 2024
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    Os direitos do preso e as prerrogativas do exercício da advocacia

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 13 anos

    Para o pleno exercício da ampla defesa em processo penal se faz imprescindível ao defendente reunir-se com seu advogado para que este possa lhe transmitir todas as informações necessárias sobre o caso, de forma a se deduzir a melhor solução jurídica para o seu problema. Tantas quanto bastem, devem ser as reuniões. Conforme nos ensina a doutrina, é fundamental ouvir o constituinte tantas vezes quantas forem necessárias para revisar impressões e fortalecer convicções.[1]

    Protegendo os direitos do preso, a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) relaciona entre os direitos do custodiado, em seu artigo 41, inciso IX (e vale frisar que o rol meramente exemplificativo do dispositivo não esgota, em absoluto, os direitos da pessoa humana, eis que a interpretação há de ser ampla em tema de direitos do preso . Em tais casos, permanece como direito tudo aquilo que não constitui restrição legal)[2], o direito a entrevista pessoal e reservada com o advogado.

    Sendo estrangeiro o custodiado, ou não conhecedor da língua portuguesa, seu advogado poderá respeitadas as exigências de cautela e de segurança inerentes a qualquer complexo penitenciário fazer-se acompanhar de intérprete de sua confiança, independentemente de ser juramentado, nas entrevistas reservadas que mantiver com o seu cliente naquele estabelecimento prisional.[1]

    Constata-se, com base em tais premissas, que o direito do preso se entrevistar com seu advogado possui contornos de verdadeira garantia. E assim foi definida pela Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica em seu artigo 8º, 6º inciso, ao situar entre as garantias judiciais o direito ao acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor.

    A imprescindibilidade da entrevista com a defesa técnica ocorre também porque reforça não só a própria defesa, mas a capacidade de autodefesa do defendente. Nunca é demais, quando abordamos o tema, relembrar o que ressaltava Augusto Thompson em seu clássico Quem são os criminosos ?:quanto mais indefeso for o paciente, mais estimulado ficará o investigador para a aplicação de suplícios.[2] A autodefesa é reconhecida como parte do direito de defesa e protegida por lei. O interno tem liberdade de se comunicar com tribunais, advogados e funcionários encarregados do controle de estabelecimentos carcerários.[3]

    Se, por um lado, ao preso assiste o direito de se entrevistar com sua defesa técnica, por se cuidar de imprescindível ato para que possa lutar, dentro das regras do jogo de um regime democrático de Direito, por sua liberdade, não há como deixar de se perceber, por outro lado, que inerente ao exercício regular da advocacia e da defesa nasce o direito, a prerrogativa profissional, de entrevistar-se com seu cliente, mesmo que preso, por configurar ato sem o qual fica prejudicado gravemente o exercício da advocacia e a eficiência da defesa ― que jamais, sob pena de retorno às piores fases pelas quais a humanidade já se deparou, poderá ser meramente simbólica. Não é por menos que o ordenamento pátrio contempla as duas frentes.

    Dessarte, tutelando os direitos do advogado, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo , inciso III, reserva a garantia do réu comunicar-se, de forma pessoal e reservada, com seu advogado.

    O direito à entrevista pessoal e reservada possui relevância tal que o advogado pode exercê-la independentemente de procuração. Por vezes o advogado é contratado pela família do preso e seu primeiro contato ocorrerá na unidade prisional em que estiver seu cliente, o qual, a depender do resultado da entrevista, poderá, ou não, contratar o advogado. Nessa situação e em diversas outras se afigura uma exigência impossível de ser atendida, e que representaria um obstáculo ilegal e ilegítimo ao exercício regular da defesa.

    Mesmo sem procuração, ainda que esteja o cliente preso, detido ou recolhido em estabelecimento civil ou militar, e ainda mesmo que esteja considerado incomunicável. É o que prevê o inciso III do artigo do EOAB, in verbis :

    Art. 7º - São direitos do advogado:

    (...)

    III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.

    Com efeito, ao advogado não só é garantido se comunicar com seu cliente, como o ratifica Paulo Lôbo, sem qualquer interferência ou impedimento do estabelecimento prisional e dos agentes policiais.[4] O descumprimento dessa prerrogativa, vale dizer, importa em crime de abuso de autoridade, consoante leitura do artigo , alínea j, da Lei 4.898/1965, que define como abuso de autoridade qualquer atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

    Embora sejam aplicáveis analogicamente ao defensor público as garantias e prerrogativas previstas no Estatuto da Advocacia, houve por bem o legislador em conferir no rol das prerrogativas previstas ao advogado do povo, com a Lei Complementar 132/2009, a proteção à entrevista pessoal e reservada com o assistido, garantindo, ainda, que tal deve ocorrer independentemente de prévio agendamento. Veio em bom tempo a previsão, diante de situações que muito se repetem pelo país, a de negar-se o direito a comunicação com o cliente e o acesso à unidade prisional em razão de exigir-se anterior agendamento da visita.

    Com a nova redação, o inciso VI do artigo 128 da Lei complementar 80, de 12 de janeiro de 1994, ficou assim cunhado:

    Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer:

    (...)

    VI comunicar-se, pessoal e reservadamente, com seus assistidos, ainda quando estes se acharem presos ou detidos, mesmo incomunicáveis, tendo livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento;

    A exigência de prévio agendamento não é tolerada nem mesmo ao preso submetido ao famigerado e inconstitucional Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Esse foi o entendimento unânime da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao anular os efeitos da Resolução 49 da Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo, que determinava o prévio agendamento da entrevista entre preso e seu defensor. O voto condutor, do relator, ministro Herman Benjamin, muito bem analisou o tema:

    Cuida-se, originariamente, de Mandado de Segurança impetrado pela recorrente contra ato do Secretário da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, apontando como ato coator a edição da Resolução SAP 49, norma que disciplina o direito de visita e de entrevista dos advogados com seus clientes presos no Regime Disciplinar Diferenciado.

    A Seccional paulista da OAB alega que a exigência de prévio agendamento, prevista na norma citada, vulnera os princípios constitucionais da Ampla Defesa e da Assistência de Advogado ao Preso, além de malferir as normas que regem a atividade advocatícia e o regime prisional.

    A irresignação da OAB/SP merece prosperar.

    A Resolução 49 da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, em seus arts. 5º e 6º, prevê:

    Art. 5º - As entrevistas com advogado deverão ser previamente agendadas, mediante requerimento, escrito ou oral, à Direção do estabelecimento, que designará imediatamente data e horário para o atendimento reservado, dentro de 10 dias subseqüentes.

    1º - Para a designação da data, a Direção observará a fundamentação do pedido, a conveniência do estabelecimento, especialmente a segurança da unidade, do advogado, dos funcionários e dos presos.

    2º - Comprovada documentalmente a urgência, a Direção deverá, de imediato, autorizar a entrevista.

    Art. 6º - Ficam sujeitos às diretrizes desta Resolução todos os presos que cumprem pena em regime disciplinar diferenciado, ainda que em trânsito em outra unidade.

    A citada norma restringe substancialmente direito conferido por Lei Ordinária aos advogados, conforme se depreende da leitura do art. do Estatuto dos Advogados, Lei 8.906/1994:

    Art. 7º - São direitos do advogado:

    (...)

    III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;

    (...)

    VI - ingressar livremente:

    (...)

    b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares; (grifei)

    Nesse mesmo sentido o art 41111, IX e XII, da Lei de Execucoes Penais, que dispõe sobre os direitos do preso:

    Art. 41 - Constituem direitos do preso:

    (...)

    IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

    (...)

    XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

    Dessume-se claramente das normas tidas por malferidas que o ato normativo editado pelo ilustre Secretário de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo contraria frontalmente o direito líquido e certo dos causídicos e de seus clientes.

    O prévio agendamento das visitas, mediante requerimento à Direção do estabelecimento prisional, é exigência que fere o direito do advogado de comunicar-se com cliente recolhido a estabelecimento civil, ainda que incomunicável, conforme preceitua o citado artigo da Lei 8.906/1994, norma hierarquicamente superior ao ato impugnado.

    Ademais, a mesma lei prevê o livre acesso do advogado às dependências de prisões, mesmo fora de expediente e independemente da presença de seus titulares, garantia que não poderia ter sido limitada pela Resolução SAP 49.

    Igualmente lesionado o direito do condenado à entrevista pessoal e reservada com seu advogado, prerrogativa que independe do fato de o preso estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado, pois, ainda assim, tem direito à igualdade de tratamento, nos termos do artigo 41, inciso XII, da Lei de Execucoes Penais.

    Em caso idêntico, ocorrido no Estado do Mato Grosso, onde o Secretário da Administração Penitenciária daquele ente da federação editou Portaria restringindo o direito dos advogados e dos presos quanto à visitação, esta Corte firmou o seguinte entendimento:

    ADMINISTRATIVO - DIREITO DO PRESO - ENTREVISTA COM ADVOGADO - ESTATUTO DA OAB - LEI DE EXECUCOES PENAIS - RESTRIÇAO DE DIREITOS POR ATO ADMINISTRATIVO - IMPOSSIBILIDADE.

    1. É ilegal o teor do art. 5º da Portaria 15/2003/GAB/SEJUSP, do Estado de Mato Grosso, que estabelece que a entrevista entre o detento e o advogado deve ser feita com prévio agendamento, mediante requerimento fundamentado dirigido à direção do presídio, podendo ser atendido no prazo de até 10 (dez) dias, observando-se a conveniência da direção.

    2. A lei assegura o direito do preso a entrevista pessoal e reservada com o seu advogado (art. 41, IX, da Lei 7.210/84), bem como o direito do advogado de comunicar...

    Ver notícia na íntegra em Consultor Jurídico

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