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    Princípio da insignificância e a nova lei de crimes sexuais - Danilo Fernandes Christófaro

    há 14 anos

    Como citar este artigo: CHRISTÓFARO, Danilo Fernandes. Princípio da insignificância e a nova lei de crimes sexuais. Disponível em http://www.lfg.com.br - 20 de abril de 2010.

    PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A NOVA LEI DE CRIMES SEXUAIS

    Podemos falar na incidência do princípio da insignificância em qualquer crime, seja tributário, ambiental, previdenciário, de dano, contra a administração pública, sexuais etc.

    Para aferir a (im) possibilidade de incidência deste princípio, basta analisarmos se estão presentes os requisitos reitores da insignificância, quais sejam: a) conduta minimamente ofensiva do agente; b) ausência de risco social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e; d) relativa inexpressividade da lesão jurídica. Presentes os requisitos, afasta-se a tipicidade material. Vejamos:

    O fato típico, antes do advento da moderna teoria da imputação objetiva (1970, Roxin), possuía (em razão do finalismo de Welzel) apenas duas dimensões: objetiva (ou formal) e subjetiva.[ 1 ]

    A dimensão formal (tipicidade formal) se caracteriza pela adequação do fato à letra da lei. O fato concreto se amolda ao tipo formalmente previsto em lei. Já o aspecto subjetivo, refere-se ao dolo ou culpa. Ignorava-se o bem jurídico protegido e sua dimensão ofensiva. Não havia a preocupação com o aspecto valorativo da conduta. Para a caracterização da infração, era basicamente suficiente a subsunção do fato a letra da lei.

    No entanto, conforme a teoria constitucionalista do Direito que deve ser adotada por um Estado constitucional e democrático de Direito, como o Brasil e após a teoria da imputação objetiva de Roxin, a tipicidade passou a ser composta pela dimensão formal (objetiva) e material. Desta feita, para que uma conduta possa ser considerada como crime, é necessário que ela preencha os requisitos formais e materiais do tipo.

    A tipicidade material é formada por juízos valorativos, sendo: desvalor da conduta (conduta realmente relevante) e desvalor do resultado (lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico). Deste modo, observando-se insignificância da conduta ou do resultado, afasta-se a tipicidade material, ou seja, carecendo o fato de relevante resultado da ofensa ou da conduta ou de ambos, incide o princípio da insignificância, como excludente da tipicidade.

    Com o advento da Lei 12.015/2009, que tutela os crimes contra a dignidade sexual, muito se fala das consequências advindas dessa mudança, das alterações por ela trazidas, o que ficou mais rígido e o que ficou mais brando. Junto com todas essas alterações, unidas as várias decisões referentes à aplicação do princípio da insignificância, surgiu-nos um questionamento: Existiria a incidência do princípio da insignificância nos crimes sexuais?

    Para tecermos comentários a essa questão, antes devemos apresentar, mesmo que de forma breve, o que essa nova lei nos trouxe de alteração. Citaremos apenas algumas mudanças, sem, no entanto, pormenorizá-las, pois não é esse o verdadeiro foco deste trabalho. Superada a menção às mudanças, passaremos a analisar a possibilidade de existência de infrações bagatelares nos crimes sexuais.

    Dentre as mudanças ocorridas, já podemos notar a primeira na própria nomenclatura do título, que antes era denominado dos crimes contra os costumes, passou-se a denominar dos crimes contra a dignidade sexual, readaptando o enfoque da tutela penal ao seu verdadeiro bem jurídico, após a modificação cultural da sociedade em relação ao tema.

    Partindo aos comentários pertinentes a reforma do artigo 213 do CP (crime de estupro), dois pontos mostram-se mais evidentes: os sujeitos do crime e o atentado violento ao pudor, este último agora fazendo parte da concepção de estupro, pois antes era tipificado autonomamente (art. 214 do CP). Antes da reforma, o artigo exigia condição especial dos dois sujeitos (ativo e passivo), havia necessidade de ser praticado por um homem e sofrido por uma mulher, com a mudança, qualquer pessoa pode tanto praticar como sofrer o estupro. Foram acrescidas qualificadoras aos 1.º e 2.º.

    No que tange as alterações pertinentes ao artigo 215, notamos nova união de artigos, entre o antigo 215 (posse sexual mediante fraude) e 216 (atentado ao pudor mediante fraude), formando-se o novo 215 (violação sexual mediante fraude), que tipifica a conduta de conjunção carnal e ato libidinoso mediante fraude, sem (como no estupro) exigir condição especial de sujeitos. Também houve majoração das penas dos tipos básicos.

    O crime de assédio sexual, artigo 216-A, sofreu pequena alteração. Continua com a sua tipificação original, acrescido apenas da majorante do 2º, quando o crime é cometido contra vítima menor de 18 anos.

    Outra novidade trazida pela nova lei foi o artigo 217-A, que prevê o estupro de vulnerável, tipificando a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos. Considera-se vulnerável não só a vítima menor de 14 anos, como também pessoa que por enfermidade ou deficiência mental não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.

    O artigo 218 trouxe como novidade a tipificação autônoma de induzir alguém menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem, mudança benéfica. Diante da diminuição da pena, deve retroagir para beneficiar o réu ou condenado.

    Criou-se o artigo 218-A, que conforme ensinamentos de Rogério Sanches: não sem razão, observava que induzir vítima, não maior de 14 (catorze) anos, a presenciar atos de libidinagem, sem deles participar ativa ou passivamente, era, em regra, um indiferente penal (fato era atípico). A Lei 12.015/2009 integrou a lacuna, criando o artigo 218-A.[ 2 ]

    Nova junção de artigos ocorreu com a formação do artigo 218-B, que uniu o artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente ao artigo 228, , do Código Penal, formando o delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável. O artigo 228 prevê o mesmo delito, entretanto, a vítima deste não será criança ou adolescente.

    As mudanças ocorridas com a nova redação do artigo 225 são as que com certeza darão muita discussão doutrinária. As ações penais nos crimes sexuais antes eram de iniciativa privada, passando com a nova previsão, a adotar a ação penal pública condicionada. A controvérsia reside, principalmente, em que ação adotar quando do crime resultar morte ou lesão corporal grave, o que o legislador não deixou expressamente tipificado. Uns falam em pública incondicionada, outros defendem pública condicionada conforme a nova disposição e alguns já aludem a inconstitucionalidade do dispositivo, último posicionamento recentemente defendido pela PGR na ADI 4.301, junto ao STF.

    O legislador manteve o delito do artigo 229, no entanto, deu-lhe nova configuração, exigindo um estabelecimento onde haja exploração sexual, com ou sem intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente. Também de pequena expressão foi a alteração sofrida pelo delito de rufianismo, artigo 230 do CP, que apenas teve acrescido nas circunstâncias qualificadoras o emprego de fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.

    O artigo 231 (tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual) sofreu alteração na finalidade do crime, adaptando-o aos documentos internacionais, não mais se limitando à prostituição, abarcando, desde agora, toda espécie de exploração sexual, mudanças ocorridas no mesmo sentido no 231-A, só que este último trata das mesmas condutas no âmbito interno, e não internacional.

    Após os breves e sucintos comentários a respeito das mudanças mais significativas advindas da Lei 12.015/2009, cabe agora responder à pergunta inicialmente apresentada: Pode incidir o princípio da insignificância nos crimes sexuais?

    Assunto pouco explorado pelos doutrinadores, a existência de infrações bagatelares nos crimes sexuais é possível, como em praticamente qualquer outro crime, entretanto, neste com muito mais difícil aferição, pois se trata de avaliação quase que inteiramente subjetiva. Para se descaracterizar o crime sexual através do princípio da insignificância (excludente da tipicidade material), temos que imaginar uma conduta ou resultado dessa conduta extremamente insignificante, pois do contrário, possivelmente cairíamos no artigo 61 da Lei de Contravencoes Penais Decreto-lei 3.688/1941 , que prescreve a contravenção de importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor.

    Deste modo, são vários os crimes sexuais, mas poucos os que poderíamos imaginar condutas realmente insignificantes. Como exemplo de infração sexual bagatelar, podemos ilustrar a hipótese de um agente que, em público, proferisse palavra de baixo calão à mulher, com conotação sexual, mas que ninguém pudesse ouvir, ou mesmo que ouvindo, a conduta não tenha representado qualquer importunação significativa ao pudor da vítima.

    Analisar se o caso concreto se amolda aos vetores de incidência do princípio da insignificância é a saída para se ter uma resposta da incidência ou não deste princípio a determinado caso. Se não houver uma conduta reprovável, um resultado relevante ou não houver ambos, não há tipicidade material, logo, não há crime!

    A linha entre pudor e dignidade sexual é tênue, dizer que determinada conduta ofende o pudor da vítima, é o mesmo que dizer que lhe causou vergonha, embaraço, deixou-a constrangida. Destarte, lesar o pudor da vítima não é tão grave como atacar a sua dignidade sexual, por isso a previsão da contravenção da importunação ofensiva ao pudor. Entretanto, dizer que determinada conduta ofendeu a dignidade sexual da vítima, significa dizer que feriu a sua liberdade de desenvolvimento sexual, de escolha do parceiro, a sua incolumidade física concernente à sexualidade. Por isso, a dignidade sexual foi inserta como bem jurídico a ser tutelado por crimes, e não contravenções, devido à diferença na gravidade das consequências dessas condutas.

    Para vislumbrarmos uma hipótese de incidência do princípio da insignificância em crimes contra a dignidade sexual, podemos imaginar a conduta do beijo lascivo, toque nas nádegas ou algo análogo. Embora sejam condutas formalmente típicas, não atingem o aspecto material do tipo, seja pelo desvalor da conduta ou desvalor do resultado, o que denota sua insignificância criminal. Nestes casos, em respeito aos princípios constitucionais da intervenção mínima, subsidiariedade, fragmentariedade, adequação social e ao próprio princípio da insignificância, tais situações deverão ser resolvidas, caso necessário, pelas demais esferas do Direito.

    Notas de Rodapé:

    [1] GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos. Direito Penal . vol. 2 parte geral. São Paulo: RT, 2007, p. 234.

    [2] GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 . São Paulo: RT, 2009, p. 55.

    BIBLIOGRAFIA

    BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos. Direito Penal . Vl.1, Introdução e princípios fundamentais. São Paulo: RT, 2007.

    BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal . Parte geral, vol. 01, São Paulo: Saraiva, 2004.

    GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos. Direito Penal . Parte Geral. vol. 2. São Paulo: RT, 2007.

    GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 . São Paulo: RT, 2009.

    GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal . Parte geral. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2005.

    NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual . São Paulo: RT, 2009.

    PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade penal . São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2003.

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