Reclamação no STF determina realização da 1ª Audiência de Custódia em Ipatinga - Minas Gerais
Reclamação 32.315 Minas Gerais -Relator: Min. Gilmar Mendes
RECLAMAÇÃO 32.315 MINAS GERAIS
RELATOR :MIN. GILMAR MENDES
RECLTE.(S) :MARCOS VINÍCIUS LEANDRO ALMEIDA ROSA
ADV.(A/S) :JULIANO AZEVEDO SILVA
RECLDO.(A/S) :JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE IPATINGA
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
BENEF.(A/S) :NÃO INDICADO
Decisão: Trata-se de reclamação, ajuizada por Juliano Azevedo Silva, em favor de Marcos Vinícius Leandro Almeida Rosa, contra decisão do Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ipatinga, que, ao deixar de designar audiência de custódia do reclamante, preso em flagrante, teria supostamente contrariado o decidido no julgamento da Medida Cautelar na ADPF 347/DF.
Em consulta ao sítio eletrônico do TJ/MG (processo 0137702- 55.2018.8.13.0313), verifico que o reclamante foi preso em razão do cometimento de roubo majorado.
Nesta Corte, a defesa alega em síntese, o descumprimento da decisão proferida nos autos da ADPF 347/DF, haja vista a homologação do flagrante e conversão em prisão preventiva sem, contudo, a submissão do réu à audiência de custódia.
Postula a realização da aludida audiência no prazo de 24 horas.
É o relatório.
Dispenso a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República, por entender que o processo já está em condições de julgamento (artigo 52, parágrafo único, RISTF).
Passo a decidir.
As razões merecem acolhimento.
Dos documentos acostados aos autos pelo reclamante e diante das informações prestadas, verifico situação de flagrante ilegalidade, apta a autorizar a procedência desta reclamação (prisão em flagrante homologada e convertida em prisão preventiva sem audiência de custódia ofensa ao artigo 1º da Resolução 213/2015-CNJ).
Documento assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001.
O Juízo da 1ª Vara da Comarca de Ipatinga/MG consignou o seguinte:
“Indefiro o pedido de f. 225/233, uma vez que, em que
pese já haver Comarcas realizando a referida audiência, na Comarca de Ipatinga ainda não foi implementada a audiência de custódia. Por tratar-se de réus presos, intime-se o Dr. Juliano Azevedo Silva, para apresentar resposta à acusação do acusado Marcos Vinicius para designação de AIJ.”
Observa-se, portanto, que as audiências de custódia não estão sendo realizadas na referida Comarca.
Assim sendo, razão assiste à defesa.
Tal procedimento contraria frontalmente o art. 1º da Resolução 213/15 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editada com sucedâneo na decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na MC na ADPF 347. Ademais, verifica-se que inexistem ressalvas quanto ao número de habitantes de cada Comarca. Transcrevo o dispositivo:
“Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24h da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão!
Tomando os tratados como parâmetro do controle de convencionalidade do ordenamento jurídico interno, o STF deferiu medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, em 9.9.2015, para determinar a realização de audiências de apresentação dos presos em flagrante, no prazo de 24 horas, contado da prisão. Cito trecho da ementa desse julgado, no que interessa:
“(...) AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão (ADPF-MC 347, DJe 19.2.2016).”
Trata-se de importante mecanismo de controle da legalidade das prisões em flagrante, prevenindo-se prisões ilegais e até torturas no ato da prisão, situações constatadas nos mutirões carcerários realizados pelo Conselho Nacional de Justiça e constantemente noticiadas pela imprensa.
Antes mesmo da decisão do STF, o CNJ vinha firmando convênios com Tribunais para realizar as audiências de apresentação. Efetivamente, com a MC na ADPF 347, o STF tornou obrigatória a realização da audiência de custódia em todo o País.
Destaco também decisão na qual o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu a ordem nos seguintes termos (HC 141.476/SP, DJe 20.3.2017):
“Como se vê, a presente impetração volta-se contra decisão monocrática do Ministro Humberto Martins, que indeferiu a liminar do writ,uma vez que a impetração lá também se voltava contra negativa de pleito urgente. Desse modo, este pleito não pode ser conhecido, sob pena de indevida supressão de instância e de extravasamento dos limites de competência deste Supremo Tribunal Federal, descritos no art. 102 da Constituição Federal, que pressupõem seja a coação praticada por Tribunal Superior. Essa foi a orientação firmada pela Segunda Turma, quando do julgamento do HC 119.115/MG, de minha relatoria, ocasião na qual se decidiu que a não interposição de agravo regimental no Superior Tribunal de Justiça e, portanto, a ausência da análise da decisão monocrática pelo seu colegiado, impede o conhecimento do habeas corpus por esta Suprema Corte. Do contrário, permitiria ao jurisdicionado a escolha do Tribunal para conhecer e julgar a sua causa, o que configuraria evidente abuso do direito de recorrer. Isso posto, com base no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento a este writ. Prejudicado o exame da medida liminar. No entanto, entendo que deve ser concedida ordem de habeas corpus de ofício. Observo, nesse sentido, embora não tenha sido objeto da impetração, que a audiência de custódia foi realizada sem a presença do paciente, que encontrava-se hospitalizado. Nesse casos, o acusado deve ser apresentado ao magistrado imediatamente após restabelecida sua condição de saúde ou de apresentação, conforme determina o art. 1º, § 4º, da Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, o que não se verificou na espécie. Isso posto, concedo a ordem, de ofício, para determinar a realização da audiência de custódia, em até 24 (vinte e quatro) horas, a partir da comunicação oficial desta decisão cautelar, oportunidade, inclusive, em que o magistrado terá condições, vis-à-vis com o indiciado, de analisar a necessidade, ou não, de substituição da prisão preventiva pela domiciliar nos termos do art. 318 do CPP ou da aplicação de uma ou mais medidas constantes do art. 319 do CPP. Comunique-se com urgência.”
Cito, ainda, a ementa do HC 133.992/DF, de relatoria do Ministro Edson Fachin, Primeira Turma, DJe 2.12.2016:
“HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SUBSTITUTIVO DE AGRAVO REGIMENTAL. NÃO CONHECIMENTO. AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO. REALIZAÇÃO OBRIGATÓRIA. DIREITO SUBJETIVO DO PRESO. PRISÃO CONVERTIDA EM PREVENTIVA. PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Da irresignação à monocrática negativa de seguimento do habeas corpus impetrado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, cabível é agravo regimental, a fim de que a matéria seja analisada pelo respectivo Colegiado. 2. Nos termos do decidido liminarmente na ADPF 347/DF (Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015), por força do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e como decorrência da cláusula do devido processo legal, a realização de audiência de apresentação é de observância obrigatória. 3. Descabe, nessa ótica, a dispensa de referido ato sob a justificativa de que o convencimento do julgador quanto às providências do art. 310 do CPP encontra-se previamente consolidado. 4. A conversão da prisão em flagrante em preventiva não traduz, por si, a superação da flagrante irregularidade, na medida em que se trata de vício que alcança a formação e legitimação do ato constritivo. 5. Considerando que, a teor do art. 316 do Código de Processo Penal, as medidas cautelares podem ser revisitadas pelo Juiz competente enquanto não ultimado o ofício jurisdicional, incumbe a reavaliação da constrição, mediante a realização de audiência de apresentação. 6. Ordem concedida de ofício, julgado prejudicado o agravo regimental.”
No mesmo sentido, menciono decisão por mim proferida, em 28.4.2017, nos autos do HC 142.789/DF (DJe 3.5.2017); a Rcl 26.053/PI, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 14.2.2017, e a Rcl 25.560 MC/PA, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 1º.2.2017.
Ante o exposto, nos termos do artigo 161, parágrafo único, do RISTF, julgo procedente a reclamação, para determinar a realização da audiência de custódia, no prazo de 24 horas, contado da comunicação desta decisão, devendo o magistrado reapreciar a manutenção, ou não, da prisão preventiva, bem como a necessidade de aplicação das medidas cautelares diversas da prisão dispostas no artigo 319 do CPP.
Comunique-se ao Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ipatinga/MG.
Publique-se.
Brasília, 25 de outubro de 2018.
Ministro Gilmar Mendes
Relator
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.