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17 de Junho de 2024
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    Reflexões sobre a terceirização

    Publicado por Espaço Vital
    há 12 anos

    Por Rafael da Silva Marques,

    juiz do Trabalho substituto.

    O fenômeno da subcontratação de trabalhadores, conhecido como terceirização, ganha fôlego a cada dia no Brasil. Há, inclusive, projeto de lei (PL nº 4.330/04) que visa a regulamentar, em caráter geral, este instituto, hoje matéria apenas de súmula do Tribunal Superior do Trabalho.

    Inicialmente, é interessante destacar que todo o debate é válido. E que cabe discutir, como fez o TST há pouco, as matéria envolvendo a legislação que trata da estrutura econômica e social do pais. O que, contudo, se deve chamar a atenção é que a terceirização, como idéia, não foi discutida e sim imposta pela economia, ficando para o debate apenas a forma de aplicação prática e a responsabilização da empresa tomadora dos serviços.

    A discussão envolvendo a idéia de terceirização é essencial. Já foi dito neste espaço que a Constituição federal de 1988, pelo que preceitua seu artigo setimo inciso primeiro, não autoriza a dupla alienação do homem. A dupla exploração da mais valia, característica central da subcontratação de trabalhadores onde há duas empresas que exploram a atividade de um único trabalhador.

    Também já foi mencionado aqui a questão envolvendo a igualdade. Ora, a terceirização cria trabalhadores de segunda categoria dentro do mesmo ambiente de trabalho, cindindo o poder sindical (artigos 7o, XXVI e 8o da CF/88) e criando empregados mais e menos protegidos pela norma legal e coletiva. Registre-se que a Constituição federal, em seu artigo 3o, IV, proíbe qualquer forma de discriminação, não se podendo afastar do problema trazido pela subcontratação que cria, como dito, trabalhadores de segunda categoria, ou seja, uns mais iguais que os outros.

    O que este pequeno ensaio busca trazer à tona neste momento é o problema envolvendo a redução das desigualdades sociais e regionais, tema central constante da Constituição federal de 1988 e que se aplica também à questão envolvendo a terceirização.

    Preceitua o artigo 3o, III, da CF/88 que é objetivo da República a redução das desigualdades sociais e regionais. A República brasileira, portanto, deve ter por norte a redução das desigualdades sociais e regionais. Isso quer dizer que a ampla desigualdade social existente no país, a grande diferença entre ricos e pobres, entre patrões e empregados, deve ser repensada, reestudada e, o mais rápido possível, reduzida a padrões razoáveis de civilizatórios de convivência.

    Ocorre que com a terceirização há um aumento da desigualdade. Isso porque ela permite a maior concentração de renda nas mãos dos tomadores dos serviços, que lucram com a redução dos custos salariais e trabalhistas, e dos prestadores de serviços que, apesar do reduzido valor cobrado junto aos tomadores, ainda assim, apropriam-se da mais valia do trabalhador terceirizado, pagando a estes salários bem inferiores a aqueles alcançados aos trabalhadores contratados de forma direta.

    O que se deve ter em mente é que a média salarial dos empregados no Brasil é de R$1.800,00 ao mês [1]. A dos terceirizados é de R$1.000,00, ou seja, pouco mais da metade [2]. Não fosse isso, a média salarial dos trabalhadores passaria de R$2.000,00, com a inclusão social de boa parte da população obreira nacional, em especial os trabalhadores terceirizados, reduzindo, de fato, a desigualdade social, a diferença econômica entre ricos e pobres [3].

    Note-se que os objetivos da República vinculam, por evidente, a atuação do poder público. Vinculam também o legislador, que não tem possibilidade de criar norma que infrinja qualquer dos objetivos. A lei que desrespeitar este imperativo deverá ser considerada inconstitucional por ofensa a um dos objetivos traçados pelo poder constituinte originário em 1988.

    Justificar a legislação envolvendo a terceirização no fato de que ela (terceirização) já está ai e que o que cabe é regulamentar é, além de aceitar a intervenção direta do econômico sobre o social, permitir que, de forma indireta, a Constituição possa ser alterada pelo poder econômico, conforme conveniência deste, ao ponto de chegar (a Constituição) a ser apenas um amontoado de papel.

    Aceitar, de forma passiva, norma legal atinente à terceirização, é concordar com a revogação, via transversa, da Constituição (não confundir com a chamada mutação constitucional [4]).

    O pior é que, daqui a pouco, o direito violado pode ser o de possuir um veículo, uma casa ou, quem sabe, de ser feliz, todos cláusulas pétreas, inalteráveis mesmo que por emenda à Constituição.

    rmarques@trt4.jus.br

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/reflexoes-sobre-a-terceirizacao/3067914

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