Repressão a usuário de drogas é questão constitucional
O lançamento de documentário no qual um ex-presidente da República defende a descriminalização do uso de drogas e as notícias de que o Supremo Tribunal Federal julgará em breve a constitucionalidade da repressão penal ao consumidor de entorpecentes fazem do assunto tema relevante. Como tive a honra de patrocinar uma das instituições que foram à Suprema Corte defendendo a ilegitimidade do direito penal nessa seara, exponho a síntese dos argumentos utilizados na ocasião, para reflexão dos eventuais leitores.
O núcleo do debate: é constitucional a repressão criminal ao usuário de drogas?
Antes de tudo, deve-se esclarecer: descriminalizar o uso de drogas não significa legalizá-lo. O que se discute nas barras do STF é a constitucionalidade da repressão penal do consumidor de drogas, sem que se entre no mérito da autorização do consumo ou da legalização de sua comercialização. Os acirrados colóquios sobre os prejuízos e benefícios das drogas não fazem parte desta discussão. Aqui o debate é pontual: é legítimo o uso do Direito Penal para prevenir o consumo de tóxicos?
E a resposta nos parece negativa.
O argumento: a Constituição brasileira tem como princípio basilar a dignidade humana e a pluralidade (CF, artigo 1º, III e V), que afastam a criminalização de qualquer comportamento que não coloque em risco bens jurídicos de terceiros, mesmo que afete a saúde, integridade ou a própria vida do agente. Em outras palavras, a autocolocação em perigo e a autolesão não são tema para o Direito Penal. Isso não significa que a sociedade saúde ou concorde com tais comportamentos, mas apenas que o Direito Penal não é instrumento para impedir tais atos a não ser que terceiros os incentivem ou deles participem.
Assim, se o uso de drogas afeta apenas a saúde do indivíduo, mas não coloca em risco direito de terceiros, está protegido pelo espaço de privacidade do indivíduo, imune à norma penal (CF, artigo 5º, X), embora outras intervenções públicas sejam possíveis (apreensão da droga, orientação ou oferecimento de tratamento facultativo, por exemplo). Como ensina Roxin:
Impedir que as pessoas se despojem da própria dignidade não é problema do Direito Penal. Mesmo que se quisesse, por ex. considerar o suicídio um desprezo à própria dignidade o que eu não julgo correto este argumento não poderia ser trazido para fundamentar a punibilidade do suicídio tentado [1].
Por isso, o artigo 28 da Lei de Drogas, que criminaliza o porte de drogas...
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