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16 de Junho de 2024
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    STF divulga voto do ministro Gilmar Mendes em HC sobre a Operação Navalha

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 16 anos

    Leia, abaixo, a íntegra do voto do ministro Gilmar Mendes no Habeas Corpus (HC) 91386 , julgado no dia 19 pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Por unanimidade, o STF confirmou liminar dada em maio de 2007 pelo ministro Gilmar, relator do habeas corpus, e revogou em caráter definitivo ordem de prisão preventiva decretada contra o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Ulisses César Martins de Sousa, ex-procurador-geral do Maranhão na administração do ex-governador José Reinaldo Tavares.

    "19/02/2008 SEGUNDA TURMAHABEAS CORPUS 91.386-5 BAHIARELATOR : MIN. GILMAR MENDESPACIENTE (S) : ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSAIMPETRANTE (S) : ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASILADVOGADO (A/S) : ALBERTO ZACHARIAS TORON EOUTRO (A/S) COATOR (A/S)(ES) : RELATORA DO INQUÉRITO Nº 544 DOSUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAR E L A T Ó R I OO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - (Relator):Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (Advogados: ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS), em favor de ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA.Nestes autos, a defesa questiona o decreto de prisão preventiva proferido, em 16 de maio de 2007, pela Min. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Relatora do Inquérito no 544/BA.Neste writ, a inicial impugna a validade da fundamentação de decreto de prisão preventiva expedido em face do ora paciente (ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA).Nesse particular, é válido transcrever as vezes nas quais o decreto cautelar fez menção específica e direta à atuação do referido paciente na condição de investigado perante o STJ nos autos do INQ nº 544/BA . Consideradas essas balizas, eis o teor da decretação da custódia cautelar tão-somente no que concerne ao ora paciente, verbis:

    “No terceiro nível da organização criminosa estão agentes públicos municipais, estaduais e federais, os quais agem como intermediários, removendo obstáculos que possam se antepor aos propósitos do grupo, mediante o recebimento de vantagens indevidas.A participação desses integrantes apresenta-se mais ou menos intensa a depender dos interesse do momento, como exposto no relatório policial às fls. 5 e 6.

    São eles:[...]17) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA” –(fls. 27/28).[...]“Os diálogos captados nas interceptações ocorridas entre maio e junho de 2006 mostram a existência e um esquema para viabilizar o pagamento das medições fraudulentas das pontes em construção, participando do grupo o então Secretário de Infra-Estrutura do Estado ou mesmo em relação a obras não realizadas NEY DE BARROS BELLO, do Procurador-Geral do Estado, ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA (referido por ‘GORDINHO’), do Consultor Financeiro do Estado à época, ROBERTO FIQUEIREDO GUIMARÃES e do Assessor do Governador, GERALDO MAGELA FERNANDES DA ROCHA, todos envolvidos com o chefe da organização, ZULEIDO VERAS” - (fl. 31).[...]“A medição foi aprovada, ao final, com o parecer favorável do Procurador-Geral do Estado ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA e do Secretário NEY DE BARROS BELLO, com a determinação de pagamento no valor de R$

    (um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) na data de 14 de julho de 2006” - (fl. 36).[...]“A partir daí, o grupo passou a se articular com servidores do Estado com o objetivo de fraudar o processo licitatório, através do qual seria escolhida a empresa que executaria as obras. Os principais articuladores foram: ZULEIDO VERAS, VICENTE CONI, GERALDO MAGELA, MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA e JOÃO MANOEL SOARES, os quais já contavam com a promessa do Procurador-Geral do Estado, ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA, de que a obra seria executada pela GAUTAMA.Entretanto, às vésperas da celebração do convênio, o Procurador-Geral de Justiça comunicou a VICENTE CONI que pretendia direcionar a licitação para outra empresa, a Construtora SUTELPA, alteração devida ao não-cumprimento dos compromissos por parte da organização criminosa (pagamento de propinas)” - (fl. 42).[...]“No terceiro e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando de diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamentos dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de mediações fraudulentas, etc.Enfim, removem os óbices que se antepõem aos propósitos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São caracterizados como intermediários.Segundo esclareceu a autoridade policial em seu relatório fl. 05/066):‘... a participação desses integrantes pode ser efetiva e/ou intensa, sendo caracterizada essa intensidade do envolvimento pela qualidade da atuação (posicionamento do servidor dentro daprópria organização), ou pela quantidade de contatos pagamentos, dados repassados ou outros indicadores de permanência do servidor com o grupo criminoso’.Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas:” - (fls. 116/117).[...]“17) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA, Procurador-Geral do Estado do Maranhão, após pressionar Procuradores do Estado, deu parecer favorável para permitir o pagamento das medições com erros graves, sem que houvesse termo aditivo ao contrário, o que resultou no recebimento pela GAUTAMA de R$(um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) em 14 de julho de 2006” - (fls. 116/117 e 121).[...]“Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e Lei 9.296/96” – (fl. 122).[...]“Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:[...]46) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA;” - (fls. 123/124).Além dessas referências na decisão que decretou a prisão preventiva, há registro no qual o ora paciente (ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA) é citado por outros investigados, nos diálogos telefônicos nos 2 e 5, ambos ocorridos no mês de junho de 2006 (isto é, quase 11 meses antes da decretação da preventiva), verbis:“DIÁLOGO 2:VICENTE diz que falou com ‘ele’ (ULISSES) e este lhe dissera que vai reunir-se com MAGNO dentro de instantes e que, então, mandaria MAGNO reunir-se com a ‘menina’ (assessora) para resolver.VICENTE informa que disse a ‘ele’ que a ‘menina’ era recém-chegada e não estava a par da situação (‘não estava sabendo para que lado ia’), e que ‘ele’ (ULISSES) mesmo deveria ‘já mandar MAGNO dizer o que tinha que ser feito’.ZULEIDO agradece e se despede.(19/06/2006 16:41:07) VICENTE diz que começou a apertar MAGELA desde a tarde para o GORDINHO[ULISSES]mandar o MAGNO, porque o MAGNO não apareceu nem ontem nem hoje. Diz que após esperar,bateu na sala do SECRETÁRIO e falou para Ele que MAGNO não apareceu, tendo o SECRETÁRIO dito que não ia esperar mais o MAGNO. Diz que o SECRETÁRIO pediu licença, saiu da sala, e retornou juntamente com SEBASTIÃO, SANTANA, OTÁVIO e com a Advogada nova, que entrou no lugar de MAGNO. VICENTE diz que já tinha acertado com OTÁVIO à tarde, para que Ele desse ajuda. Então OTÁVIO botou fogo na história. VICENTE diz que o SECRETÁRIO falou na frente de todos, inclusive na frente da mulher, que chegaram à conclusão de que não precisaria de aditivo, que iriam fazer uma justificativa técnica do assunto; que a Procuradora vai fazer o parecer dela e encaminhar a Dr. ULISSES. O SECRETÁRIO teria dito que na quinta-feira este negócio já estaria nas mãos de Dr. ULISSES para dar o parecer final. VICENTE diz que perguntou ao SECRETÁRIO se já estava incluído a parte técnica. Disse que o SECRETÁRIO respondeu que sim, que acertaram junto com a Procuradora como ia ser feito para evitar o aditivo, que estava pedindo dois dias para a PROCURADORA estudar o processo para não fazer besteira. Diz que a garantia foi para resolver. (...) (20/06/2006 19:20:32) GERALDO diz que estavam esperando o rapaz (MAGNO). Diz que ligou para o GORDINHO[ULISSES]e pediu para o cara (MAGNO) chegar lá para assinar. Diz que quando o cara (MAGNO) vira SECRETÁRIO vira estrela. Diz que, como o cara é SECRETÁRIO DE JUSTIÇA fica com todo charme do mundo.ZULEIDO diz que estava preocupado de que Ele tivesse tomado a postura de prejudicar a Empresa.GERALDO diz que não. Diz que Ele (MAGNO) disse ao GORDINHO que estava atrasado.ZULEIDO fala da conversa que teve com VICENTE e este lhe disse que o SECRETÁRIO falou para VICENTE dizendo que ia resolver, na frente de todos, que não precisava de aditivos e a Procuradora iria dar o parecer. Diz que o SECRETÁRIO disse que daria quinta feira à tarde para que fosse entregue a ULISSES. (...) ZULEIDO diz que se deixar para quinta, pode ser que GORDINHO[ULISSES]não esteja e começa a confusão novamente.GERALDO diz que GORDINHO[ULISSES]vai estar. Diz que vai segurar, monitorar o GORDINHO[ULISSES]. Diz que vai (falar) com JOSÉ REINALDO. (20:47:56) DIÁLOGO 5:VICENTE comenta que se reuniu com o Secretário e perguntou ao mesmo sobre a confusão do setor jurídico; diz que perguntou se era com ou sem aditivo; relata que o Secretário lhe explicara que a ponte não precisa de ativo, pois foi feito um CONTRATO de 143 milhões e que cada ponte é medida em razão da profundidade da fundação, resultando em preços diferenciados, não havendo, portanto, razão para aditivo; relata também que o Secretário se reunirá nesta tarde com todo o pessoal, inclusive com MAGNO. Informa que, em razão disso, ligara para MAGELA e este lhe comunicara que já ligara para ULISSES para comunicar que estava saindo do negócio, pois até o momento nada foi pago e que já havia tratado com o Governador sobre o assunto, tendo o Governador dito que passaria tudo para o GORDINHO[ULISSES]e que a GAUTAMA era ‘persona non grata’ no Estado.VICENTE conta que dissera a MAGELA que tinha um entendimento diferente da situação, bem como o Secretário, que já se reunira com o Governador para resolver a questão.VICENTE narra que MAGELA dissera-lhe que estava defendendo a GAUTAMA, mas ‘o cara’(ZULEIDO) era muito arrogante” – (fls. 35- 38).Em 17 de maio de 2007 (fls. 131-143), deferi o pedido de medida liminar para, até a análise do mérito pela Segunda Turma, fulminar os efeitos da prisão preventiva decretada em face do ora paciente (DJ 29.5.2007).Em 21 de maio de 2007, o Ministério Público Federal (MPF), pela Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques, interpôs agravo regimental (fls. 620-624).Em 22 de maio de 2007, esta Segunda Turma do STF, por votação unânime, não conheceu do recurso de agravo, por incabível, nos termos do voto de minha relatoria. Eis o inteiro teor da ementa desse julgado:“1. Agravo regimental na medida cautelar em habeas corpus. 2. Recurso interposto contra decisão monocrática que deferiu o pedido de medida liminar para revogar a prisão preventiva decretada pela Min. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Inquérito nº 544/BA, em face do paciente ULISSES CESAR MARTINS DE SOUZA, por suposto envolvimento na denominada ‘Operação Navalha’.

    3. A decisão agravada ateve-se às circunstâncias do caso e apontou que, na espécie, a autoridade mencionada como coatora não apresentou elementos concretos indicativos da necessidade da decretação da preventiva nos termos do art. 312 do CPP , com relação ao caso específico do paciente. Precedente citado: HC (AgR) no 89.837/DF , Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, unânime, DJ 16.2.2007. 4. Agravo não-conhecido, pois, na espécie, a decisão monocrática impugnada encontra-se devidamente fundamentada nos termos do art. 93 , IX , da CF” –[ HC (AgR) no 91.386/BA , Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 6.9.2007].O parecer do MPF, da lavra da Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques, é pela denegação da ordem (fls. 654-664).É o relatório.HABEAS CORPUS 91.386-5 BAHIAV O T OO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - (Relator): Nesta impetração, a defesa alega, em síntese, falta de fundamentação do decreto de prisão preventiva.O parecer do Ministério Público Federal (MPF) (fls. 654-664), da lavra da Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques, é pela denegação da ordem, nos seguintes termos:“3. O parecer é pela denegação da ordem.4. O Paciente e outras 45 (quarenta e cinco) pessoas tiveram as prisões preventivas decretadas nos autos do Inquérito nº 544/BA (fls. 369/370), por integrarem robusta e articulada organização criminosa com finalidade precípua de desviar recursos públicos federais e estaduais destinados à execução de obras públicas, mediante fraudes em contratos licitatórios e prática de diversos crimes (peculato, corrupção de servidores públicos, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, dentre inúmeros outros), visando garantir o direcionamento das verbas para obras de interesse da organização, ou então, obter êxito na liberação do pagamento de obras fraudulentas (superfaturadas ou ‘fantasmas’).5. Os fatos relativos aos presentes autos foram minuciosamente relatados pela Ministra Eliana Calmon ao decretar a prisão preventiva do ora Paciente, sendo assim expostos:‘(...) A partir das provas colhidas pela autoridade policial, em minucioso trabalho de inteligência, contando-se, para tanto, com as novas técnicas autorizadas em lei na apuração de delitos cometidos por organização criminosa, foi possível apurar o poder de corrupção de um grupo que foi crescendo em número de componentes.Atualmente, acha-se dividido em três níveis organizacionais:a) o primeiro nível está representado pelos personagens ligados à Construtora GAUTAMA, empresa que aparece como o eixo de todos os acontecimentos delitivos, a partir da atuação do seu sócio-diretor, ZULEIDO SOARES VERAS;b) no segundo nível estão os auxiliares e intermediários do primeiro grupo, pessoas incumbidas de, sorrateiramente, obter informações, estabelecer contato com agentes públicos e, mediante oferecimento de vantagens, em corrupção escancarada e poderosa, infiltrar a organização nos meandros burocráticos e financeiros do Estado. São eles os intermediários da ‘propina’;c) no terceiro e último nível estão os agentes públicos municipais, estaduais[caso do ora paciente]e federais que, no contexto dos objetivos da organização, têm como principal função remover os óbices que se apresentam na consecução das atividades criminosas. Alguns têm atuação destacada em termos de qualidade participativa, estando sempre presentes, enquanto outros têm participação menos relevante, mais discreta.O Ministério Público Federal, na peça representativa, bem delineou a participação delitiva dos integrantes do segundo e terceiro níveis, classificando sua atuação em direta e efetiva ou indireta e periférica.Vejamos (fl. 10):A atuação dos agentes públicos, que compõem o segundo e terceiro níveis da organização, pode ser classificada em direta e efetiva ou periférico e indireto, de acordo com o grau de comprometimento com a atividade-fim. Essa noção é importante também para a compreensão dos atos atribuídos às autoridades com prerrogativa de foro.Na primeira situação, estão aqueles que, cientes dos fins almejados pela quadrilha, atuam efetiva e intensamente em suas áreas para garantir a prática criminosa. Seus atos são indissociáveis das ações centrais dos demais integrantes da organização criminosa. Na segunda situação, se enquadram os que agem sem compromisso com a atividade desenvolvida pela organização criminosa, envolvendo-se apenas o suficiente e o necessário para atender aos pleitos do grupo, normalmente recebendo em contrapartida vantagem indevida.Conforme legalmente descrito, não foram poucas as licitações fraudadas, obras desviadas de suas finalidades, inconclusas ou só existentes nos papéis públicos; não foi pequeno o volume derecursos liberados a partir de medições adulteradas, fraudadas ou forjadas, com o único intuito de liberar os pagamentos para a organização, práticas ocorridas nos Estados da Bahia, de Sergipe, de Alagoas, do Maranhão, de Mato Grosso e no Distrito Federal.IV – DA PARTICIPAÇÃO DOS INVESTIGADOS:(...) No terceiro e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando de (sic) diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamento dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de medições fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos propósitos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São categorizados como intermediários.Segundo esclareceu a autoridade policial em seu relatório (fl. 05/06):... a participação desses integrantes pode ser efetiva e/ou intensa, sendo caracterizada essa intensidade do envolvimento pela qualidade da atuação (posicionamento do servidor dentro da própria organização), ou pela quantidade de contatos, pagamentos, dados repassados ou outrosindicadores de permanência do vínculo do servidor com o grupo criminoso.Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas:(...) 17) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA, Procurador- Geral do Estado do Maranhão, após pressionar Procuradora do Estado, deu parecer favorável para permitir pagamento das medições com erros graves, sem que houvesse termo aditivo ao contrato, o que resultou norecebimento pela GAUTAMA de R$ 1.639.000,00 (um milhão, seiscentos e trinta e nove mil reais) em 14 de julho de 2006 (...)’.6. Especificamente quanto à prisão cautelar do Paciente (referido nos diálogos monitorados como ‘Gordinho’), estes os fundamentos que embasaram a decretação da medida constritiva, in verbis:‘(...) Como bem ressaltou o MPF, temos apenas o início das provas que foram colhidas com grande esforço, diante das técnicas de atuação próprias das organizações criminosas. Infiltradas no aparelho estatal e atuando na penumbra, facilmente apagam os vestígios da atuação delitiva, destruindo documentos, apagando arquivos eletrônicos, coagindo e comprando testemunhas.O que aqui se apresenta são, portanto, resultados parciais das diligências que serão ampliadas pela autoridade policial, mas, no meu entender, já são suficientes para adoção de algumas providências judiciais, tornando ostensiva a colheita de prova que vinha sendo feita em sigilo.Ademais, é preciso paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoradamente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais e a força econômica de implementação dos objetivos do Poder Público. A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleracao do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República.Entendo que se faz necessária a custódia preventiva e cautelar de todos os membros da organização (...) diante da participação inequívoca de cada um deles, conforme posição descrita.Considero presentes, diante do que foi apurado e aqui exposto, os requisitos legais da prisão cautelar de que trata o art. 312 do CPP , seja para garantia da ordem pública e econômica, a extremada modalidade de coerção visa quebrar a espinha dorsal da organização criminosa,dando um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados pelo grupo, os quais atingem os valores morais e éticos das organizações estatais, ao tempo em que minam os recursos públicos; seja por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação. Afinal, tratando-se de organização criminosa, espraiada em diversos Estados da Federação, com atuação continuada de diversos agentes públicos e até de agentes políticos, a continuidade delitiva é fato incontrolável.Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:(...) 43) ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA;’7. Não há que se falar em generalidade ou falta de fundamentação da decisão que decretou a prisão cautelar do Paciente, tendo em vista que não remanescem dúvidas acerca do seu envolvimento com os graves fatos apurados nos do Inquérito nº 544/BA, do Superior Tribunal de Justiça.8. Com efeito, em novembro de 2006, o Superior Tribunal de Justiça instaurou inquérito para apurar a ação de uma organização criminosa, integrada por empresários, empregados de empresas, lobistas e servidores públicos, que tinha como principal atividade a apropriação derecursos públicos federais e estaduais, destinados a obras adjudicadas à empresa GAUTAMA, através de processos de licitação fraudados. Para a consecução desse objetivo, a organização praticava os mais variados crimes, tais como, corrupção ativa e passiva, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, dentre outros delitos deidêntica gravidade.9. A investigação teve início na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, desde março de 2006, tendo sido os autos remetidos ao Superior Tribunal de Justiça em razão do envolvimento de duas autoridades com prerrogativa de foro na citada Corte: o Governador do Estado do Maranhão Jackson Lago e o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, Flávio Conceição de Oliveira Neto.10. Atendendo a requerimento formulado nos autos do Inquérito, foi autorizada a interceptação das comunicações telefônicas dos envolvidos, medida que perdurou até maio de 2007, com a apresentação de relatório conclusivo pela autoridade policial.11. Constatada a existência da organização criminosa e que ela continuava agindo intensamente, em vários Estados da federação, desviando recursos destinados a obras públicas, inclusive recursos do recente Programa de Aceleracao do Crescimento (‘PAC’) lançado pelo Presidente da República, o Procurador-Geral da República requereu à Relatora do Inquérito que autorizasse medidas de busca e apreensão e a prisão preventiva dos principais envolvidos, de modo a cessar imediatamente a ação delituosa e garantir a colheita dos elementos probatórios necessários à deflagração da ação penal.12. Relativamente à conduta apurada do Paciente, foi descrito, em evento específico – Evento Maranhão – todos os fatos apurados, inclusive com a transcrição dos diálogos interceptados, que comprovaram a efetiva atuação do Paciente, então no cargo de Procurador Geral do Estado, para beneficiar a Construtora GAUTAMA, com o pagamento de milhões de reais por medições irregulares, existindo fortes indícios de que o Paciente solicitou vantagem indevida para praticar os atos do seu ofício. 13 . Assim, ao contrário do que afirmou o Impetrante, o Paciente não está sendo investigado porque proferiu pareceres na condição de Procurador Geral do Estado do Maranhão. Ele está sendo investigado porque associou-se ao grupo criminoso para, valendo-se do cargo que exercia, patrocinar os interesses da organização criminosa perante a administração do Estado e, também, proferir pareceres favoráveis às fraudes perpetradas, consciente de que, com a sua conduta, estava viabilizando o desvio de verbas públicas.14. É incontestável que o Paciente conhecia o esquema delituoso implantado pela organização criminosa na estrutura da Secretaria de Infra-estrutura do Estado do Maranhão e em outros órgãos do Governo estadual, e agiu para que a empreitada criminosa se desenvolvesse de acordo com as pretensões do grupo, recebendo, em contrapartida, vantagens indevidas.15. Muito embora não se tenha colhido diálogo direto do Paciente com os integrantes da organização, foram registrados diversos diálogos entre GERALDO MAGELA – assessor especial do então Governador JOSÉ REINALDO TAVARES – e ZULEIDO VERAS – sócio proprietário daGAUTAMA –, onde foi expressamente referida a atuação do Paciente em favor da organização criminosa.16.Segundo apurou-se, foi o Paciente quem instruiu o processo relativo à 6ª medição das obras de construção das pontes, no Estado do Maranhão, medição essa que continha fraudes que inviabilizavam o seu pagamento. Para permitir que a GAUTAMA recebesse os valores da medição, calculados em mais de um milhão de reais, o Paciente retirou do processo documentos em que a GAUTAMA pedia a formalização de um aditivo.17. E assim agiu porque, àquela altura, não interessava mais aos dirigentes da GAUTAMA a formalização de aditivo, que implicaria em demora na liberação do pagamento.18. A atuação do Paciente em favor dos interesses ilícitos dos dirigentes da GAUTAMA também ocorreu com relação às obras de implantação e de pavimentação da BR 402/MA – que teve o processo de licitação fraudado para dirigir a obra ao consórcio formado pela Construtora GAUTAMA e pela Construtora QUEIROZ GALVÃO.19. Segundo os diálogos, em um primeiro momento, o Paciente queria dirigir a licitação para beneficiar a Construtora SUTELPA. No entanto, após negociações, ocorridas durante dois encontros entre o Paciente e outros integrantes da organização, o primeiro, no dia 1º de setembro, em São Luiz, que contou com a presença do Governador JOSÉ REINALDO TAVARES, de GERALDO MAGELA e de ZULEIDO VERAS; e o segundo, no dia 6 de setembro, em Brasília, no Hotel Meliá, com MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA, diretora comercial da GAUTAMA, VICENTE CONI, diretor da GAUTAMA no Maranhão e o representante da empresa PEDRA AZUL, integrante do mesmo grupo da SUTELPA , ele aceitou ‘acomodar’ a situação, para atender aos interesses daorganização criminosa, sendo habilitada na licitação a construtora QUEIROZ GALVÃO.20. Todos esses elementos, convergentes para o efetivo envolvimento do Paciente com a organização criminosa investigada, foram considerados quando da decretação de sua prisão preventiva.21. Cabe registrar que, ao contrário do que se tem propalado, as medidas cautelares determinadas nos autos do Inquérito 544 estão respaldadas em investigações que se desenvolveram por mais de 1 (um) ano, acompanhadas pelo Ministério Público Federal e pela Controladoria-Geral da União.22. Para se ter uma idéia da gravidade dos fatos, todas as obras executadas pela construtora GAUTAMA contém graves irregularidades que estão sendo apuradas pelo Tribunal de Contas da União, em mais de 30 (trinta) processos. Foram desviados em favor do grupo criminoso mais de R$(cento e cinqüenta milhões de reais), através de fraudes que somente foi possível consumar-se porque os agentes públicos envolvidos, inclusive o Paciente, aderiram à organização criminosa.23. E mesmo com as investigações em curso, o grupo não se intimidou, continuou a agir livremente, protegidos pela ação nefasta de servidores públicos que, como o Paciente, se propuseram a negociações e conchavos com o proprietário da GAUTAMA, ZULEIDO VERAS, e seus empregados, para permitir a dilapidação do patrimônio público.24. Certamente, o conhecimento da prova colhida no curso da investigação e de tudo o que se contém nos autos do referido Inquérito 544, propiciará a noção exata da magnitude dos crimes praticados pelo Paciente em benefício da organização criminosa que integra, e de quão correta foi a decisão que determinou a sua custódia cautelar.25. Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal opina pela denegação da ordem” – (Parecer do Ministério PúblicoFederal – fls. 654-664).No caso, a prisão preventiva sustenta-se nos seguintes fundamentos para a decretação da prisão cautelar, nos termos do art. 312 do CPP: i) conveniência da instrução criminal; e ii) garantia da ordem pública e econômica.Na linha da jurisprudência deste Tribunal, porém, não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos pelo art. 312 do CPP.De fato, a tarefa de interpretação constitucional para a análise de excepcional situação jurídica de constrição da liberdade dos cidadãos exige que a alusão a esses aspectos estejam lastreados em elementos concretos.Da leitura dos argumentos expendidos pela Relatora perante o STJ, contudo, constato que não há, em qualquer momento, a indicação de fatos concretos que levantem suspeita ou ensejem considerável possibilidade de interferência da atuação do paciente para retardar, influenciar ou obstar a instrução criminal.Tenho por insubsistente o requisito da decretação para a conveniência da instrução criminal.Isso ocorre porque não ficou demonstrada, de plano, a correlação entre os elementos apontados pela prisão preventiva no que concerne ao risco de continuidade da prática de delitos em razão da iminência de liberação de recursos do Programa de Aceleracao do Crescimento (PAC).Um elemento decisivo para a análise da regularidade dessa decretação em desfavor de ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA corresponde ao fato de que, ao momento da prolação da medida constritiva provisória, o paciente não mais ostentava a função de Procurador-Geral do Estado do Maranhão.A preventiva foi decretada, conforme já mencionado, cerca de 11 meses após o afastamento dopaciente. Daí a constatação de ausência de nexo fáticoprobatório apto a justificar a validade e a legitimidade das razões para a decretação da preventiva.Com relação ao tema da garantia da ordem pública, faço menção à manifestação já conhecida desta Segunda Turma em meu voto proferido no HC nº 88.537/BA e recentemente sistematizado nos HC’s 89.090/GO e 89.525/GO acerca da conformação jurisprudencial do requisito dessa garantia. Nesses julgados, pude asseverar que o referido requisito legal envolve, em linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas as possibilidades normativas de sua aplicação judicial, as seguintes circunstâncias principais:i) a necessidade de resguardar a integridade física ou psíquica do paciente ou de terceiros;ii) o objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto decustódia cautelar; eiii) associada aos dois elementos anteriores, para assegurar a credibilidade das instituiçõespúblicas, em especial do poder judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução criminal.A jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento de que a liberdade de um indivíduo suspeito da prática de crime somente pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas em hipóteses ou conjecturas, ou na gravidade do crime. Nesse sentido arrolo os seguintes julgados de ambas as Turmas:“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E PRIVILEGIADO. CONDENAÇÃO. ANULAÇÃO DOJULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI EM SEDE DE APELAÇÃO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR FUNDADA NO CLAMOR SOCIAL E NA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES. EXCESSO DE PRAZO. 1. O clamor social e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar do paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo Tribunal do Júri. 2. A prisão processual, pela excepcionalidade que a caracteriza, pressupõe inequívoca demonstração da base empírica que justifique a sua necessidade, não bastando apenas aludir-se a qualquer das previsões do art. 312 do Código de Processo Penal . 3 . Hipótese, ademais, em que se configura o constrangimento ilegal pelo excesso de prazo da instruçãocriminal, que não pode ser atribuído à defesa. Ordem concedida” – (HC nº 84.662/BA , Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, DJ 22.10.2004).“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE. 1. Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido de que esse fundamento é inidôneo quando vinculado à invocação da credibilidade da justiça e da gravidade do crime. Remanesce, sob tal fundamento, a necessidade da medida excepcional da constrição cautelar da liberdade face à demonstração da possibilidade de reiteração criminosa. 2. Prisão cautelar por conveniência da instrução criminal. A retirada de documentos do Juízo pelo paciente e a destruição deles na residência de sua exesposa, sem a oitiva do Ministério Público, autorizam a conclusão de que sua liberdade traduz ameaça ao andamento regular da ação penal. Merece relevo ainda a assertiva do Procurador-Geral da República de que ‘dentre outros fundamentos, foi considerado o fato relevantíssimo de o Paciente ser um dos mentores da organização criminosa, dispor de vários colaboradores, com fácil trânsito nos mais diversos meios, o que poderia facilitar a corrupção de agentes, funcionários, testemunhas, tudo com o objetivo de prejudicar o regular andamento do processo criminal’. Ordem denegada” – (HC nº 86.175/SP , Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 10.11.2006).“1. PRISÃO PREVENTIVA. Medida cautelar. Natureza instrumental. Sacrifício da liberdade individual. Excepcionalidade.Necessidade de se ater às hipóteses legais.Sentido do art. 312 do CPP . Medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, a prisão preventiva deve ordenar-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua função meramente instrumental, enquanto tende a garantir a eficácia de eventual provimento definitivode caráter condenatório, bem como perante a garantia constitucional da proibição de juízo precário de culpabilidade, devendo fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes de corresponder às hipóteses legais (fattispecie abstratas) que a autorizem.2. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade do delito, a título de garantia da ordem pública. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva que, a título de necessidade de garantir a ordem pública, se funda na gravidade do delito.3. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na necessidade de restabelecimento da ordem pública, abalada pela gravidade do crime. Exigência do clamor público. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva baseado no clamor público para restabelecimento da ordem social abalada pela gravidade do fato.4. AÇÃO PENAL. Homicídio doloso. Júri. Prisão preventiva. Decreto destituído de fundamento legal. Pronúncia. Silêncio a respeito. Contaminação pela nulidade. Precedentes. Quando a sentença de pronúncia se reporta aos fundamentos do decreto de prisão preventiva, fica contaminada por eventual nulidade desse e, a fortiori, quando silencie a respeito, de modo que,neste caso, é nula, se o decreto da preventiva é destituído de fundamento legal.5. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Motivação ilegal e insuficiente. Suprimento da motivação pelas instâncias superiores em HC. Acréscimo de fundamentos. Inadmissibilidade. Precedentes. HC concedido. Não é lícito às instâncias superiores suprir, em habeas corpus ou recurso da defesa, com novas razões, a falta ou deficiência de fundamentação da decisão penal impugnada” – (HC nº 87.041/PA , Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, maioria, DJ 24.11.2006).O tema da regularidade e do atendimento dos requisitos para a decretação da prisão preventiva é constitucionalmente relevante porque, caso se pretenda atribuir aos direitos individuais eficácia superior à das normas meramente programáticas, então devem-se identificar precisamente os contornos e limites de cada direito.Em outras palavras, é necessário definir a exata conformação do seu âmbito de proteção. Tal colocação já seria suficiente para realçar o papel especial conferido ao legislador, tanto na concretização de determinados direitos quanto no estabelecimento de eventuais limitações ou restrições.Evidentemente, não só o legislador, mas também os demais órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos cumprem uma importante tarefa na realização dos direitos fundamentais.A Constituição Federal de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferidaao texto, que se desdobra em setenta e oito incisos e quatro parágrafos (CF , art. ), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta, portanto, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição , considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º). A complexidade do sistema dedireitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.E no que se refere aos direitos de caráter penal, processual e processual-penal, talvez não hajaqualquer exagero na constatação de que esses direitos cumprem um papel fundamental na concretização do moderno Estado democrático de direito.Como observa Martin Kriele, o Estado territorial moderno arrosta um dilema quase insolúvel: deum lado, há de ser mais poderoso que todas as demais forças sociais do país – por exemplo, empresas e sindicatos –, por outro, deve outorgar proteção segura ao mais fraco: à oposição, aos artistas, aos intelectuais, às minorias étnicas (Cf . KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado - Fundamentos Históricos de la Legitimidad del Estado Constitucional Democrático. Trad. de Eugênio Bulygin. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150).O estado absolutista e os modelos construídos segundo esse sistema (ditaduras militares, estados fascistas, os sistemas do chamado “centralismo democrático”) não se mostram aptos a resolver essa questão.Segundo ressalta Kriele:“(...) A Inglaterra garantiu os direitos humanos sem necessidade de uma constituição escrita. Por outro lado, um catálogo constitucional de direitos fundamentais é perfeitamente compatível com o absolutismo, com a ditadura e com o totalitarismo.Assim, por exemplo, o art. 127 da Constituição soviética de 1936 garante a `inviolabilidade da pessoa´. Isso não impediu que o terror stalinista tivesse alcançado em 1937 seu ponto culminante. A constituição não pode impedir o terror, quando está subordinada ao princípio de soberania, em vez de garantir as condições institucionais da rule of law. O mencionado artigo da Constituição da União Soviética diz, mas adiante, que `a detenção requer o consentimento do fiscal do Estado´. Esta fórmula não é uma cláusula de defesa, mastão-somente uma autorização ao fiscal do Estado para proceder à detenção. Os fiscais foram nomeados conforme o critério político e realizaram ajustes ao princípio da oportunidade política, e, para maior legitimidade, estavam obrigados a respeitar as instruções. Todos os aspectos do princípio de habeas corpus ficaram de lado, tais como as condições legais estritas para a procedência da detenção, a competência decisória de juízes legais independentes, o direito ao interrogatório por parte do juiz dentro de prazo razoável, etc. Nestas condições, a proclamação da `inviolabilidade da pessoa´ não tinha nenhuma importância prática. Os direitos humanos aparentes não constituem uma defesa contra o Arquipélago Gulag; ao contrário, servem para uma legitimação velada do princípio da soberania: o Estado tem o total poder de disposição sobre os homens, mas isto em nome dos direitos humanos. (Kriele, Martín. Introducción a la Teoría del Estado. cit., p. 160-161) A solução do dilema – diz Kriele – consiste no fato de que o Estado incorpora, em certo sentido, a defesa dos direitos humanos em seu próprio poder, ao definir-se o poder do Estado como o poder defensor dos direitos humanos.Todavia, adverte Kriele, “sem divisão de poderes e em especial sem independência judicial isto não passará de uma declaração de intenções”. É que, explicita Kriele, “os direitos humanos somente podem ser realizados quandolimitam o poder do Estado, quando o poder estatal estábaseado na entrada em uma ordem jurídica que inclui adefesa dos direitos humanos”. (KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado, cit. p.150) Nessa linha ainda expressiva a conclusão de Kriele:“Os direitos humanos estabelecem condições e limites àqueles que têm competência de criar e modificar o direito e negam o poder de violar o direito.Certamente, todos os direitos não podem fazer nada contra um poder fático, a potestas desnuda, como tampouco nada pode fazer a moral face ao cinismo. Os direitos somente têm efeito frente a outrosdireitos, os direitos humanos somente em face a um poder jurídico, isto é, em face a competências cuja origem jurídica e cujo status jurídico seja respeitado pelo titular da competência.Esta é a razão profunda por que os direitos humanos somente podem funcionar em um Estado constitucional. Para a eficácia dos direitos humanos a independência judicial é mais importante do que o catálogo de direitos fundamentais contidos na Constituição (g.n)”. KRIELE, Martín.Introducción a la Teoría del Estado, cit. p. 159-160.Tem-se, assim, em rápidas linhas, o significado que os direitos fundamentais e, especialmente os direitos fundamentais de caráter processual, assumem para a ordem constitucional como um todo.Acentue-se que é a boa aplicação dos direitos fundamentais de caráter processual – aqui merece destaque a proteção judicial efetiva – que permite distinguir o Estado de Direito do Estado Policial!Não se pode perder de vista que a boa aplicação dessas garantias configura elemento essencial de realização do princípio da dignidade humana na ordem jurídica. Como amplamente reconhecido, o princípio da dignidade da pessoa humana impede que o homem seja convertido em objeto dos processos estatais. (Cf . MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz Kommentar. Band I. München: Verlag C. H. Beck , 1990, 1I 18) Na mesma linha, entende Norberto Bobbio que a proteção dos cidadãos no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime democrático daquele de índole totalitária:“A diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A conseqüência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima ‘Tem razão quem vence’ é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quemtem razão’; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da ‘supremacia da lei’ (rule of law).” (BOBBIO, Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise, p.p. 97-98) Em verdade, tal como ensina o notável mestre italiano, a aplicação escorreita ou não dessas garantias é que permite avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir civilização de barbárie.Nesse sentido, forte nas lições de Claus Roxin, também compreendo que a diferença entre um Estado totalitário e um Estado (Democrático) de Direito reside na forma de regulação da ordem jurídica interna e na ênfase dada à eficácia do instrumento processual penal da prisão preventiva. Registrem-se as palavras do professor Roxin:"Entre as medidas que asseguram o procedimento penal, a prisão preventiva é a ingerência mais grave na liberdade individual; por outra parte, ela é indispensável em alguns casos para uma administração da justiça penal eficiente.A ordem interna de um Estado se revela no modo em que está regulada essa situação de conflito; os Estados totalitários, sob a antítese errônea Estado-cidadão, exagerarão facilmente a importância do interesse estatal na realização, o mais eficaz possível, do procedimento penal.Num Estado de Direito, por outro lado, a regulação dessa situação de conflito não é determinada através da antítese Estadocidadão; o Estado mesmo está obrigado por ambos os fins: assegurar a ordem por meio da persecução penal e proteção da esfera de liberdade do cidadão. Com isso, o princípio constitucional da proporcionalidade exige restringir a medida e os limites da prisão preventiva ao estritamente necessário."(ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores del Puerto; 2000, p. 258) Nessa linha, sustenta Roxin que o direito processual penal é o sismógrafo da Constituição , uma vez que nele reside a atualidade política da Carta Fundamental. (Cf . ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal, cit., p.10). É dizer o âmbito de proteção de direitos e garantias fundamentais recebe contornos de especial relevância em nosso sistema constitucional.Na espécie, considerando essa dimensão indisponível de proteção de liberdades, tomo por decisiva a circunstância de que, com relação a todos os demais investigados, a autoridade apontada como coatora, após a inquirição de cada uma das pessoas envolvidas, revogou aprisão preventiva decretada nos autos do INQ no 544/BA .De outro lado, deve-se ter em mente que não é possível esvaziar o conteúdo constitucional da importante função institucional atribuída às investigações criminais na ordem constitucional pátria. Nesse ponto, entendo que a Eminente Relatora do INQ no 544/BA possui amplos poderespara convocar sempre que necessário o ora paciente.Por essa razão, não faz sentido a manutenção da prisão para a mera finalidade de obtenção de depoimento. A prisão preventiva é medida excepcional que, exatamente por isso, demanda a explicitação de fundamentos consistentes e individualizados com relação a cada um dos cidadãos investigados (CF , art. 93 , IX e art. , XLVI).A idéia do Estado de Direito também imputa ao Poder Judiciário o papel de garante dos direitos fundamentais. Por conseqüência, é necessário ter muita cautela para que esse instrumento excepcional de constrição da liberdade não seja utilizado como pretexto para a massificação de prisões preventivas.Na ordem constitucional pátria, os direitos fundamentais devem apresentar aplicabilidade imediata (CF , art. , § 1º).A realização dessas prerrogativas não pode nem deve sujeitar-se unilateralmente ao arbítrio daqueles que conduzem investigação de caráter criminal.Em nosso Estado de Direito, a prisão é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos.Ao contrário do que parece sustentar o parecer da PGR, deve-se asseverar que a existência de indícios de autoria e materialidade, por mais que confiram, em tese, base para eventual condenação penal definitiva, não pode ser invocada, por si só, para justificar a decretação deprisão preventiva.Diante do exposto, no caso concreto, a prisão preventiva não atendeu aos requisitos do art. 312 do CPP .Vislumbro, assim, patente situação de constrangimento ilegal apta a ensejar o deferimento da ordem.É como voto.

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