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17 de Junho de 2024

STJ publica decisão que significa grande retrocesso para o Direito das Famílias no Brasil

Possibilidade de Separação Judicial após a Emenda Constitucional 66

há 7 anos

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou nesta quarta-feira (22) uma decisão que significa grande retrocesso para o Direito das Famílias no Brasil. Em julgamento de recurso especial interposto por um casal que, em ação de separação, buscava a homologação pelo juízo das condições pactuadas, como recebimento de pensão, regulação de visitas ao filho, partilha de bens e alteração de sobrenome, a Quarta Turma entendeu que a entrada em vigor da Emenda Constitucional 66, que modificou o artigo 226 da Constituição Federal para deixar de condicionar o divórcio à prévia separação judicial ou de fato, não aboliu a figura da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, mas apenas facilitou aos cônjuges o exercício pleno de sua autonomia privada. Ou seja: quem quiser pode se divorciar diretamente; quem preferir pode apenas se separar.

A Emenda Constitucional 66 é uma proposição do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM e foi promulgada em 13 de julho de 2010. Apresentada pelo advogado e então deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (BA), deu nova redação ao artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição Federal (CF), o qual passou a vigorar com o seguinte texto: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio". Assim, a EC66 instituiu o Divórcio Direito, eliminou a separação judicial, suprimindo prazos desnecessários e acabou com a discussão de culpa pelo fim do casamento.

“Lamentável a decisão do STJ, no que pese ser absolutamente inócua. O instituto da separação judicial não mais existe no ordenamento jurídico brasileiro. É fácil de entender. Imaginemos que, antes da Emenda 66/10, um parlamentar apresentasse um Projeto de Lei para suprimir o instituto da separação judicial do Código Civil. Um relator designado na CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, mesmo sendo a favor da matéria, seria obrigado a dar um parecer pela inconstitucionalidade do Projeto, vez que o instituto da separação judicial constava da nossa Constituição”, aponta Sérgio Barradas Carneiro.

Ainda conforme o advogado e membro do IBDFAM, uma vez suprimido o instituto da separação judicial da nossa Carta Magna, o texto do atual do Código Civil não mais é recepcionado pela CF/88. Estabeleceu-se uma omissão vedativa. O intuito do legislador foi de que não mais exista o instituto da separação judicial. Não cabe, pois, que, depois de quase sete anos de vigência da Emenda 66/10, se queira impor ao povo brasileiro tamanho retrocesso. Quando vigente, só se utilizavam do mesmo os casais que se separavam brigando. Aqueles que se separavam amigavelmente apresentavam duas testemunhas cada, afirmando para o juiz já ter os exigidos dois anos de separação de fato.

O advogado e presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, concorda que a decisão de hoje representa uma regressão ao direito das famílias. “O texto constitucional com a promulgação da EC nº 66/2010, acabou com todo e qualquer prazo para o divórcio, e tornou a separação judicial e as regras que a regiam incompatíveis com o sistema jurídico. Se o texto do § 6º do artigo 226 da CR/1988 retirou de seu corpo a expressão 'separação judicial', como mantê-la na legislação infraconstitucional ou na interpretação dada pelos tribunais? É necessário que se compreenda, de uma vez por todas, que a hermenêutica Constitucional deve ser colocada em prática, e isso compreende suas contextualizações política e histórica”, afirma.

Rodrigo da Cunha diz ainda que, conforme orientação emanada do próprio Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade, seja ela material, seja formal, deve ser averiguada frente à Constituição que estava em vigor no momento da elaboração e edição dessa norma jurídica. O argumento finalístico é que a Constituição da República extirpou totalmente de seu corpo normativo a única referência que se fazia à separação judicial. Portanto, ela não apenas retirou os prazos, mas também o requisito obrigatório ou voluntário da prévia separação judicial ao divórcio por conversão.

O divórcio surgiu no ordenamento jurídico brasileiro em 1977, com a promulgação da Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio). Antes disso, a única solução era o desquite, que mantinha os cônjuges presos ao vínculo contratual, mas colocava fim ao regime matrimonial de bens e aos deveres de coabitação e fidelidade recíprocas. Porém, não disponibilizava aos desquitados a contratação de novo casamento, levando as uniões à margem da Lei.

Desta maneira, o Divórcio só era possível se atendesse a três requisitos básicos: separação de fato há mais de cinco anos, ter este prazo sido implementado antes da alteração constitucional, ser comprovada a causa da separação. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 reduziu os prazos: um ano de separação judicial para o Divórcio por Conversão, e dois anos da separação de fato para o Divórcio.

No caso em tela, o juízo de primeiro grau, por entender que a Emenda Constitucional 66 aboliu a figura da separação, concedeu prazo de dez dias para adequação do pedido, e o Tribunal de Justiça manteve a decisão. No STJ, a relatora do recurso, Ministra Isabel Gallotti, entendeu pela reforma do acórdão. Segundo ela, a única alteração ocorrida com a emenda citada foi a supressão do requisito temporal e do sistema bifásico para que o casamento possa ser dissolvido pelo divórcio. “A Emenda 66/10 acabou com esta farsa, tornando-se um ótimo exemplo de que a boa lei é aquela que consagra uma prática social. Trata-se de um instituto ultrapassado, retrógrado e sem serventia prática, vez que o divorciado pode casar-se com qualquer pessoa, inclusive com aquela da qual se separou e se arrependeu, ao passo que o separado era impedido de se casar, indo engrossar as estatísticas da união estável”, esclarece Sérgio Barradas.

De acordo com o STJ, a Ministra Isabel Gallotti disse que a separação é uma modalidade de extinção da sociedade conjugal que põe fim aos deveres de coabitação, fidelidade e ao regime de bens. Já o divórcio extingue o casamento e reflete diretamente sobre o estado civil da pessoa. “A separação é uma medida temporária e de escolha pessoal dos envolvidos, que podem optar, a qualquer tempo, por restabelecer a sociedade conjugal ou pela sua conversão definitiva em divórcio para dissolução do casamento”, disse a relatora.

Em contrapartida, o presidente nacional do BDFAM levanta um questionamento sobre a decisão: “Qual seria o objetivo de se manter vigente a separação judicial se ela não pode mais ser convertida em divórcio? Não há nenhuma razão prática e lógica para sua manutenção. Se alguém insistir em se separar judicialmente, após a Emenda Constitucional n. 66/2010, não poderá transformar tal separação em divórcio, se o quiser, terá de propor o divórcio direto. Não podemos perder o contexto, a história e o fim social da anterior redação do § 6º do artigo 226: converter em divórcio a separação judicial. E, se não se pode mais convertê-la em divórcio, ela perde sua razão lógica de existência.”

Para Rodrigo da Cunha Pereira, “é preciso separar o 'joio do trigo', ou seja, é preciso separarmos as razões jurídicas das razões e motivações religiosas, para que possamos enxergar que não faz sentido a manutenção do instituto de separação judicial em nosso ordenamento jurídico. Ela significa mais gastos financeiros, mais desgastes emocionais e contribui para o emperramento do Judiciário, na medida em que significa mais processos desnecessários. Portanto, esta decisão é um verdadeiro retrocesso”.

  • Sobre o autorEspecialista em Direito de Família, Previdenciário e Mediação e Conciliação.
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8 Comentários

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Rayan Biava
7 anos atrás

Com o devido respeito, não concordo com a opinião expressada no artigo.

A supressão da expressão no texto constitucional, não sendo caso de incompatibilidade, em nada prejudica a existência da figura da separação, ou seja, apenas transformou o que era obrigação em faculdade.

Frise-se o termo "faculdade" porque é disso que se trata, uma opção das partes, e não pode ser suprimida simplesmente porque terceiros pensam ser desnecessária.

Não é, como parece no artigo, assim tão óbvio que a Emenda 66 pretendeu revogar as disposições sobre a separação constantes do Código Civil, mesmo que se acredite não haver utilidade prática. Isso porque a supressão de uma faculdade, quando não é feita de maneira expressa, deve sempre ser vista com cautela (vale a máxima, se não é vedado, então é permitido).

Perceba-se que a dicção do texto constitucional foi de que "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio", ou seja, a intenção foi de conceder uma faculdade, ampliando o leque de possibilidades, não retirá-las.

Ademais, nem toda a regra tem que estar prevista expressamente na Constituição para poder existir no ordenamento jurídico, caso contrário teríamos como "lei" apenas a Carta Maior, que bastaria para regular todos os atos e fatos jurídicos existentes.

No que concerne à possibilidade de conversão da separação em divórcio, não se tratando de pedidos incompatíveis/contrários, nada obsta que após a separação se ingresse com ação de divórcio direto.

Por fim, digo que retrocesso seria exigir hoje a prévia separação como requisito do divórcio, neste caso sim teríamos uma interpretação que é obviamente contrária ao espírito da Constituição. continuar lendo

Concordo com o você! continuar lendo

Bruno Venâncio
7 anos atrás

Inclusive, só para contribuir com o entendimento externado, é correto quando se diz que não é possível que se conclua, só pela alteração da norma Maior, pela revogação do dispositivo contido no Código Privado, que tem como norte a vontade livre de contratar. Mesmo depois de um questionamento superveniente, perante o STF, sobre a constitucionalidade da norma privada, não haveria a possibilidade de se declarar pela inconstitucionalidade da citada norma civilista, mormente se for realizada a análise, mediante uma interpretação conforme a Constituição, no caso em que a Corte Maior, decidirá utilizando-se da Dignidade da Pessoa Humana, que é a raiz da Constituição Republicana, como parâmetro interpretativo.

Entende-se que ninguém pode ser obrigado a se casar, ou se divorciar, ou a fazer qualquer coisa, em que deve ser feita por escolha, exclusivamente da pessoa humana, sendo o Estado devidamente afastado da esfera de intimidade do indivíduo, sobre o assunto em comento, cria-se uma certa discricionariedade, consubstanciada na faculdade, adquirida pelo cidadão de optar, pela separação, ou divórcio, o que melhor lhe aprouver na ocasião, lembrando que no caso de separação, existiria a possiblidade de restabelecimento do vínculo, já com o divórcio, com a afetação direta, no estado civil, possibilitaria uma nova contratação, reverenciando a liberdade- de escolha-, importante direito fundamental.

Importante mencionar que andou bem o deputado que trabalhou na PL, deveria haver alguma regra, no sentindo de exigir o curso de direito, como requisito para o exercício da função legiferante, não acabaria de vez, mas resolveria, muitos problemas na ordem jurídica atual.

Sobre a decisão da i. Ministra Gallotti, sem comentários, belíssimo entendimento. continuar lendo

Luiz Ricardo Anselmo PRO
7 anos atrás

Deveria constar a decisão, ou no mínimo o número dos autos, para que o leitor pudesse analisá-la, afinal apenas dizer que houve uma decisão sem cita-la parece meio vago... continuar lendo

Bruno Venâncio
7 anos atrás

Não vejo retrocesso, a decisão está em consonância com o Estado democrático, bem como com o princípio da legalidade, pois para o particular o que não é proibido, lhe é lícito fazer, e vale dizer, não existe no ordenamento vedação a separação, que inclusive é um instituto importantíssimo para o direito de família, haja vista estar de acordo com o princípio da preservação familiar. continuar lendo

Nilce Girodo
7 anos atrás

fizemos a separação consensual em 1996 meu ex marido faleceu em 2009 e não fizemos o divórcio e agora? continuar lendo

Bruno Venâncio
7 anos atrás

Contrate um advogado, ou procure a defensoria. Fácil de resolver! continuar lendo

Art 2º - A Sociedade Conjugal termina:

I - pela morte de um dos cônjuges;

Il - pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio.

Parágrafo único - O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.

Ou seja, de qualquer forma seu casamento terminou. continuar lendo