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29 de Abril de 2024

Uma análise jurídica sobre o caso Mariana Ferrer

Publicado por Fabiana Moreira Pinto
há 3 anos

A análise jurídica paira somente sobre as informações contidas na sentença de nº 0004733-33.2019.8.24.0023, tendo como partes o Ministério Público autor da ação penal, o réu André de Camargo Aranha e a vítima Mariana Borges Ferreira.

Saliento que não tive acesso aos autos de forma integral, assim cabendo a apreciação apenas do veredito do excelentíssimo magistrado.

Inicialmente, é lamentável as cenas que foram veiculas nas redes sociais sobre o momento da oitiva da vítima, foi grotesco assistir a vítima clamar por respeito, as cenas são viscerais em decorrência da humilhação sofrida pela jovem, o que pasma é a omissão do poder judiciário que estava sendo representado pelo juiz e o órgão ministerial, onde ambos se calaram durante a tortura psicológica sofrida pela vítima. No tocante, a postura desumana do causídico do réu durante a instrução, que fique claro que tal atitude é deplorável e deve ser rechaçada por toda sociedade e os membros da advocacia.

É importante ressaltar a todos que o termo “ESTUPRO CULPOSO” não foi utilizado na sentença prolatada pelo juízo, o termo foi utilizado pelos noticiários no dia 03.11.2020, em detrimento de uma das teses arguidas que foi o Erro de Tipo.

O erro de tipo está previsto no artigo 20 caput do código pena:

O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

O que seria o erro de tipo?

O erro de tipo acontece quando o agente não quer cometer a conduta tida como crime, mas, por falsa percepção da realidade, por erro sobre elemento constitutivo do tipo, acaba praticando conduta típica.

A consequência para o erro, como deixa claro Código Penal, é a exclusão do dolo (e, consequentemente, do crime), salvo quando houver previsão para a forma culposa.

O estupro só existe em sua modalidade dolosa, contudo quando falamos em erro de tipo este permite torna o fato atípico, e só pode ser punido acaso tenha a modalidade culposa.

É sabido que estupro é um crime que permite apenas a modalidade dolosa, assim não cabendo punição ao réu pela modalidade culposa, já que este teria recaído em erro, portanto, afastando a tipicidade penal, causando absolvição art. 386,III, CPP, por excluir a atipicidade.

Vejamos, no caso em tela o órgão Ministerial entendeu que o réu teria agido sobre o erro de tipo por não entender estado real da vítima, acreditando que está estava a consentir com a relação de maneira consensual, assim recaindo em erro.

Contudo, o réu foi absolvido pelo art. 386, VII CPP, pois o magistrado concluiu que não existia provas suficientes para a condenação, em detrimento da comprovação da vulnerabilidade da vítima que teve seu laudo toxicológico negativo.

Do diagnóstico sobre a sentença

Conforme consta na peça vestibular:

“A vítima afirma ter sido drogada, contudo não sabia informar quem ministrou a droga, afirma ter sido estuprada pelo réu que com o objetivo de satisfazer sua lascívia, conduziu a vítima ao camarote número 403, devido a substância ilícita a vítima ficou impedida de oferecer qualquer tipo de desistência no momento do fato, assim o réu conseguiu manter com está conjunção canal.

Devido o lapso de memória em virtude da substância involuntariamente ingerida, a qual viabilizou a ocorrência do crime, a vítima apenas se conscientizou dos fatos em sua residência, onde constatou a presença de sangue e sêmen em sua roupa íntima."

A denúncia foi recebida em 31 de janeiro de 2019.

Da fundamentação do Parquet

O ilustríssimo Ministério Público pugnou pelo indeferimento do pedido, tendo como base que não seria possível imputar ao réu a prática delitiva do crime de estupro de vulnerável, tipificado no art. 217-A, § 1º, do Código Penal, assim requerendo a absolvição do réu.

O nobre Ministério Público alega que as provas acostadas nos autos são extremante frágeis para embasar a condenação.

Ao acusado é imputado o crime de estupro de vulnerável tipificado no art. 217-A, § 1º, do Código Penal, o qual dispõe:

"Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro atolibidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009). Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009). §

1 o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009 – grifou-se)"

“Sobre o tipo penal, leciona Rogério Greco,"O dolo é o elemento subjetivo necessário ao reconhecimento do delito de estupro de vulnerável, devendo abranger as características exigidas pelo tipo do art. 217-A do Código Penal, vale dizer, deverá o agente ter conhecimento de que a vítima é menor de 14 (catorze) anos, ou que esteja acometida de enfermidade ou deficiência mental, fazendo com que não tenha o discernimento necessário para a prática do ato, ou que, por outra causa, não possa oferecer resistência.

Se, na hipótese concreta, o agente desconhecia qualquer uma dessas características constantes da infração penal em estudo, poderá ser alegado o erro de tipo, afastando-se o dolo e, consequentemente, a tipicidade do fato". (Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 14ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017 – pag. 153). Sobre a vulnerabilidade, por sua vez, adverte Masson: (trechos retirados da sentença)”

No caso em tela para tipificar o delito de estupro de vulnerável, faz-se necessária que a vítima Mariana, não teria no momento do fato como oferecer resistência por motivos físicos ou psicológicos em face da conduta delitiva do réu, como também é de suma importância que houvesse dolo na conduta do agressor e ciência da vulnerabilidade que acomete a vítima.

Para embasar a vulnerabilidade da vítima, seria necessária a comprovação da ingestão de substância ilícita/desconhecida ou mesmo de embriaguez, causando a ausência de consentimento da prática sexual.

Contudo, a ausência de consentimento por parte da vítima decorre da impossibilidade de oferecer resistência (pela ingestão de substância ou embriaguez), visto que vítima alega ter tido lapso de memória, todavia, não ficou demostrada em seu laudo toxicológico o uso de qualquer substância, sendo este negativo, entendendo o ministério Público que a vítima poderia oferecer resistência, assim possuindo discernimento no momento do fato.

Em oitiva a vítima relata que só se lembrou dos fatos ao chegar em sua residência, onde constatou a presença de sangue e sêmen em sua roupa íntima.

Ademais, há provas cabais da materialidade e autoria do réu conforme laudo pericial acostado em folhas (fls. 764/765), confirmando a prática de conjunção carnal e ruptura himenal da vítima, não se deve ignorar que a autora teria ingerido álcool.

Em sede instrução processual, no momento da colheita dos depoimentos testemunhais, estes não estavam em consonância com o depoimento da vítima, no entanto, estas afirmam que Mariana, tinha feito uso de bebida alcoólica.

Em várias partes de relatos das testemunhas elas utilizaram o termo “animada” para a vítima. Há apenas um depoimento da testemunha S.C.L afirmou que a vítima estava muito bêbada.

O motorista de aplicativo que levou a vítima até sua casa em sede de oitiva contou duas versões do fato, em primeiro momento dizendo que a vítima estava sóbrea, e posteriormente afirmou que a mesma estava muito alterada e parecia está sob influência de algo que alterou os seus sentidos.

O excelentíssimo magistrado fundamentou decidiu pela improcedência da demanda, com base legal no art. 386, VII, CPP, Por não existir provas suficientes para a condenação, com fundamento no princípio do in dúbio pro reo.

Conforme demostrado nos autos os depoimentos das testemunhas iam de encontro ao da vítima, o laudo toxicológico com resultado negativo afasta a possiblidade de estupro de vulnerável, o laudo apontou que a vítima estava consciente no momento do fato. Insta salientar que as imagens da câmera de segurança fornecida pela polícia, mostram a jovem atravessando a rua para ir em direção a outra festa atrás dos amigos, depois de ter sido estuprada, a vítima também pagou a conta de sua consumação e conversou com pessoas após os fatos.

No que pese restou apenas a palavra da vítima, em afirmar que não estava em condições de entender o ato prático, o tornando não consensual, caracterizando o estupro de vulnerável, assim como o laudo acostado da prática de conjunção carnal mantida entre ela e réu com o sêmen dele em suas vestes.

Para entendermos a sentença faz-se necessário compreender que a vítima no estupro de vulnerável precisa ser:

· menor de 14 anos ou

· por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que,

· por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Ao entendimento do ilustríssimo órgão Ministerial Público a jovem teria discernimento do ato, assim afastando o estupro de vulnerável, dando causa a absolvição do réu, em contraponto, o excelentíssimo juiz fundamento que não havia provas suficientes nos autos para decretar a condenação, visto que: a palavra da vítima, o laudo pericial do corpo de delito que mostra a ruptura do seu hímen e o sêmen em sua roupa não seriam provas cabais para comprovar o abuso sofrido.

O magistrado fundamentou que na dúvida o réu deve ser absolvido, em respeito ao princípio do in dúbio pro reo, em detrimento do laudo negativo que comprovaria o discernimento da vítima no memento do fato, assim possuindo a capacidade de consentir.

Fabiana Moreira Pinto

Advogada OAB: 31955


Belém 04 de novembro de 2020.

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Assim como você, li trechos da sentença, mas não tive acesso aos autos e não sei se a interpretação do juiz está de acordo com as provas produzidas. Parece que, do ponto de vista jurídico, não há nenhum absurdo na sentença que justifique essa reação. Claro que o comportamento do juiz, e do representante do MP precisam ser investigados, afinal a moça foi submetida a uma verdadeira sessão de tortura e os representantes do Estado, aparentemente, não fizeram nada para garantir que ela fosse tratada com a dignidade que merece. Parabéns pela reflexão, e pela coragem! continuar lendo