Página 71 da Judiciario do Diário de Justiça do Estado do Ceará (DJCE) de 24 de Junho de 2016

como as alegações das testemunhas arroladas pelo Ministério Público apontaram, de forma uníssona, para a confirmação da autoria delitiva dos acusados - no sentido de que o réu abusava sexualmente da ofendida e a mãe desta, mesmo sabendo o que se passava, nada fazia para impedir o prosseguimento dos atos - estando as declarações harmônicas entre si e inexistindo indícios de que os fatos foram fantasiados pela ofendida, como quer fazer crer a defesa. 13. Aqui, importante relembrar que o art. 13 dispõe que o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa, enquadrando se na espécie a conduta do pai, ora réu, que abusava sexualmente da filha. Por sua vez, o art. 13, § 2º, ‘a’ do Código Penal determina que a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, tendo dever de agir aquele que tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, in casu, a mãe da menor, ora ré, que tinha a função de garantidora. Assim, tem-se que o fato de a genitora ter sido avisada pela menina sobre os abusos sofridos e, mesmo assim, ter permanecido inerte, sem relatar o caso às autoridades, dá à sua omissão o caráter de penalmente relevante, razão pela qual deve responder pelos delitos sofridos pela ofendida, não podendo eximir-se da culpa pela simples alegação de que buscou fazer de tudo para preservar a família. Precedentes e doutrina. 14. Desta feita, havendo consonância entre os depoimentos prestados, (vítima e testemunhas) e ainda que os réus tenham negado os fatos, inexiste dúvida, quanto à autoria, que os favoreçam, principalmente porque em crimes praticados às ocultas (como o estupro de vulnerável), a palavra da vítima assume elevada eficácia probatória, já que não contam com testemunhas oculares. Precedentes. 15. Importante que se diga que pequenas divergências entre os depoimentos prestados, que não se refiram a informações relevantes para a elucidação do caso, não têm o condão de retirar a credibilidade da prova oral colhida, principalmente porque são oriundas da diversa compreensão da realidade que cada indivíduo possui. Precedentes. 16. Importante ressaltar que ainda que inexista laudo de exame de corpo de delito, tem-se que tal não tem o condão de, por si só, ensejar a absolvição dos acusados, pois o pai da vítima foi denunciado e condenado por tocar e lamber as partes íntimas da mesma, bem como os seus seios, o que não deixa vestígios e, por isso, é prescindível a realização do aludido exame. Precedentes. 17. Mencione-se que, no que tange à alegativa dos réus de que toda a história foi inventada em razão de animosidade entre as filhas do primeiro casamento do acusado e a atual esposa deste, temse que tal não merece prosperar, pois sendo ônus da defesa a comprovação da mencionada tese - nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal - esta não juntou aos autos qualquer prova que pudesse confirmar a aludida versão ou pelo menos suscitar dúvida acerca da veracidade dos fatos, sendo inviável acolhê-la para fins de retirar a credibilidade dos depoimentos da vítima e das testemunhas, já que por diversas vezes restou demonstrado nos autos que não havia qualquer problema entre as famílias antes da descoberta dos aludidos abusos. 18. Quanto ao pleito do réu F.J.O de desclassificar o delito de estupro de vulnerável para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, tem-se que tal também não merece acolhida, pois viu-se das provas colhidas que o interesse do réu era, obviamente, satisfazer sua própria lascívia, mediante atos libidinosos, e não importunar a vítima através da prática de atos ofensivos ao pudor ou atos obscenos, como se percebe da narrativa efetuada pela menor, por meio da qual relata que o apelante tocava e lambia suas partes íntimas, praticando, portanto, sexo oral com a menor. Precedentes. 19. Por fim, no que tange à alegação do acusado de que para que seja condenado pela prática de ato libidinoso, este deve ter a mesma gravidade da conjunção carnal - pois o contrário, ao ser ver, afrontaria a proporcionalidade -tem-se que esta também se mostra impossível de ser acolhida, pois o art. 217-A do Código Penal tipifica a conduta tanto daquele que pratica conjunção carnal como do que faz com o menor ato libidinoso diverso, inexistindo diferenciação em termos de configuração ou não de crime, já que ambos ferem a dignidade sexual da vítima. 20. Desta forma, resta assente que o magistrado de primeiro grau fundou-se em provas hábeis e suficientes para embasar a condenação imposta aos acusados, ora apelantes, de modo que restou demonstrado, conforme aduzido acima, a materialidade e a autoria delitiva dos crimes em comento, não havendo, portanto, que se falar em reforma da sentença condenatória neste ponto. DA ANÁLISE DA DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE DE REDIMENSIONAMENTO DA SANÇÃO. 21. O magistrado, ao dosar as penas dos réus, entendeu como desfavoráveis os vetores culpabilidade e personalidade para o réu F.J.O e afastou a pena base em 02 (dois) anos do mínimo legal, que é de 8 anos anos. Para M.I.A.L foi considerado desfavorável o vetor culpabilidade, tendo sido fixada a pena base um ano acima do mínimo, o que se mostrou descabido, pois no presente caso, o sentenciante entendeu que o vetor culpabilidade merecia receber traço negativo em virtude de os réus não terem tido compaixão da própria filha. Ocorre que tal já é punido pela causa de aumento do art. 226, II, que impõe maior reprimenda aos ascendentes que cometerem delitos contra a dignidade sexual exatamente porque estes, em vez de protegerem seus filhos, praticam contra os mesmos conduta delituosa, o que enseja maior reprovabilidade. Assim, utilizar tais fundamentos para também elevar a pena-base caracteriza bis in idem, razão pela qual torno neutra a vetorial. 22. Sobre a personalidade, vetor considerado negativo para o réu F.J.O, mantenho sua análise desfavorável, já que restou demonstrado nos autos que o acusado tinha o costume de agredir a filha, principalmente quando a mesma não deixava que os abusos fossem realizados, tendo chegado a bater na menor inclusive com um cano de PVC. Precedentes. 23. De modo que, remanescendo tom desfavorável sobre apenas um dos vetores constantes no art. 59 do Código Penal para o réu F.J.O, necessária se faz a redução da pena base ao patamar de 09 (nove) anos de reclusão, obedecendo a proporção aplicada pelo magistrado singular. Já para a ré M.I.A.L, impõe-se a redução da pena para o mínimo legal de 08 (oito) anos de reclusão, já que não subsiste traço desfavorável sobre nenhuma das circunstâncias do art. 59, CP. 24. Na 2ª fase, não foram reconhecidas atenuantes ou agravantes, o que não merece alteração. Na 3ª fase, por sua vez, a pena de ambos foi elevada de 1/2 em razão dos réus serem ascendentes da vítima, o que deve permanecer, pois a hipótese enquadra-se no teor do art. 226, II do CP. Assim, fica a pena de F.J.O no montante de 13 (treze) anos e 06 (seis) meses de reclusão e a de M.I.A.L no patamar de 12 (doze) anos de reclusão. 25. Ainda na 3ª fase, as sanções foram elevadas em 1/3, em razão da continuidade delitiva, o que não deve ser alterado, já que a menor foi vítima dos abusos dos 12 (doze) aos 15 (quinze) anos de idade, nas mesmas condições de tempo, lugar e modus operandi. Em casos como o da espécie, entende a jurisprudência pátria que, uma vez que não há como saber o número exato de delitos praticados no referido intervalo de tempo, aplica-se a fração acima do mínimo legal, em consonância com o que fora feito em 1ª instância. Precedentes. 26. Fica a pena definitiva do réu F.J.O redimensionada do montante de 20 (vinte) anos de reclusão para 18 (dezoito) anos de reclusão e da ré M.I.A.L do quantum de 18 (dezoito) anos de reclusão para 16 (dezesseis) anos de reclusão. 27. Quanto ao regime de pena, o magistrado determinou que este restasse fixado no inicialmente fechado, tendo em vista a determinação contida no art. , § 1º da Lei 8.072/90. Ainda que o STF tenha declarado a inconstitucionalidade do aludido dispositivo, tem-se que as penas impostas aos acusados extrapolam o limite de 08 (oito) anos e, por isso, o caso enquadra-se no teor do art. 33, § 2º, ‘a’ do Código Penal, devendo ser mantido o regime mais gravoso para o início do cumprimento das sanções. RECURSOS CONHECIDOS. PRELIMINARES REJEITADAS E, NO MÉRITO, PARCIALMENTE PROVIDO. ACORDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 046XXXX-75.2011.8.06.0001, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em dissonância com o parecer ministerial, em rejeitar as preliminares arguidas e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso, redimensionando a pena privativa de liberdade, mantidas as demais disposições da sentença. Fortaleza,17 de junho de 2016 MARIA EDNA MARTINS Presidente do Órgão Julgador em exercício DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO Relator

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