Página 106 da Judicial I - Interior SP e MS do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) de 24 de Fevereiro de 2015

autos, tenho por comprovado ser o réu IGO ZANERIBS o autor dos fatos descritos na denúncia.- DO DOLO -Comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, cumpre agora examinar o elemento subjetivo do réu quando da prática delituosa.O réu relatou em seu interrogatório judicial (cfr. mídia à fl. 134) que vivia na Letônia, na companhia de seus pais, da namorada e da irmã. Trabalhava como jardineiro e ganhava cerca de 200 por mês. Afirmou que sua família estava endividada e as precárias condições financeiras impediam até mesmo que se tivesse o que comer todos os dias. Por essa razão, afirma o acusado ter aceitado a proposta de um seu conhecido (Sandys) para vir ao Brasil buscar e levar à Europa uma encomenda, em troca de três mil euros ou dólares (o réu afirmou não ter se preocupado em saber ao certo). Disse o réu que não lhe foi dito exatamente do que se tratava e, mesmo tendo suspeitado que poderia ser entorpecente, preferiu não perguntar, porque precisava desesperadamente do dinheiro e aceitaria o serviço fosse o que fosse que tivesse de transportar.O acusado passou então pela Inglaterra (onde teve contato com outro membro da organização criminosa, chamado Kaspars), pela Bélgica, Emirados Árabes Unidos (Abu Dhabi) e veio ter ao Brasil, com as passagens aéreas pagas pelo grupo.Já em São Paulo, sem saber falar português, o réu recebeu um telefonema de Kaspars, que simplesmente lhe ordenou que abrisse a porta do quarto de hotel para receber a mala de viagem contendo a droga. Disse o acusado que não chegou a abrir a mala, indo direto ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, onde foi preso em flagrante.Analisando as provas dos autos, e diante do próprio depoimento do réu em Juízo, emerge com nitidez, ao menos, o dolo eventual do acusado na espécie.Como lembrado pelo eminente Ministro FELIX FISCHER, do C. Superior Tribunal de Justiça, O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor, mas, isto sim, das circunstâncias. Nele, não se exige que o resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas que a aceitação se mostre no plano do possível, provável (STJ, REsp 247.263/MG, Quinta Turma, DJ 20/08/2001).No caso concreto, afigura-se evidente - à luz da capacidade de percepção do homem médio - que, ainda que não fosse a intenção deliberada do réu realizar o transporte de drogas, as circunstâncias permitiam imaginar como possível e até mesmo provável que sua caríssima viagem internacional (da Letônia à Inglaterra, Bélgica, Emirados Árabes Unidos e Brasil) se prestava efetivamente ao transporte da droga para a Europa.Com efeito, as circunstâncias mais que suspeitas da viagem seguramente levariam uma pessoa de percepção normal (sendo certo que o réu não se mostrou pessoa exageradamente ingênua ou inocente) a desconfiar - como o próprio réu afirma ter desconfiado - de que a cara empreitada se destinava ao transporte internacional de drogas.E se era possível ao réu, pelas circunstâncias, vislumbrar esse resultado criminoso (o transporte ilícito de drogas), a sua indiferença e aceitação passiva dessa possível (e provável) conseqüência revelam, com segurança, a assunção do risco de que tal viesse acontecer.Deveras, permitindo as circunstâncias a previsão do resultado criminoso, o ordenamento jurídico pátrio sanciona a despreocupação e pouco caso do réu com a possibilidade de sua utilização a serviço do tráfico internacional de drogas.Significa dizer: sendo claramente possível, pelas circunstâncias, vislumbrar que era de droga que se tratava, o comportamento do acusado, persistindo na empreitada criminosa mesmo assim - apenas pela possibilidade de ganho fácil de ao menos três mil dólares - autoriza a conclusão de que ele assumiu o risco de praticar o crime de tráfico internacional de drogas, não se importando caso tal sucedesse.Postas estas considerações, tenho que, diante das circunstâncias do caso concreto, pode-se afirmar, para além de qualquer dúvida razoável, que o acusado, se não tinha a intenção deliberada de praticar o crime de tráfico internacional de drogas, ao menos assumiu o risco de praticá-lo, agindo com consciência e vontade suficientes a consubstanciar o dolo eventual na espécie.Sendo o crime doloso aquele em que o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo (cfr. CP, art. 18, inciso I), reconheço o dolo do réu IGO ZANERIBS na prática dos fatos descritos na denúncia. - CONCLUSÃO QUANTO À EXISTÊNCIA DO CRIME -Postas as razões que se vem de referir, vê-se com nitidez que o réu realizou objetiva e subjetivamente as elementares do tipo penal previsto no art. 33 c/c art. 40, inciso I da Lei 11.343/06, incorrendo em conduta típica; não lhe socorrendo

nenhuma causa de justificação, é também antijurídica sua conduta; imputável, agindo com potencial consciência da ilicitude e sendo-lhe exigível, nas circunstâncias, conduta diversa, é culpável, passível, pois, de imposição de pena.Passo, assim à DOSIMETRIA DA PENA.- 1ª FaseTratando-se do crime de tráfico internacional de drogas, devem ser consideradas, com preponderância sobre as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e conseqüências do crime e comportamento da vítima), a natureza e a quantidade do entorpecente e a personalidade e a conduta social do agente (cfr. Lei 11.343/06, art. 42).Na linha defendida por parcela considerável da doutrina, entendo que a culpabilidade de que trata o art. 59 do Código Penal, enquanto juízo de reprovação social que o crime e o seu autor merecem, equivale ao conjunto de todas as demais circunstâncias judiciais postas no art. 59 (vide, por todos, GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Código Penal comentado, versão compacta, Editora RT, 2009, p. 302), razão pela qual deixo de analisá-la em separado.O réu não registra antecedentes conhecidos.Não há nos autos elementos a respeito da conduta social (papel do agente na comunidade, no contexto da família, do trabalho, etc.) e da personalidade do réu (conjunto de atributos psicológicos da pessoa, que determinam seus padrões de pensar, sentir e agir, conferindo-lhe individualidade) que recomendem majoração da pena mínima nesse particular.No que toca aos motivos do crime, o réu afirmou em seu interrogatório ter aceitado transportar as drogas por precisar de dinheiro. Como será visto com mais vagar abaixo, no afastamento da causa de diminuição de pena prevista no art. 24, do Código Penal, dificuldades de ordem financeira não justificam a prática criminosa, não havendo como se

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