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    As influências dos tratados internacionais ambientais celebrados pelo Brasil no ordenamento jurídico brasileiro - Adib Antonio Neto

    há 15 anos

    Como citar este artigo: NETO, Adib Antonio. As influências dos tratados internacionais ambientais celebrados pelo Brasil no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em http://www.lfg.com.br. 30 de março de 2009.

    INTRODUÇÃO

    As proposições aqui articuladas discutem, quanto ao Direito Internacional Ambiental, na fase inaugural, o seu desenvolvimento nos âmbitos internacional e nacional, sua origem e suas percepções do caráter sócio-democratizador nos países de médio desenvolvimento. Adiante, discute-se desde os tempos pretéritos dos tratados internacionais até o momento atual, focando-se nos atos de Estocolmo e do Rio. Na seqüência, entram em discussão os tratados celebrados pelo Brasil, a quantidade de atos, seus assuntos e o tempo de entrada em vigor.

    Por fim, as leis são expostas por assunto no tempo em que foram produzidas, seguida de uma breve análise de todas as constituições brasileiras e a de 1988 comparativamente às de outros nove países.

    1. SURGIMENTO DO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL E A IMPORTÂNCIA DE SEU ESTUDO

    A emergência do Direito Internacional do Meio Ambiente deve ser melhor estudada conjugadamente, a priori , após a ocorrência, com o ocaso da Segunda Guerra Mundial [ 1 ], de alguns fenômenos. Dentre estes, pôde-se verificar a abertura dos debates em foros diplomáticos internacionais à opinião pública, a valoração das teses científicas relacionadas ao meio ambiente, a democratização das relações internacionais com o efetivo controle da aplicação dos tratados internacionais sob o crivo dos parlamentos nacionais, a iminente possibilidade de catástrofe global por causa da Guerra Fria, e, por fim, a ocorrência efetiva de catástrofes ambientais, como derramamento de petróleo no mar e acidentes nucleares; tudo concomitantemente à conscientização do mundo sobre a necessidade de tutela dos direitos humanos.

    Modernamente, também a noção de patrimônio comum da humanidade vem sendo consignada sob a afirmação de que determinados bens não poderiam ser apropriados por nenhum Estado ou indivíduo sequer. Quaisquer instabilidades quanto à propriedade dos recursos naturais, que maculem as relações das nações, hão de ser resolvidas com embasamento no princípio de que todos os produtos da biosfera devem servir à humanidade como um todo.

    Como exemplo da existência deste princípio em tratados internacionais, citamos a Convenção sobre a Lei do Mar (1982), os Tratados sobre a Antártida (1959), como também os compromissos firmados na ECO 92 (1992). Cumpre assinalar, ademais, a importância de declarações que, ainda que não obrigatórias [ 2 ], podem determinar as grandes linhas mestras da ulterior evolução política-econômica-social, como foi o caso da Declaração de Estocolmo de 1972, da Carta Mundial da Natureza proclamada pela Assembléia Geral das Nações de 1982 e da Declaração da Conferência do Rio de Janeiro de 1992.

    Dessa forma, já a partir de 1960, deu-se início à crescente conscientização mundial, num patamar de politização e discussão jamais presenciado em fóruns internacionais, das necessidades para reconhecer os grandes hiatos que refletem as desigualdades econômicas entre os Estados, tudo isso com o intuito de instituir-se uma Nova Ordem Econômica Mundial. Por mais que justificativas relacionadas ao desenvolvimento econômico e social com a geração de emprego sejam realmente plausíveis a fim de justificá-lo, há que se sopesar as efetivas vantagens e os benefícios do crescimento econômico sustentável com as conseqüências daquele não sustentável. Na atual conjuntura, mesmo nas atividades industriais economicamente agressivas, gravosas e lesivas ao meio ambiente, os empregados da indústria, principalmente nos países em desenvolvimento, são parcamente remunerados, e contribuem para o enriquecimento de um minoritário grupo econômico preponderante, e, inevitavelmente, o status quo agrava a perpetuação dos conflitos econômico-sociais.

    Acerca desta temática social causadora de grande celeuma, várias digressões podemos fazer. De fato, a influência do poderio financeiro dos grandes grupos econômicos sobre a sociedade, inclusive preponderando sobre aos anseios do próprio Estado, faz por indagar a soberania de um determinado Estado ante aos Estados ricos ou agentes político-econômicos nacionais ou alienígenas.

    Destarte, aqueles Estados, financeiramente ou politicamente inferiores aos outros, submetem-se, infelizmente, de modo a satisfazer apenas aos interesses dos entes político-econômicos externos e das suas classes dominantes internas, em detrimento das necessidades da sua própria população, coadunando desastrosos efeitos ao meio ambiente comum aos países de uma mesma região.

    Em razão disso, a produção legiferante destes países pouco trabalhará para modificá-lo, haja vista que os legisladores - frutos da democracia representativa da sociedade pela qual são eleitos - nada mais representam que os interesses financeiros citados. Como corolário, o comportamento humano propôs, ao desenrolar de nossa história, graves problemas ambientais. Um comportamento a servir de destaque é ação humana destinada a satisfazer sua gana imediatista (fenômeno vivido pela sociedade hedonista [ 3 ] pós-moderna, é dizer também consumista e narcisista), agindo insistentemente, geração após geração, com a consciência inerte no curto prazo. Conjugado com este posicionamento, há a atuação individualista modificadora do meio ambiente que nos cerca, através de ações degradadoras. O Direito Ambiental, assim como todas as disciplinas juridicamente adotadas pelas civilizações que buscam a pacificação e estabilidade social, visa cabalmente aprimorar estes infaustos traços comportamentais, ambientalmente perniciosos às presentes e futuras gerações.

    O sentimento de humanidade abarcado pelo Direito Ambiental é tal que, se fizermos uma análise temporal, relativizou-se o distanciamento das relações entre as gerações atual e futura. Sopesou-se as necessidades reais e concretas com aquelas ainda indeterminadas, acarretando um desafio jurídico intrinsecamente ligado à perpetuação de nossa espécie.

    Por tudo isso, o Direito Ambiental vem nos mostrando ser um agente democratizador das relações entre Estado, cidadãos e agentes econômicos no âmbito do gerenciamento dos recursos naturais. O esgotamento dos recursos naturais está sempre associado às instabilidades sociais, com a conseqüente indução do deslocamento de pessoas e bens. Por causa disso, pode-se dizer também que o Direito Ambiental consegue produzir estabilidade das relações do indivíduo com seus semelhantes, seus bens, com o Estado e por conseguinte, com a própria natureza. Há de certa forma uma redefinição do papel da propriedade ou do direito sobre ela incidente, isto é, o direito absoluto sobre a propriedade e seus respectivos recursos naturais incompatibilizam com o foco do Direito Ambiental, é dizer que o direito absoluto é sua própria negação. Melhor afirmar, há uma redefinição nos padrões de consumo da sociedade.

    Por conseguinte, ante à crescente exigência da opinião pública mundial para com o meio ambiente, em 1972, consumou-se, através da ONU, a Conferência de Estocolmo, reconhecida como março no Direito Internacional do Meio Ambiente.

    2. A EVOLUÇÃO DOS TRATADOS NO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL

    Relatos da história exibem normas relativas à preservação de florestas, vigentes na Península Ibérica [ 4 ] desde o século XVI, para fins de reflorestamento das madeiras empregadas nas embarcações durante a expansão ultramarina, categorizando dessa forma os primórdios da preocupação ambiental. Não obstante, segundo lembrado por Alexandre Kiss [ 5 ] , nem todas normas são necessariamente reveladoras do Direito Internacional do Ambiente, haja vista, v.g., que as convenções sobre pescas, demasiadamente empregadas desde o século XVIII, não necessariamente se destinavam a proteger a fauna marinha, mas sim, com o desiderato de compartilhar o produto da pesca, ainda que houvessem conseqüências gravosas sobre o recurso natural representado pelas riquezas biológicas constituidoras do oceano.

    Segundo a sociedade evoluía, partiu-se, de início, de uma atitude de busca pela proteção dos elementos isolados do meio ambiente, como por exemplo as aves úteis à agricultura e os animais valiosos para determinado comércio internacional, para a direção de considerar a interação de todos os elementos componentes do meio ambiente, dessa forma impelindo a humanidade a produzir normas internacionais de forma a regular os fenômenos transfronteiriços. A exemplo disso, ao largo de décadas díspares, o Brasil foi um dos Estados signatários de alguns tratados cujos objetos, a princípio, são de certa forma isolados, e que, aos poucos migraram para assuntos mais genéricos e globais. Tratados estes que podemos citar são a Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América, assinado em 1940; a Convenção Internacional para a Conservação do Atum do Atlântico, assinado em 1966; a Convenção relativa às Zonas Úmidas de Importância Internacional, assinado em 1971; e a Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, assinado em 1989.

    No início do século XX, assistiu-se à primeira convenção internacional multilateral relativa à proteção de algumas espécies selvagens. Falamos da Convenção de Paris em 1902, com o escopo de proteger as aves úteis à agricultura. Todavia, seu próprio título indica a perspectiva em que este instrumento foi concebido: tratar-se de aves úteis, especialmente insetívoras (artigo 1.º), enquanto o anexo 2 à Convenção enumera as aves consideradas "nocivas" - aves de rapina como as águias e os falcões, espécies estas hoje protegidas.

    Tamanho utilitarismo oportunista, a muito curto prazo, será substituído por perspectivas mais amplas nos anos trinta. A Convenção de Londres em 1933, relativa à conservação da fauna e da flora da África - continente ainda colonizado pelos Estados Europeus - previu a criação de parques nacionais, com a proteção de algumas espécies da fauna selvagem. Outro instrumento relevante daquele tempo abrange igualmente os territórios fora da Europa. É a Convenção de Washington em 1940 para a proteção da flora, da fauna e das belezas panorâmicas da América, que visava igualmente o estabelecimento de zonas protegidas, bem como a proteção de espécies selvagens como as aves migratórias. Assiste-se igualmente, neste período, à multiplicação das disposições quanto ao resguardo das águas fronteiriças.

    Em 1941, interveio a primeira decisão da jurisdição internacional relativa ao ambiente, isto é, a sentença arbitral no caso da Fundição de Trail, que declara um Estado não ter o direito de usar o seu território, ou permitir o seu uso de modo a que emissões gasosas causem prejuízo no território alheio ou nas propriedades das pessoas que nele se encontrem.

    Finalmente, verificam-se, nos anos cinqüenta, as primeiras tentativas no sentido de lutar contra a poluição do mar (Convenção de Londres, em 1954, para a Prevenção da Poluição do Mar pelos Hidrocarbonetos). Também, a utilização da energia nuclear leva à criação de uma regulamentação internacional, como as Convenções de Paris em 1960 e de Viena em 1963, sobre a responsabilidade civil em matéria de prejuízo nuclear, e, sobretudo, o Tratado de Moscou em 1963, proibindo os ensaios de armas nucleares, exceto aqueles subterrâneos.

    Podemos, no entanto, situar o verdadeiro começo do instituto do Direito Internacional do Meio Ambiente no final dos anos sessenta, quando houve a conscientização generalizada das deteriorações no planeta em conseqüência das atividades humanas.

    Em 1968, a Assembléia Geral das Nações Unidas deliberou e resolveu convocar uma conferência mundial sobre o ambiente: a Conferência de Estocolmo de 1972. Neste interregno, importantes convenções surgem em resposta às catástrofes ecológicas, como a maior maré negra da história, devido ao naufrágio do petroleiro "Torrey Canyon" (duas convenções de Bruxelas em 1969, uma sobre a intervenção no mar alto contra navios estrangeiros em caso de acidente de poluição por hidrocarbonetos, e a outra sobre a responsabilidade civil pelos prejuízos devidos à poluição por hidrocarbonetos, depois completada por uma convencao em 1971, criando um fundo de indenização pelos prejuízos devidos à poluição por hidrocarbonetos).

    A Conferência das Nações [ 6 ], cuja temática foi o Meio Ambiente Humano, reuniu-se em Estocolmo, em 1972, que, findo o encontro, adotou uma Declaração comportando um preâmbulo e vinte e seis princípios configuradores dos fundamentos de toda a ação no domínio do ambiente. Juridicamente, alguns dos princípios elencados plasmam-se de eminente e particular atenção. O primeiro predica o direito fundamental do homem à liberdade, à igualdade, e a condições de vida satisfatórias num ambiente cuja qualidade lhe permita viver na dignidade e no bem-estar. Os princípios 2 a 7 formam o cerne das convenções fundamentais de Estocolmo, nos quais se proclama o dever de preservação, a fim de se resguardar o interesse das gerações presentes e futuras. Sobremais, devem os recursos renováveis ter salvaguardada a sua capacidade de reconstituição, ao passo que aqueles não-renováveis merecem uma gestão com prudência. Os princípios 8 a 25 prendem-se com a prática da proteção do ambiente e mencionam os instrumentos da política ambiental: a planificação e a gestão por parte de instituições nacionais, o recurso à ciência e tecnologia, a troca de informações e a cooperação internacional. Particularmente importante, o princípio 21 tornou-se um dos fundamentos do direito internacional do ambiente por pregar serem os Estados soberanos titulares do direito à exploração de seus próprios recursos, desde que tais atividades não prejudiquem o meio ambiente de outro Estado. Por derradeiro, o princípio 26 aduz em sua dicção a preocupação quanto à abolição das armas nucleares e de destruição em massa.

    O resultado levado a cabo pela Conferência de Estocolmo foi a criação, através da Assembléia Geral das Nações Unidas, do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, com sede estabelecida em Nairóbi, Quênia. Entre suas atividades, cabe salientar a elaboração de relevantes convenções internacionais: a Convenção de Viena sobre a proteção da camada de ozônio (1985), consubstanciado pelo Protocolo de Montreal (1987) que a completa; a Convenção de Basiléia sobre os movimentos transfronteiriços dos resíduos perigosos e sua eliminação (1989); sistemas convencionais para oito mares regionais; a Convenção adotada na Conferência do Rio de Janeiro sobre a diversidade biológica (1992), etc.

    Os anos oitenta trouxeram duas novas etapas ao desenvolvimento do direito internacional do ambiente. Primeiro, quedou-se evidente o método preservacionista setorial, isto é, aquele que protege separadamente os diferentes setores do ambiente - mar, águas continentais, atmosfera, vida selvagem - ser insuficiente. Segundo, em virtude do princípio de prevenção, a poluição deve ser obstada na origem, fazendo-se necessário remontar às causas verdadeiras, ou seja, às substâncias que podem deteriorar o ambiente. Assim, a regulamentação da segunda etapa do direito do ambiente procura agir sobre os poluentes e não já sobre os meios onde estes exercem os seus efeitos.

    Quanto aos anos noventa, em 1992, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92) no Rio de Janeiro, houve a Declaração sobre o Ambiente e o Desenvolvimento de alcance geral, e a Agenda 21, com um volumoso programa de 115 ações concretas a desenvolver. Ela trouxe à baila a assinatura de dois acordos, o Tratado sobre a Biodiversidade, que obriga os signatários à proteção das espécies ameaçadas de extinção, e à cooperação na área de tecnologia genética e biológica, e o Tratado sobre Aquecimento Global, que pretendia reduzir o nível das emissões de gases provocadores do efeito estufa àqueles já registrados em 1990. O aquecimento global, à proporção dos seus efeitos terem engendrado conseqüências nada convenientes, foi ainda objeto tratado e rediscutido em 1997 na Conferência de Kyoto, na qual os 159 representantes foram signatários de um Protocolo definidor dos níveis de emissão de poluentes entre 2008 e 2012, a serem mitigados em uma média de 5,2% comparativamente àqueles emitidos em 1992.

    A Declaração do Rio [ 7 ] comporta 27 princípios que consignam parte dos enunciados em Estocolmo, mas também algumas regras de direito consuetudinário erigidas desde 1972, sobretudo no tocante à poluição transfronteiriça. Alguns outros princípios se revestem também de importância do ponto de vista jurídico. Preconizam a participação de todos os cidadãos envolvidos nos processos de tomada de decisão, sem esquecer a informação prévia que requerem (10); a adoção de medidas legislativas eficazes em matéria de ambiente (11); a necessidade de elaborar regras nacionais e internacionais relativamente à responsabilidade por dano ecológico e à indenização das vítimas (13); a proibição da transferência para outros Estados de atividades e substâncias que provoquem uma séria degradação do ambiente (14); a adoção de medidas de precaução para prevenir danos graves ou irreversíveis (15); a aplicação do princípio poluidor-pagador (16); a preparação de estudos de impacto (17); a notificação imediata e a assistência em casos de urgência (18) e, finalmente, o princípio segundo o qual os Estados têm responsabilidades comuns mas diferenciadas no domínio do ambiente e do desenvolvimento.

    3. TEMÁTICAS AMBIENTAIS NOS TRATADOS INTERNACIONAIS CELEBRADOS PELO BRASIL

    Neste trabalho acadêmico, procurou-se analisar um grupo de 66 tratados [ 8 ] e convenções multilaterais internacionais dos quais o Brasil foi, no exercício de sua soberania, um dos países signatários. Tabulou-se as informações em 4 planilhas conforme vejamos.

    1-Situação dos Tratados

    Total

    2-Assunto dos Tratados

    Tempo médio (em anos) para aprovação

    3-Período de anos

    Quantidade

    Tratados

    Tempo médio (em anos) para aprovação

    Promulgado

    91%

    autorizada adesão

    4%

    nuclear / armas 14 1900-1945

    3

    24

    Aprovado

    3%

    antártida 12 1946-1960

    8

    9

    assinado

    2%

    espaço 12 1961-1975

    21

    14

    Total

    100%

    mar / rios 11 1975-1990

    15

    8

    poluição 10 1991-2006

    19

    5

    fauna / flora

    8

    clima

    6

    pesca

    5

    ozônio

    4

    bem cultural

    3

    Sob análise da planilha 1, vê-se que 91% dos atos internacionais celebrados encontram-se devidamente promulgados e incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro. Os outros 9% correspondem a 6 tratados apenas, porém destes, 2 versam sobre direitos do alto mar e 2 versam sobre proibição completa no tocante às armas nucleares. Quanto à planilha 2, vê-se, decrescente e temporalmente, qual a duração em anos do trânsito do ato internacional desde sua assinatura até sua aprovação no âmbito nacional. Inegável a morosidade da aprovação dos tratados que regulem assuntos como direito sobre o mar, sobre a Antártida, sobre o Espaço Sideral e sobre as armas nucleares. Mesmo aqueles tratados que demandam maior urgência na sua aprovação, não levam menos do que 6 anos em média para vigorar no Brasil, a saber: clima, fauna / flora e poluição. Atinente à planilha 3, claro está haver uma relativa melhora na celeridade de aprovação no grupo 1991-2006, ou seja, exaurindo-se todo o processo normalmente delongado em "apenas" 5 anos em média.

    Consoante artigo de Marcos Savini [ 9 ], "o Brasil teve uma diplomacia multilateral precoce, atendendo ao desejo de ascender a padrões mais altos de inserção internacional. Onde houvesse a criação de uma organização internacional, o Brasil estaria entre seus fundadores. Ainda que quase sempre como coadjuvante. Ou então fica evidente o descompasso entre a ação política externa e a política interna. Exemplo disso é o fato do Brasil ser um ativo negociador do Tratado de Roma, para criar o Tribunal Penal Internacional, em 1998, e que, até o fim de maio de 2002 estava para ser aprovado no Congresso brasileiro."

    4- Assunto dos Tratados

    1900-1945

    1946-1960

    1961-1975

    1975-1990

    1991-2006

    Quantidade Tratados

    %

    antártida

    1

    1

    1

    1

    4

    6%

    bem cultural

    1

    2

    3

    5%

    clima

    3

    3

    5%

    mar / rios

    2

    1

    1

    4

    6%

    espaço

    3

    3

    5%

    fauna / flora

    1

    1

    2

    2

    7

    13

    20%

    nuclear/armas

    1

    1

    7

    5

    4

    18

    27%

    ozônio

    2

    2

    3%

    pesca

    1

    2

    1

    1

    2

    7

    11%

    poluição

    4

    3

    2

    9

    14%

    t.tratados

    3

    8

    21

    15

    19

    66

    100%

    %

    5%

    12%

    32%

    23%

    29%

    100%

    Esta planilha supra, evidencia uma gama analítica por demais interessante. Traçou-se horizontalmente a linha do tempo ainda com os anos agrupados, apresentando seus percentuais e a quantidade de tratados, em que, simultaneamente, foram transpostos os dados com os temas / assuntos, suas quantidades e respectivas porcentagens. Inexiste qualquer argumento que refute asseverarmos a predominância de uma atividade diplomática intensa e acentuada a partir de 1961, a fortiori, quando o assunto são as armas nucleares, precipuamente entre 1961 e 1990. Muito embora questões como poluição, preservação da fauna/flora e do clima sejam mais urgentes, o empenho constatado molda-se contraditoriamente. Sobre a poluição, prende-se à uma relativa perda de interesse; sobre o clima e suas conseqüências, a atenção resultou-se muito tardiamente, dando-se somente a partir de 1991; somente a fauna / flora despertaram maior esforço das autoridades, e que, irrefutavelmente também refletiu nas últimas produções legislativas brasileiras.

    Em suma, vemos grande ênfase na celebração de tratados com desiderato de regular armas nucleares e de destruição em massa, com cerca de 27%, de um total de 66 tratados voltados ao caráter ambiental. Conjugada esta informação com as planilhas precedentes, a inteligência pode ser feita com base muito mais voltada aos interesses estratégicos militares das potências do que a propriedade ambiental propriamente dita. Haja vista, o elevado percentual de 55% dos tratados serem celebrados, coincidentemente, entre os anos de 1960 e 1990, justamente o crucial interregno da guerra fria.

    4. A EVOLUÇÃO DAS LEIS COM TEMÁTICAS AMBIENTAIS NO BRASIL [ 10 ]

    A legislação ambiental brasileira [ 11 ], passa por profunda reformulação, suportando grandes pressões internas e externas, decorrente das perdas no patrimônio natural que maculam hodiernamente a qualidade de vida humana em nosso território.

    Como já anteriormente discutimos, o direito de propriedade naturalmente ofereceu certa relutância à criação de leis ambientais justamente voltadas à limitação do direito de propriedade e à iniciativa privada.

    Quando a preocupação com saúde humana, de forma ainda muito tímida e através de algumas normas de cunho ambiental, começou a surgir, existiu de forma a proteger o direito privado na composição do direito de vizinhança. Exemplo disso é o lembrado por Márcia Gomes dos Santos, em sua monografia, sobre o artigo 554 do Código Civil de 1916 [ 12 ]: "O proprietário, ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego, e a saúde dos que o habitam". Segue no mesmo diploma o artigo 584: "São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar para uso ordinário, a água de poço ou fonte alheia, a elas preexistente".

    Vejamos agora, algumas leis e seus respectivos conteúdos concatenados à preocupação com a preservação ambiental. Em seu preâmbulo, o Código de Águas (Dec nº 24.643 , 10.7.1934) buscou controlar o uso industrial das águas. Em sua análise, nota-se, ainda de forma incipiente e tímida, alguma preocupação quanto à escassez dos recursos hídricos por considerar que a energia hidráulica requer um aproveitamento racional. Exigiu a concessão ou autorização administrativa para o uso derivado das águas, e, também, há preocupação quanto à construção de poços que possam poluir poços alheios. Já nota-se alguma restrição na abertura de poço e no uso de águas localizadas abaixo da superfície de propriedades particulares. Neste período não houve qualquer tratado internacional celebrado pelo Brasil cuja temática tivesse sido águas ou poluição.

    A Ação Popular (Lei nº 4.717 , 29.6.1965), conferiu legitimidade a qualquer cidadão a fim de pleitear a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio, definindo este último como sendo os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

    No mesmo ano, o Código Florestal (Lei nº 4.771 , 15.9.1965), predicou serem as florestas bens comuns à toda sociedade e restringiu-se o direito de propriedade. Considerou as ações ou omissões na exploração das florestas como sendo uso nocivo da propriedade. Restringiu o uso e exploração de florestas localizadas em propriedades privadas. Outrossim, instituiu algumas contravenções penais. No período de 1961-1975 houve dois tratados internacionais celebrados pelo Brasil cuja temática abrangeu fauna e flora.

    Mais adiante, o Código de Caça - Proteçâo a Fauna (Lei nº 5.197 , 3.1.1967) reputou os animais da fauna silvestre como sendo de propriedade do Estado, como também institui proibições como a caça, perseguição e destruição. Igualmente ao anterior, houve dois tratados internacionais celebrados pelo Brasil cuja temática abrangeu fauna e flora.

    Também no mesmo ano, o Código de Pesca (Decreto Lei nº 221 , 28.1.1967), restringiu a liberação de resíduos líquidos e sólidos nas águas quando poluidores, e definiu a poluição como sendo a alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas das águas, constituindo prejuízo à fauna e flora. No período de 1961-1975 houve apenas um tratado internacional celebrado pelo Brasil com temática relativa à pesca, ao passo que quatro foram sobre poluição.

    Com o passar do tempo, evoluiu a percepção da proteção ambiental, conforme vemos na Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766 , 19.12.1979), que restringe o parcelamento do solo urbano, admitiu-o tão somente através de lei municipal, não tolerando o parcelamento em áreas de preservação ecológica. Reputou aos Estados a função para o exame e anuência prévia da aprovação por parte da Municipalidade dos loteamentos e desmembramentos, precipuamente nas áreas de mananciais, entre outros, definidas em leis.

    A amplitude seguiu com a Lei das Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental (Lei nº 6.902 , 27.4.1981), definidora das Estações Ecológicas como sendo as representativas dos ecossistemas brasileiros, cuja destinação é a consumação de pesquisas atinentes à ecologia, proteção ambiental, e o desenvolvimento da consciência preservacionista através da educação ambiental. Taxativamente, expõe a implantação das Estações de modo a estruturar estudos comparativos com outras áreas nas cercanias, porém já ocupadas e interferidas pela ação humana, e, com o repertório dessas informações, planejar de modo racional o uso dos recursos naturais. Acresceu em seu dispositivo a possibilidade de declaração, por parte do Poder Executivo, de algumas áreas como sendo de proteção ambiental, com o objetivo de conservar o bem-estar e as condições ecológicas locais das populações humanas.

    A Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938 , 31.8.1981), instituiu-se a fim de exteriorizar uma preocupação maior quanto à qualidade de vida proporcionada pelo meio ambiente protegido, para gerar um desenvolvimento sócio-econômico, inclusive sobre a proteção da dignidade da vida humana, embasado na viabilização da racionalização no uso dos recursos naturais; do controle no zoneamento das atividades potencialmente poluidoras; do incentivo às pesquisas de tecnologias; da recuperação de áreas degradadas; da proteção das áreas ameaçadas; e, por fim, da educação ambiental. Definiu ser o meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Traçou, dentre alguns objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente a divulgação de dados ambientais e a formação de consciência pública sobre a preservação; outrossim a imposição da obrigação de restaurar àquele que degradou, bem como àquele usurário de recurso natural com escopo econômico.

    Ela muito bem comanda que as atividades empresariais públicas ou privadas serão exercidas em consonância com as diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente. Estabelece incentivos ao desenvolvimento de pesquisas que mitiguem a degradação da qualidade ambiental; fabricação de equipamentos antipoluidores; outras iniciativas que racionalizem o uso dos recursos ambientais. Esta lei reflete também no campo do Direito Tributário, pois estatui a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), a fim de controlar e fiscalizar as atividades potencialmente poluidoras.

    A Ação Civil Pública (Lei nº 7.347 , 24.7.1985), rege as ações de responsabilidade pelos danos causados, sejam morais ou patrimoniais, ao meio ambiente dentre outras áreas. Outrossim consigna a possibilidade de ação cautelar de modo a resguardar o meio ambiente.

    Logo após a promulgação da Constituição de 1988, surgiram as Medidas para Proteção das Florestas nas Nascentes dos Rios (Lei nº 7.754 , 14.4.1989), as quais estatuíram serem de preservação permanente as florestas localizadas nas nascentes dos rios.

    Na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde (Lei nº 8.080 , 19.9.1990), o meio ambiente é pautado como sendo um dos fatores determinantes da saúde. Sua tutela é inclusive posta dentro do âmbito de atuação do Sistema Único de Saúde, como por exemplo, a conceituação da vigilância sanitária como sendo um grupo de ações de modo a intervir nos problemas sanitários provenientes do meio ambiente. Há a divisão da responsabilidade das atribuições administrativas entre União, Estados e Municípios no tocante à recuperação e proteção do meio ambiente.

    Reputou à direção nacional do SUS a competência para participar na produção e implementação de políticas de controle na agressão do meio ambiente, acrescendo ainda a definição de normas para controle dos agravos ao meio ambiente com repercussão na saúde humana.

    A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433 , 8.1.1997), criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamentou, também, o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal . Predica as bases da Política Nacional de Recursos Hídricos, considerando a água um bem de domínio público, ser um recurso natural limitado dotado de valor econômico, estabelecendo seu uso prioritário em situações de escassez. Assevera, de forma inédita dentre as leis aqui discutidas, ser um dos objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos a necessária disponibilidade de água à atual e futura geração, exibindo desta forma evidente preocupação com sua manutenção, também sua utilização racional e a prevenção contra eventos críticos decorrentes do uso inadequado. Concatena a gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental e com uso do solo.

    Estabelece o escopo da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, como sendo o reconhecimento da água como bem econômico, e o incentivo ao seu uso racional. Definiu as infrações das normas de utilização de recursos hídricos: derivação de recursos hídricos sem a outorga do direito de uso, perfuração de poços para extração de água sem autorização, fraude na medição de água e obstacularização da ação fiscalizadora das autoridades competentes no exercício de suas funções.

    A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605 , 12.2.1998), regulou a apreensão e respectiva destinação dos produtos dos crimes assim que constatada a infração, bem como conferiu às infrações penais previstas na lei como sendo de ação penal pública incondicionada. Um dos principais crimes regulados pelo dispositivo é o de dar causa à poluição em níveis que resultem danos à saúde humana, mortandade de animais ou perecimento da flora. Sobremais, adentrou no Direito Internacional Ambiental ao estatuir a necessária cooperação a outro país em questões atinentes ao meio ambiente, ressalvada a soberania nacional.

    O Zoneamento Ecológico Econômico do Brasil (Decreto nº 4.297 , 10.7.2002), buscou garantir o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida, definindo o Zoneamento Ecológico Econômico como sendo o instrumento de organização a ser compulsoriamente seguido nas obras e atividades público-privadas.

    A Gestão de Florestas Públicas Para Produção Sustentável (Lei nº 11.284 , 2.3.2006), dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável. Constituiu os princípios da gestão das florestas públicas, como: proteção dos ecossistemas, seus valores culturais respectivamente associados e o patrimônio público; estabelecimento de atividades promovedoras do uso eficiente e racional das florestas; incentivo à agregação de valor aos produtos oriundos das florestas; fomento à conscientização da população quanto à preservação das florestas; estatui também sobre a possibilidade de produção de normas supletivamente àquelas produzidas pela União, dentro das respectivas competências de cada ente federativo.

    5. DIREITO CONSTITUCIONAL AMBIENTAL COMPARADO [ 13 ]

    A questão também recai na órbita constitucional, quando é traçado um paralelo entre os movimentos legislativos dos países soberanos, e os movimentos advindos dos tratados internacionais celebrados pelos mesmos Estados dotados de soberania. Antes de serem debatidas e comparadas as dez constituições aqui aduzidas, cumpre delinearmos a evolução constitucional brasileira na matéria ambiental.

    No século XIX, o Brasil passou por duas Constituições - 1824 no Brasil Império e 1891 logo após a proclamação da República - no entanto nenhuma delas fez qualquer menção à matéria. Somente com o advento da Era Vargas, em sua Constituição de 1934, foi abordado o tema. Logo em seu artigo 5o. , inciso XIX, alínea J, estatui a exclusividade da União em legislar sobre água, pesca, caça, florestas e suas respectivas explorações, conferindo, através do § 3o. do mesmo artigo, aos Estados Membros a produção legislativa complementar ou suplementar. Mais adiante no artigo 10, inciso II, predica o zelo pela saúde concorrentemente entre União e Estados, e, também no inciso III traz em sua dicção a proteção sobre as belezas naturais. No artigo 118 são constituídas as quedas d'água como propriedade distinta do solo para efeito de exploração ou aproveitamento industrial. Por fim, no artigo 119 , traz, imperiosamente, a necessidade de autorização ou concessão federal para aproveitamento industrial das águas. Com a instituição do Estado Novo, houve uma Nova Ordem Constitucional, isto é, a nova Constituição de 1937 (Polaca). Em seu artigo 16, inciso XIV, não de forma díspar do articulado em sua antecessora, também estatui o privativo poder da União para legislar sobre águas, florestas, caça e pesca e sua exploração, bem como seguindo no mesmo dispositivo, inciso XXVII, sobre as normas fundamentais da defesa e proteção da saúde. No artigo 18 , veicula-se, de forma a ampliar o poderio legislativo dos Estados Membros, a possibilidade destes últimos poderem legislar, sem qualquer autorização, quando da existência de lei federal sobre a matéria, a fim de suprir ou atender peculiaridades locais sobre água, florestas, caça, pesca, bem como obras de higiene popular e casas de saúde. Na mesma Carta de 1937, os monumentos naturais, como paisagens ou locais dotados pela natureza, são protegidos no artigo 134. Já no artigo 143 prega-se serem as quedas d'água propriedades distintas do solo para exploração ou aproveitamento industrial, conferindo-lhes, pois, a necessidade de autorização federal. Dessa forma, vemos serem pouco diferidas as duas Constituições da Era Vargas.

    Com o ocaso do período Vargas, veio a Constituição de 1946. Logo em seu início, no artigo 5o. , inciso XV, alíneas b e l, declina a competência da União para legislar sobre normas gerais de proteção da saúde (b) e sobre águas, floresta, caça e pesca (l). No artigo 34, inciso I, de forma inédita ante as Cartas Constitucionais anteriores, inclui como sendo bens da União os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado ou sirvam de limite com outros países. No artigo 152, não de forma iníqua como os ditames das Cartas anteriores, constitui as quedas d'água propriedade distinta da do solo para efeito de exploração. Por fim, em seu artigo 175 consigna os monumentos naturais, as paisagens e os locais de particular beleza estarem sob proteção do Poder Público.

    Com o golpe militar, adveio a Carta Constitucional de 1967. Em seu dispositivo 4o., inciso II, segue a mesma tendência da sua antecessora, em regular a inclusão como bens da União os lagos e correntes de água. Mais adiante no artigo 8o., regula a competência da União em estabelecer os planos nacionais de saúde (inciso XIV), bem como a ação de legislar (inciso XVII) sobre normas de proteção à saúde (alínea c); florestas, caça e pesca (alínea h) e águas (alínea l). No artigo 172, Parágrafo único, estatui ser dever do Estado a proteção das paisagens naturais notáveis. Por derradeiro, no artigo 186 é assegurado a posse e o usufruto dos recursos naturais aos silvícolas.

    De uma certa maneira nas cartas supra transcritas, vê-se uma superficial preocupação com o meio ambiente, sendo completamente alheias ao assunto as Constituições de 1824 e 1891. Pode-se perceber a frieza das letras ao serem transcritas nestas Constituições, através, por exemplo, da não conjugação da preservação ambiental com a poluição e seus reflexos na saúde humana. Somente de forma objetiva as preocupações com água, caça, pesca, floresta e paisagens naturais são elencadas. O bem estar necessário à saúde humana, bem como a preocupação com os direitos e anseios das futuras gerações foram cabalmente ignorados, sendo estes tão somente verificados na Carta de 1988.

    Destarte, partamos por ora para uma análise comparativa mais metódica de dez Cartas Constitucionais. Antes do mérito, elucidamos o porquê da escolha destes países. Optou-se por, concomitantemente, eleger sete nações cuja cultura jurídica originária vem do ramo romano-germânico majoritariamente. Daí discute-se sobre França, Portugal, Espanha, Brasil, Argentina, Bélgica e Suíça. Por outro lado, também optou-se por escolher mais um país europeu, mas de cultura diversa dos primeiros (Rússia), bem como um país representando a Ásia (Coréia do Sul) e outro o Médio Oriente (Arábia Saudita). A Arábia Saudita merece atenção especial, dado ao fato de ser um dos maiores produtores de petróleo, recurso natural não renovável, assaz degradador e intimamente ligado à questão da produção enérgica ensejadora de queima de combustíveis fósseis que contribuem para o efeito estufa.

    Lembramos que países como Estados Unidos e Inglaterra têm seu judiciário alicerçado em outra corrente cultural jurídica conhecida como Common Law. O primeiro nada trata de questão ambiental em sua Carta Constitucional escrita e rígida [ 14 ]. O segundo não possui sequer uma constituição escrita.

    Ordenado cronologicamente, discorreremos primeiro sobre a Coréia do Sul. Seu artigo 35, da Carta de 1948, garante a todos cidadãos um meio ambiente saudável e prazeroso, conjuntamente ao dever de esforço de todos na proteção do ambiente; sobremais estatui a política ambiental ser balizada pela lei.

    Em 1958, a França, apenas dispõe em seu artigo 34 dentro de um rol de princípios, que a lei determina os princípios fundamentais da preservação ambiental. Já Portugal, em 1976, pouco tempo decorrido da Revolução dos Cravos de 1974, e, também, após a Declaração de Estocolmo de 1972, regulou, de forma sobremaneira aprofundada comparativamente às duas primeiras Cartas Constitucionais, a questão ambiental.

    Em seu em seu artigo 9o., como tarefa fundamental do Estado, dispõe a promoção e efetivação dos direitos ambientais através da modernização das estruturas econômico-sociais. Outrossim busca a proteção e defesa do patrimônio cultural, da natureza e do ambiente. Seguindo em seu artigo 52, a Carta Portuguesa faculta a todos o direito de petição e de ação popular para promoção da prevenção atentatória à preservação ambiental, bem como o patrimônio cultural. O artigo 66, predica o direito a um ambiente de vida humano, sadio e equilibrado, conjugadamente com o dever de todos o defenderem. Inserto neste mesmo artigo, a carta pormenoriza as frentes de atuação do Estado garantidoras de um desenvolvimento sustentável, entre outros: criação de reservas e parques naturais, promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais considerando a capacidade de renovação e estabilidade ecológica, promoção da educação ambiental, por fim, visa assegurar uma política fiscal compatível com a proteção do ambiente. É uma das primeiras, senão a primeira Carta Constitucional a tratar do respeito ao princípio da solidariedade entre gerações, i.e., ainda que a geração vindoura exista somente no futuro, ela já se comunica com a presente.

    A Espanha, em 1978, de forma mais lacônica, pauta, em seu artigo 45, o direito de todos ao desfrute de um meio ambiente adequado ao desenvolvimento da pessoa e seu dever de conservação. O conteúdo do mesmo artigo prescreve o zelo dos poderes públicos com a utilização racional dos recursos naturais como fim de proteger e melhorar a qualidade de vida. Em seu capítulo terceiro, inserto no artigo 148, discorre sobre as competências que podem ser assumidas pelas Comunidades Autônomas, coadunando o aproveitamento florestal e a gestão ambiental. Por fim, no artigo 149 é traçada a competência legislativa entre o Estado e as Comunidades Autônomas.

    O Brasil, em 1988, já em seu artigo 5o. , LXXIII, trata da ação popular como ferramenta garantidora legítima ao cidadão a fim de anular ato lesivo ao meio ambiente. Mais adiante no artigo 20, II, taxativamente expõe como bens da União as terras devolutas indispensáveis à preservação ambiental. No artigo 23, a Carta aduz, como competência comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a proteção do meio ambiente combinada com preservação da flora, fauna e florestas. Do mesmo modo, continua no artigo 24 a tratar de competência, todavia fala-se da competência legislativa entre os entes federativos acima, excetuando-se os Municípios. No artigo 129, dentro das funções do Ministério Público, estatui a promoção do inquérito civil e ação civil pública com a finalidade de resguardo do meio ambiente. No artigo 170, estabelece, como um dos princípios da ordem econômica, a defesa do meio ambiente, ainda incluso tratamento díspar conforme o impacto ambiental dos produtos ou serviços.

    Mais adiante, o disposto no artigo 174 regula a organização do garimpo considerando-se a proteção do meio ambiente. No artigo 216, é constituído como patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, incluindo-se os sítios de valor ecológico. Por fim, a Carta Brasileira dedica um capítulo inteiro ao meio ambiente, sendo dele integrante o prolixo artigo 225. Inserto nele está a garantia ao direito que todos têm ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como a também a imposição do dever ao poder público da sua defesa e preservação para as futuras gerações.

    Em seu § 1o., há as incumbências e atribuições do poder público essenciais à efetividade do direito descrito no caput do artigo. Entre eles: definição dos espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; exigência de estudo de impacto ambiental quando da potencialidade ensejadora de danos ambientais de alguma atividade; controle de produção das substâncias danosas ao meio ambiente; promoção de educação ambiental; proteção da fauna e flora com a conseqüente vedação de práticas gravosas às suas respectivas funções ecológicas. Em seu § 2o. , traça-se a responsabilidade civil daquele que explora os recursos minerais, compelindo-o à recuperação ambiental quando do ocasionamento de qualquer degradação. Em seu § 3o., também colima, ainda no âmbito da degradação ambiental provocada pelas condutas lesivas, consignar a sujeição dos infratores às sanções penais e administrativas. Em seu § 4o., consigna o rol de matas a serem reputadas como patrimônio nacional, cuja exploração deve ser feita em acordo com a lei de forma a se garantir a preservação do meio ambiente.

    A Carta Constitucional de 1992 da Arábia Saudita, da mesma forma sucinta que o primeiro país aqui exposto, em seu artigo 32, regula que o Estado trabalha para a preservação, proteção e melhora do meio ambiente, e a prevenção contra poluição. A Rússia pós comunista, na Carta de 1993, declina no artigo 36, ser a posse, uso e gerenciamento da terra e outros recursos naturais, livremente exercida pelos próprios proprietários, contanto que não cause dano ao meio ambiente. Segue em seu artigo 42, asseverando que todos terão o direito ao meio ambiente favorável, e a informação confiável sobre a condição e indenização do dano causado à saúde ou propriedade.

    A Constituição Argentina de 1994, em seu artigo 41 , dispõe que todos gozam do direito saudável, equilibrado, apto para o desenvolvimento humano, bem como que as atividades produtivas satisfaçam as necessidades atuais sem comprometer as gerações futuras, juntamente com o dever de todos em preservá-lo. Prega, ainda, a obrigação de indenizar segundo a lei quando da ocorrência do dano ambiental. No mesmo dispositivo descreve-se provida pelas autoridades, sobre a utilização racional dos recursos naturais, a preservação do patrimônio natural, cultural, diversidade biológica, a informação e educação ambientais. Apresenta os ditames a serem apresentados pela União no quesito pressuposto mínimo de proteção, cabendo por consegüinte às províncias legislar aquelas normas necessárias à sua complementação. No ocaso deste artigo, há a proibição de ingresso no território argentino de resíduos potencialmente perigosos ou radioativos.

    No artigo 43, é assegurado a toda pessoa o direito à interposição de ação contra os atos ou omissões das autoridades públicas ou particulares atentatórios aos direitos e garantias reconhecidos pela Constituição , tratado ou lei, como também contra qualquer direito que protege o meio ambiente.

    A Bélgica, em 1994 também promulgou sua Constituição , sendo o meio ambiente tratado sucintamente em seu artigo 23 . Nele garante-se a cada um o direito de levar uma vida conforme a dignidade humana, sendo um dos direitos compreendidos o direito à proteção de um meio ambiente saudável.

    Por fim, a Suíça, em 1999, promulgou sua Carta Constitucional dando notável atenção à problemática ambiental em toda sua seção 4 (meio ambiente e manejo do solo). No artigo 73 é pautado o desenvolvimento sustentável, através do qual a Confederação trabalha para o estabelecimento de um equilíbrio durável entre a natureza, particularmente sua capacidade de renovação e sua utilização pelo homem. No artigo 74 é corroborada a proteção do meio ambiente, pois a Confederação legifera sobre a proteção dos seres humanos e de seu meio ambiente natural contra todos atentados nocivos e incômodos. No artigo 75, dispõe sobre o manejo do solo, sendo fixados os princípios a ele aplicáveis. Já no dispositivo 76, a água é o escopo de discussão, seguido pelo artigo 77 pautando as florestas, o artigo 78 discorrendo sobre a proteção da natureza e do patrimônio, o artigo 79 tratando da pesca e caça, e, por fim, encerrando a seção 4 com os ditames do artigo 80, o qual regula a proteção dos animais.

    Por ora, ficou patente, dentre as Cartas Constitucionais analisadas, ser a Declaração de Estocolmo de 1972 um março norteador para os legisladores dos Estados Soberanos. Destarte, há a possibilidade de asseverarmos o movimento à causa ambiental dar-se no sentido externo rumo ao interno, melhor dizendo, deu-se "de fora para dentro dos países".

    6. CONCLUSÕES

    Nem todos tratados celebrados pelo Brasil revelam efetiva preocupação com o meio ambiente. Existem interesses estratégico-econômico-político-militares por trás da ativa participação brasileira nas discussões internacionais, fazendo-nos indagar o sentido dos esforços diplomáticos brasileiros;

    Há dissonância entre a diplomacia brasileira e a ordem interna, dado ao fato do delongado processo entre a celebração de um ato internacional e o seu respectivo ingresso no ordenamento jurídico brasileiro; Ve-se a presença, nas Constituições como de Portugal e Argentina, bem como no ordenamento jurídico brasileiro, tanto no âmbito das leis, como na Constituição , de alguns dos princípios contemplados nas Declarações de Estocolmo e do Rio, como por exemplo a preservação para benefício das gerações futuras;

    Podemos asseverar ser o movimento à causa ambiental no sentido externo rumo ao interno, melhor dizendo, deu-se "de fora para dentro nações".

    BIBLIOGRAFIA

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    BRASÍLIA (DF). Palácio do Planalto. Subchefia para assuntos jurídicos. Constituições e legislações, Brasília. 2007. Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/legislacao/. Acesso em: 13 abr.2007

    1. Soares, Guido Fernando Silva; Direito Internacional do Meio Ambiente. São Paulo, 1a.ed, Atlas, 2001, p.45

    2. Kiss, Alexandre; Direito Internacional do Ambiente. Lisboa, 1a.ed, Centro de Estudos Judiciários, 1996, p.16

    3. Benjamin, Antônio Herman. Objetivos do Direito Ambiental. In: 5o. Congresso Internacional de Direito Ambiental, 2001, São Paulo. O futuro do controle da poluição e da implementação ambiental. São Paulo: Imprensa Oficial, 2001, p. 57-78

    4. Soares, Guido Fernando Silva; Direito Internacional do Meio Ambiente. São Paulo, 1a.ed, Atlas, 2001, p.39

    5. Kiss, Alexandre; Direito Internacional do Ambiente. Lisboa, 1a.ed, Centro de Estudos Judiciários, 1996, p.4 e 5

    6. Kiss, Alexandre; Direito Internacional do Ambiente. Lisboa, 1a.ed, Centro de Estudos Judiciários, 1996, p.7

    7. Kiss, Alexandre; Direito Internacional do Ambiente. Lisboa, 1a.ed, Centro de Estudos Judiciários, 1996, p.11

    8. http://www.atlasnet.com.br/guidosoares/ e http://www2.mre.gov.br/dai/quadros.htm

    9. Savini. Marcos. Dos punhos de renda ao realismo. Primeira Leitura, São Paulo, ano 1, n. 4, p. 96-97, junho 2002.

    10. http://www.presidencia.gov.br/legislacao/

    11. Ribas, Luiz César; A problemática ambiental. Leme, 1a.ed, Editora de Direito, 1999, p.233 a 242

    12. Santos, Márcia Gomes dos. Fundamentos de Direito Ambiental. In: Administração e controle da qualidade ambiental. Votuporanga, junho 2001, p. 55

    13. http://www.presidencia.gov.br/legislacao/

    14. Soares, Guido Fernando Silva; Common Law, Introdução ao Direito dos EUA. São Paulo, 2a.ed, RT, 2000, p.15 e 25)

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