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4 de Maio de 2024

A ação monitória contra a fazenda pública

Alterações legislativas que legitimaram o seu cabimento

Publicado por Fernanda Michel
há 2 anos

Cediço que, anteriormente à publicação do Código de processo civil de 2015, muito se debateu acerca do cabimento de ação monitória em face da Fazenda Pública, chegando a ser editada a súmula 399, pelo E. STJ, que previa expressamente o cabimento da referida ação contra a Fazenda Pública.

Pois bem, à época, juristas de renome como Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, J. E. Carreira Alvim, Sérgio Bermudes, entre outros, advogavam a admissibilidade da monitória contra a Fazenda.

Outra corrente, formada por não menos destacados processualistas como Humberto Theodoro Júnior, Ernani Fidelis dos Santos, José Rogério Cruz e Tucci, Vicente Greco Filho, além de outros, entendem-na incabível em face da Fazenda Pública. 1

Os argumentos trazidos, naquele momento, os quais embasariam a tese do não cabimento da ação em face da Fazenda Pública, seriam, em breves linhas, os seguintes:

1. Em não havendo a apresentação de embargos pelo devedor – no caso, a Fazenda Pública - seria constituído de pleno direito o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo. O mesmo ocorrendo quando os embargos fossem interpostos fora do prazo.

Ou seja, considerando-se a legislação então vigente, o mandado de citação se converteria, pleno jure, sem maiores formalidades, em título executivo, sem que fosse proferida sentença de mérito, transformando-se em coisa julgada material, caso a Fazenda não apresentasse embargos – ou os apresentasse fora do prazo.

Neste caso, portanto, haveria a formação de título executivo contra a Fazenda Pública sem haver uma sentença, ferindo, assim, disposição constitucional, eis que há previsão expressa de que a obrigação de pagar pelas Fazendas decorre de sentença judicial.

Vejamos:

Art. 100.Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (grifo nosso).

Assim, levando-se em conta a possibilidade de formação de título executivo, na ação monitória, sem sentença, pela simples conversão de pleno direito do mandado de pagamento ou entrega, seria inadequado esse procedimento nas ações movidas contra a Fazenda.

2. Ausência de reexame necessário, eis que, conforme esclarecido anteriormente, inexiste uma sentença – há a constituição de título executivo ante a inércia do devedor – assim, não abre-se a possibilidade de interposição de apelação, o que afrontaria o princípio do reexame necessário a que estão sujeitas as decisões proferidas em detrimento da coisa pública.

3. Por fim, porém não menos importante, a aplicação dos efeitos da revelia, ou seja, a confissão ficta, não poderia ser apicada à Fazenda Pública. Assim, a regra de que, não interpostos embargos no prazo legal, há confissão ficta da obrigação, convertendo-se o mandado inicial de pagamento em título executivo descaberia com relação à Fazenda, eis que o Direito do estado é indisponível.

Destarte, não faria sentido aplicar-se o dispositivo que previa a confissão ficta da obrigação quando da não oposição de embargos à ação monitória, em desfavor da Fazenda Pública.

Pois bem, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, muitas destas questões foram resolvidas, até mesmo porque o documento manifestou o cabimento da ação monitória contra a Fazenda Pública:

Art. 700 A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz:
(…)
§ 6º É admissível ação monitória em face da Fazenda Pública.

Porém, cabe analisar, ainda, se a nova legislação trouxe as soluções necessárias às questões anteriormente postas, com relação à possibilidade de a ação monitória ser proposta em desfavor da Fazenda Pública.

Contra a possibilidade de formação de título executivo, na ação monitória, sem sentença, pela simples conversão de pleno direito do mandado de pagamento ou entrega, a solução dada pela jurisprudência e pela doutrina utiliza-se de analogia com os dispositivos presentes no capítulo de processo de execução (art. 910, CPC) e de cumprimento de sentença (art. 535, CPC) em face da Fazenda Pública.

Ora, se as normas processuais que regem a tutela executiva contra a Fazenda Pública preveem que esta não será intimada para pagar, mas sim citada e intimada para apresentar sua defesa - embargos à execução ou impugnação ao cumprimento de sentença – por simetria aplica-se a mesma regra à tutela monitória.

Ensina a professora América Cardoso Barreto Lima Nejaim 2:

De tal modo, se essa prerrogativa processual foi concedida para a Fazenda Pública quando estiver no polo passivo de uma execução, quanto mais numa ação monitória, em que a prova que a fundamenta pode não ter a eficácia executiva e o mandado monitório passa apenas por uma cognição sumária de verossimilhança da existência do direito de crédito.
Portanto, pela interpretação sistemática de tais arts. e pela redação do art. 701, § 4º, é razoável entender que a citação do ente público não será diretamente para pagar, mas para apresentar, querendo, os embargos monitórios8. Com isso, a eficácia do mandado monitório ficará suspensa, aguardando o escoamento do prazo de 30 dias para a Fazenda Pública embargar, aplicando-se a prerrogativa do prazo em dobro previsto no art. 183, CPC.”

De outra banda, o código de Processo Civil de 2015 prevê que se a Fazenda Pública for intimada através de mandado monitório e não embargar, o juízo deverá proceder a remessa necessária ao órgão ad quem 3, nos termos do § 4ºdo artigoo nº 701 do NCPC.

Ou seja,

(...) Se a ação monitória for proposta contra a Fazenda Pública e esta não apresentar embargos, não pode converter o mandado monitório em executivo por inércia do réu (art. 701, § 2º), pois, nesse caso, deve o juiz proferir decisão de procedência da demanda monitória, que ficará sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 701, § 4º). Somente se a decisão for confirmada pelo Tribunal é que o credor poderá executá-la na forma do cumprimento de sentença”.

Assim, inexiste afronta ao regime de remessa necessária, positivado no artigo nº 496 do referido diploma legal.

Cabe destacar a abrangência desta regra, que deve ser interpretada de maneira ampla, como nos ensina a professora América Cardoso Barreto Lima Nejaim:

(…) a aplicação da remessa necessária não poderá ficar restrita somente quando houver omissão da Fazenda Pública. A interpretação deve ser ampla, observando-se o conteúdo do art. 496, do CPC. Se o ente público for réu da ação monitória e apresentar os embargos monitórios, caso sejam esses julgados improcedentes, a sentença que lhe for desfavorável deverá ser objeto da remessa necessária, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 496, caput, II, CPC. O mesmo entendimento deve ser visto quando a Fazenda Pública for parte autora e o réu apresentar embargos monitórios. Se os embargos forem julgados procedentes, o resultado impedirá que o ente público obtenha a efetividade do seu direito de crédito, aplicando-se a redação do art. 496, caput, I, CPC10”.

Neste contexto, resta evidente que não são aplicados contra a Fazenda Pública, eis que, em não sendo opostos os embargos pela Fazenda Pública, a sistemática trazida pela nova legislação é a da remessa necessária. Assim não opera-se a revelia da Fazenda, nem mesmo subtrai-se o duplo grau de jurisdição.

Conclusão

Conclui-se, portanto, que o Código de Processo de 2015 sofreu essenciais alterações a fim de sanar os debates acerca do cabimento da Ação Monitória contra a Fazenda Pública, promovendo as adequações necessárias para a legitimação deste procedimento.

Referências

1 https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/312/acaomonitoria.pdf?sequence=10&isAllowed=y acesso em 30/04/2022

2 https://www.migalhas.com.br/coluna/elas-no-processo/364870/a-ação-monitoriaea-fazenda-pública-sob-...

3 Código de Processo Civil de 2015 artigo nº 701 § 4º

4 DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 20. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017. p.904.

5 https://www.migalhas.com.br/coluna/elas-no-processo/364870/a-ação-monitoriaea-fazenda-pública-sob-...

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1 Comentário

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A autora utilizou uma linha robusta e pragmática quanto aos empecilhos que restaram superados com os ditames do novel CPC e a afirmação sumular 399, anteriormente redigida pela Corte de uniformização das normas federais, tornando a ação monitório um instrumento desburocratizador do direito processual administrativo.
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