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4 de Maio de 2024

A cessão temporária do útero e a Dignidade da Pessoa Humana

Publicado por Karina Alamino Alves
há 9 anos

RESUMO

A cessão temporária do útero ocorre quando uma mulher é inseminada artificialmente, ou recebe embriões transferidos, sabendo que a criança gerada será criada pelas pessoas que propuseram o procedimento. No Brasil, a única disposição que trata do assunto é a resolução 2.013/13, do CFM - Conselho Federal de Medicina. Essa resolução dispõe que a barriga de aluguel só é permitida desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação da doadora genética. A mesma resolução prevê, ainda, que a cessão temporária do útero não deve ter finalidade lucrativa ou comercial e determina que as doadoras temporárias devam pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau, respeitando-se a idade limite de até 50 anos.

Palavras-chave: reprodução, útero e dignidade.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo investigar a Reprodução Humana Assistida, realizada através da cessão temporária do útero, e relaciona-la ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

A Constituição Federal traz, em seu art. , a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito.

A busca por técnicas terapêuticas contra a infertilidade é cada vez mais frequente, e corresponde a um desejo perseverante do casal infértil, mantida pela evolução científica e pelo interesse dos médicos motivados pelos progressos. Ocorre que, na maioria das vezes, as mães de substituição aparecem como o último recurso quando os demais tratamentos já experimentados fracassara­m.

O empréstimo do útero permeia duas hipóteses diferentes: a mãe portadora (aquela que apenas empresta seu útero, no qual se transfere um ou vários embriões obtidos por meio da fecundação in vitro dos óvulos e dos espermatozoides do casal solicitante) e a mãe de substituição, que, além de emprestar seu útero, fornece igualmente seus óvulos, sendo, portanto, uma mulher fértil que será inseminada com o esperma do marido da mulher que não pode conceber.

Por isso, é importante identificar a tendência mundial frente à problemática, pendendo à proibição ou aceitação da prática, uma vez que a questão não é somente jurídica, mas também ética, envolvendo, inclusive, aspectos relacionados à dignidade da pessoa humana.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Da maternidade substitutiva na reprodução assistida e a necessidade de sua regulamentação jurídica

A maternidade por substituição ocorre quando uma mulher é inseminada artificialmente, ou recebe embriões transferidos, sabendo, desde o início, que a criança gerada será criada pelas pessoas que propuseram o procedimento.

Assim, durante o período gestacional, a mãe de substituição carregará em seu ventre uma criança para outra mulher e, ao final da gravidez, entregará o bebê àquela que solicitou o procedimento.

Duas técnicas são mais utilizadas para inseminação por cessão do útero: a primeira ocorre quando a mulher é capaz de produzir óvulos, mas não possui útero ou a gravidez lhe apresenta riscos. Nesta hipótese, é retirado material genético tanto do homem (pai) quanto da mulher (mãe), e depositado nas trompas da mãe de aluguel. Já na segunda hipótese, a mãe de substituição fornece também os óvulos, além do útero.

Assim, se a mulher solicitante forneceu o óvulo, será mãe genética; se foi a mãe de substituição quem forneceu também o óvulo, será mãe genética e geradora, ao mesmo tempo. O pai genético ou biológico, por sua vez, pode ser o marido ou companheiro da mulher solicitante, bem como um doador anônimo.

Diversos estudos apontam que as possíveis causas necessárias para adotar a técnica da mãe de substituição são a infertilidade vinculada a uma ausência (congênita ou adquirida) de útero ou contra indicações médicas a uma eventual gravidez.

Uma das primeiras notícias de realização dessa técnica ocorreu nos Estados Unidos, no Texas, em 1980. O casal Andy e Nancy, da Califórnia, desejava ter um filho, mas não conseguia. Souberam que a senhora Carol Pavek, que era casada, aceitava realizar este tipo de procedimento, e contataram-na para gerar seu bebê.

O embrião foi fecundado in vitro, com sêmen de Andy, utilizando-se apenas uma seringa. O procedimento foi realizado na casa de Carol, e após o nascimento, a criança foi entregue ao casal.

Mais tarde, em 1988, na cidade de New Jersey, nos Estados Unidos, ocorreu o famoso caso do “Baby M” – um casal, Sr. E Sra. Stern, contratou a Sra. Whitehead, casada com um enfermeiro e mãe de duas crianças, pagando-lhe um valor correspondente à dez mil dólares mais despesas diversas para que ela gestasse em seu útero o filho do casal Stern.

Entretanto, após o nascimento da criança, o instinto materno da Sra. Whitehead falou mais alto, e ela recusou-se a entregar a criança, levando o caso a julgamento. O juiz Sorkow concedeu a guarda ao Sr. E Sra. Stern e, em sua sentença, utilizou-se de duas fundamentações: validade do contrato de “locação de útero” estabelecido entre as partes e melhor interesse da criança com melhores condições para sustento e educação do menor.

Houve, a partir daí, uma verdadeira revolução na biogenética, representando a possibilidade de trazer soluções para um antigo problema, o de não ter filhos.

Explica a Dra. Mariângela Badalotti, do Centro de Medicina Reprodutiva – FERTILITAT, localizado no Hospital São Lucas da PUCRS, que há três “normas” básicas para realização de um procedimento de Reprodução Assistida, neste caso, da Maternidade Substitutiva.

Primeiramente, é necessária uma indicação médica confirmando a impossibilidade de gestar, neste caso, incapacidade física da mulher, a insuficiência ou inexistência de útero.

Além do mais, é preciso que a mãe de substituição não sofra nenhum tipo de coação. Por isso, há uma avaliação emocional de todas as pessoas envolvidas no procedimento.

Por fim, todo o procedimento de Reprodução Humana Assistida deve seguir as normas da Resolução nº 1358/92, do Conselho Federal de Medicina.

No entanto, a Maternidade Substitutiva vem causando grandes polêmicas e dúvidas. Tal técnica tem abalado os institutos jurídicos fundamentais do Estado Democrático de Direito, tais como o Direito Contratual e o Direito de Família.

2.2. A dignidade da pessoa humana como paradigma da ordem jurídica e a cessão temporária do útero

O artigo , III, da Constituição Federal de 1988, traz como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana.

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III – a dignidade da pessoa humana.”

Ocorre que, o conceito de “Dignidade da Pessoa Humana” é extremamente abrangente, o gerando uma enorme dificuldade de se formular um conceito jurídico a respeito.

Para Alexandre de Morais, a dignidade da pessoa humana é “um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, entre outros, aparece como consequência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil”.

De acordo com Regina Fiuza, na obra “O Direito ‘in vitro’, da bioética ao biodireito, a dignidade da pessoa humana consiste na “difícil tarefa de tratá-lo, efetivamente, como pessoa e não como coisa. Tratar alguém como pessoa significa ser capaz de percebê-la e tratá-la como um valor sui generir, que não pode ser avaliado segundo princípios de ordem material ou econômica.”

Ainda, preleciona Maria Helena Diniz “não poderão bioética e biodireito admitir conduta que venha a reduzir a pessoa humana à condição de coisa, retirando dela sua dignidade e o direito a uma vida digna”.

Sob essa perspectiva, a vida humana é um bem indisponível, não podendo ser objeto de comércio. Desta forma, a cessão temporária do útero, realizada através de um contrato de gestação, fere o princípio constitucional mais essencial da pessoa humana: sua dignidade.

Aqueles que condenam a prática da cessão temporária do útero o fazem sob o argumento de que se trata de um tipo de comércio do corpo humano, vedado em ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente no art. 199, § 4º que diz:

“A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.” (grifo nosso)

Para Regina Fiuza, comercializar bebês é um atentado contra a dignidade da pessoa humana, pois estaria rebaixando o ser humano a um objeto ao atribuir-lhe um valor econômico.”

E para Maria Claudia Brauner Crespo, trata-se de uma ofensa à dignidade da mulher, porque tal locação reduz a mulher a mero organismo reprodutor.

Por outro lado, a autora Aline Mignon de Almeida, no que tange a comercialização, entende: [...] no que diz respeito à comercialização do aluguel de útero não fere o principio constitucional da dignidade a pessoa humana, porque o que se paga não é a criança e sim o serviço prestado, uma vez que o direito ao corpo é indisponível, contanto que seja utilizada de maneira normal.

Como se vê, a questão é bastante controversa e gera muitas discussões, tanto jurídicas quanto éticas. O direito brasileiro não possui norma específica a respeito do tema. A única regulamentação é feita pelo Conselho Federal de Medicina.

2.3. Do contrato de gestação

Um grande problema acerca deste tema diz respeito à segurança dos “encomendantes”, em relação à entrega da criança, uma vez que a legislação brasileira prevê, em seus artigos 185 e 104, do Código Civil de 2002, que o objeto de contrato deve ser coisas móveis ou imóveis licitas e possíveis. Considerando que a vida é um direito indisponível, não pode ser comercializável e, portanto, não pode ser objeto de contrato.

Em alguns países, existe a possibilidade de que esta relação possa ter caráter comercial, para assegurar que a criança, ao nascer, não terá contato com a mãe gestacional, assim a “mãe de aluguel” recebe, mediante um contrato, uma remuneração pelo período em que estiver gestando o bebê, além dos gastos extras e tratamento médico.

O Conselho Federal de Medicina orienta que a Maternidade Substitutiva é autorizada desde que a doadora temporária de útero seja da família daquela que não pode gerar o próprio filho, em parentesco até segundo grau, descaracterizando, portanto, a possibilidade de “contrato de útero”, tendo em vista a solidariedade e a relação de afeto existente entre pessoas da mesma família, evitando qualquer possibilidade de interesse lucrativo.

A Resolução nº 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, dispõe em seu artigo 1º, da Seção VII:

Art. 1º: “As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.”

No Brasil, em 2007, houve um caso de Maternidade Substitutiva realizada por parente de até segundo grau, no qual a avó materna, Rosinete Serrão, gestou os “filhos-netos” (gêmeos) para a filha Cláudia Michele, que por alguma deficiência uterina não podia gestá-los. O médico responsável, Dr. Cláudio Ribeiro, realizou tal procedimento em sua clínica, e este caso, cabe salientar, é inédito no mundo, uma vez eu não há registro de gêmeos gerados pela mãe gestacional.

A doutrina admite a cessão temporária de útero quando se tratar de empréstimo sem fins lucrativos, desde que a cedente seja parente até segundo grau, ou seja, mãe, avó, neta ou irmã daquela que deseja o filho, porém, também tem se admitido que as parentes por afinidade, tais como, sogra ou cunhada, cedam o útero.

Em Uberlândia/MG, em 2004, nasce Bianca, filha de Veridiana do Vale Menezes (que nasceu sem útero, mas ovulava normalmente) e Fabiano Sales de Menezes. Devido ao fato da mãe biológica ser impossibilitada de gestar o próprio filho, a sogra (mãe de Fabiano), em um ato de amor e altruísmo, gesta o embrião de seu neto em seu próprio útero.

Como se vê, no Brasil existe a obrigatoriedade de vínculo familiar entre a mãe gestacional e a mãe social, como prevê a Resolução do Conselho Federal de Medicina, nº 1358 de 1992, única diretriz nacional a este respeito. Esta Resolução tem por finalidade manter este procedimento entre pessoas previamente ligadas, ou seja, da mesma família, eliminando a possibilidade de exploração comercial.

Porém, tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei que, se aprovado, passa a trazer a necessidade de se celebrar um pacto de gestação de substituição. De autoria do deputado federal Eleuses Vieira de Paiva, o Projeto de Lei nº 4892/2012 dispõe, através de seis artigos, os parâmetros da utilização desta técnica de reprodução assistida. O projeto inova na matéria e difere de outros projetos apresentados em momento anterior, ao determinar em seu artigo 24 que:

“Em todos os casos indicados, a cessão temporária de útero será formalizada por pacto de gestação de substituição, homologado judicialmente antes do início dos procedimentos médicos de implantação.

Parágrafo único. São nulos os pactos de gestação de substituição sem a devida homologação judicial, considerando-se, nesse caso, a mulher que suportou a gravidez como mãe, para todos os efeitos legais, da criança que vier a nascer (PROJETO DE LEI, 2012).”

Fato é que a discussão sobre a cessão temporária do útero vai muito além dos aspectos jurídicos, envolvendo também questões éticas.

2.4. O Contrato Gestacional Lícito

A licitude do contrato de cessão é defendida por alguns doutrinadores, assim como o caráter oneroso do contrato, ainda que vedado na Resolução nº 2013/2013 do CFM – no pacto gestacional.

A doutrinadora Aline Mignon de Almeida afirma que no contrato de gestação deveriam estar estipuladas as obrigações da mãe de aluguel, e, no caso de quebra de alguma cláusula contratual, os pais biológicos teriam direito a perdas e danos. Com relação ao recebimento de valores monetários durante a vigência do contrato de gravidez de substituição, diz a autora que “A remuneração do útero de aluguel deve conter as despesas com alimentação e vestuário da mulher, assim como conter uma espécie de “indenização” pelo seu desgaste físico [...]. Além disso, o casal contratante deve pagar as despesas médicas, o parto e os eventuais remédios que a mãe de aluguel possa vir tomar durante ou após a gravidez”.

Ainda sobre o pagamento de quantia em dinheiro à mulher que está cedendo seu útero, Maria Berenice Dias entende que é totalmente justificável, ao afirmar: (...) “nada justifica negar a possibilidade de ser remunerada quem, ao fim e ao cabo, presta um serviço a outrem. Aliás, um serviço em tempo integral por longos nove meses e que acarreta dificuldades e limitações de toda ordem.”

Tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro ainda não permite o pagamento pela cessão do útero, a regra a ser seguida é da Resolução do CFM, em que é vedado o caráter oneroso do contrato temporário de cessão do útero.

2.5. Questão da filiação e o Parecer da Corregedoria Geral de Justiça

O direito à filiação, assim como a dignidade da pessoa humana, são considerados direitos fundamentais. Fazendo uma analogia, todos ser humano tem direito à filiação, que nada mais é do que o parentesco consanguíneo que liga uma pessoa àquela que a gerou ou a recebeu como se tivesse gerado.

Então, a questão da filiação nos casos de Reprodução Humana Assistida por cessão temporária do útero é bastante complexa, pois quem será considerada mãe, aquela que gerou o bebê ou aquela que cedeu o óvulo?

Em 2009, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo – CGJ, apresentou o parecer nº 82/201, nos autos do processo nº 2009/104323, em que foi negado pelo Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Barão Geraldo a lavratura de nascimento da criança aos pais biológicos. Neste caso, o bebê foi gerado através de fertilização in vitro em outra mulher que, sem ser a doadora do óvulo, cedeu seu útero para o desenvolvimento do embrião.

O Ministério Público alega que o contrato celebrado entre as partes não supera o princípio da maternidade certa pela gestação e parto, sendo mãe aquela que gerou o bebê, devendo prevalecer os interesses da criança, de forma a assegurar o princípio da dignidade humana.

O Corregedor Permanente, por outro lado, afirma que não há vedação legal para o procedimento de fertilização ‘in vitro’ em terceira pessoa, de modo que aos pais biológicos, isto é, aqueles que forneceram os materiais genéticos, devem ter seus nomes lavrados no registro de nascimento da criança. Até porque, a doadora do útero declarou expressamente, por meio do termo de consentimento de substituição temporária do útero, que não tinha qualquer intenção de assumir a maternidade da criança.

Dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 27, o qual segue ad litteram:

“Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça”.

Desta forma, o conhecimento acerca das próprias origens deve ser amplamente assegurado pelo Estado, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Dito isso, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão transcrito, cujo relator foi o Ministro Maurício Corrêa, asseverou:

o direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz a sua identidade, a origem de sua ancestralidade, o reconhecimento da família, razão pela qual o estado de filiação é direito indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria”.

No caso em comento, o Corregedor, a fim de assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o melhor interesse da criança achou por bem reconhecer como pais aqueles que cederam o material genético.

3. CONCLUSÃO

Diante do exposto, podemos concluir que ainda há muitos tabus e discussões a respeito da cessão temporária do útero à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.

A maternidade por substituição consiste na inseminação artificial de uma mulher por solicitação de outra, sabendo desde o início que ao final da gravidez a criança gerada deverá ser entregue ao casal solicitante.

Para aqueles que condenam esta prática, a cessão temporária do útero contraria o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana por tratar-se de uma comercialização do corpo humano, vedada no ordenamento jurídico brasileiro, já que a vida é um direito indisponível.

Por tratar-se de procedimento de Reprodução Assistida, é necessário observar três critérios básicos para sua realização: indicação médica confirmando a impossibilidade de gestar; que a mãe de substituição não sofra nenhum tipo de coação, e que todo o procedimento siga as normas da Resolução nº 1358/92, do Conselho Federal de Medicina, única norma a respeito do tema.

Através desta resolução, o Conselho Federal de Medicina, buscando a melhor solução para este dilema, autoriza a Maternidade Substitutiva desde que a doadora temporária do útero seja da mesma família daquela que não pode gerar o próprio filho, em parentesco até segundo grau. Entende-se que desta forma o “contrato de útero”, se descaracteriza, tendo em vista a solidariedade e as relações de afeto existentes entre pessoas da mesma família, não havendo qualquer interesse lucrativo.

Apesar do nosso ordenamento jurídico não possuir normas a respeito, a doutrina contemporânea posiciona-se no mesmo sentido do Conselho Federal de Medicina e admite a cessão temporária de útero nas hipóteses em que se tratar de empréstimo sem fins lucrativos, desde que a cedente seja parente até segundo grau da solicitante. Na prática, tem se admitido também que as parentes por afinidade, tais como, sogra ou cunhada, cedam o útero.

Fato é que a discussão sobre a cessão temporária do útero vai muito além dos aspectos jurídicos, envolvendo também questões éticas, sendo o grande desafio do mundo jurídico estimular o desenvolvimento da ciência dentro de suas fronteias humanas e reprimi-lo quando a dignidade da pessoa humana estiver ameaçada.

4. REFERÊNCIAS

ALMEIDA. Aline Mignon. Bioética e Biodireito. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2000.

BRAUNER. Maria Claudia Crespo. Direito. Sexualidade e Reprodução Humana. Rio de janeiro. Renovar.2003.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. P. 379

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Sariava, 2001

MARTINS, Jung Josiane. “A maternidade substitutiva na reprodução assistida e a necessidade de regulamentação jurídica. Disponível em <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2008_2/josiane_jung.pdf acesso em 27.04.15

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2002. P. 129

SAUWEN, Regina Fiuza. O direito ‘ in vitro’: da bioética ou biodireito. São Paulo. Lumen Juris. 2ª edição. 2000

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