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8 de Junho de 2024

A falta da medida administrativa pelo agente de trânsito gera nulidade do auto de infração?

Publicado por Daniel Ladeira Lage
há 3 anos


O objetivo do presente texto é fazer uma análise da falta de aplicação da medida administrativa nas infrações de trânsito, tendo em vista a divergência existente entre os operadores do Direito de Trânsito, se isso anularia ou não o ato administrativo de aplicação de multa.

Para se atingir o objetivo proposto analisaremos a finalidade a ser alcançada pela lei, verificaremos as penalidades e medidas administrativas contidas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), passaremos a uma breve análise do processo administrativo de trânsito, vinculação ou discricionariedade do Auto de Infração de Trânsito e Medida administrativa, citaremos exemplos para elucidar o tema e, por fim, o Princípio da Motivação.

O poder punitivo do Estado advém do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e, consequentemente, do seu Poder de Polícia. Assim, o Direito Administrativo Sancionador, como costuma ser chamado, em nome do interesse público, tem por escopo o bem-estar coletivo. Com o intuito deste bem-estar, a Supremacia do Interesse Público também é conhecida como Princípio da Finalidade Pública.

O Código de Trânsito Brasileiro, por sua vez, reza que o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito. Já o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito explica que ações de fiscalização influenciam diretamente na segurança e fluidez do trânsito e o papel do agente de trânsito é desenvolver atividades voltadas à melhoria da qualidade de vida da população, atuando como facilitador da mobilidade urbana ou rural sustentáveis.

Desse modo, vemos que a finalidade pública detrás dos regramentos de trânsito se baseia na segurança de todos e fluidez do trânsito. Isto posto, para que se atinja esta finalidade a administração pública dispõe de ferramentas como a educação e as penalidades. Assim, as penalidades aplicadas pelo Estado, ante seu poder punitivo, nada mais é do que um meio para se alcançar a finalidade, sendo que, ocorrendo desvios de tal finalidade, a atuação administrativa se torna ilegal.

Dentre as penalidades previstas no Código de Trânsito Brasileiro estão a advertência por escrito, multa, suspensão do direito de dirigir, cassação da Carteira Nacional de Habilitação, cassação da Permissão para Dirigir e frequência obrigatória em curso de reciclagem.

As medidas administrativas, consoante o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, são providências de caráter complementar, exigidas para a regularização de situações infracionais, sendo, em grande parte, de aplicação momentânea, e têm como objetivo prioritário impedir a continuidade da prática infracional, garantindo a proteção à vida e à incolumidade física das pessoas, e não se confundem com penalidades.

Estão previstas no artigo 269 do CTB, sendo elas: I - retenção do veiculo; II - remoção do veículo; III - recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação; IV - recolhimento da Permissão para Dirigir; V - recolhimento do Certificado de Registro; VI - recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual; VII - (VETADO); VIII - transbordo do excesso de carga; IX - realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; X - recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação, restituindo-os aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos. XI - realização de exames de aptidão física, mental, de legislação, de prática de primeiros socorros e de direção veicular.

A controvérsia existente entre os operadores do Direito de Trânsito acontece em relação à vinculação da execução da medida administrativa quando o agente de trânsito está diante do cometimento de uma infração. Assim, paira a dúvida: a ausência de cumprimento da medida administrativa deve invalidar o auto de infração de trânsito?

Para analisarmos tal hesitação, primeiramente cabe esclarecer que a aplicação das penalidades previstas no CTB devem ser precedidas de um processo administrativo, que por óbvio é composto por vários atos administrativos.

A lavratura do Auto de Infração de Trânsito (AIT) é o ato que dá início ao processo de aplicação da punição prevista para a conduta infracional praticada. Ele é um ato vinculado, ou seja, não cabe ao agente de trânsito qualquer margem de subjetividade se deve ou não lavrar o auto de infração de trânsito. Por expressa determinação legal, ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração (CTB - artigo 280).

Da mesma forma, o artigo 269 do mesmo diploma, não dá margem à discricionariedade do agente ao dizer que: “A autoridade de trânsito ou seus agentes (...) “deverá” adotar as medidas administrativas”. Destarte, a palavra “deverá”, impõe uma obrigação, ou seja, uma vinculação na atuação dos agentes.

Todavia, sabe-se que a própria legislação de trânsito pode conter expressões aparentemente contraditórias em seu próprio texto, ou até mesmo inconstitucionais. Devido às aparentes contradições, é que podem surgir as divergências entre aqueles que atuam no Direito de Trânsito, sejam os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito ou os defensores de condutores. Por isso, é oportuno trazer à baila, novamente, a finalidade da norma. Dessa maneira, a medida administrativa como um ato administrativo dentro de um procedimento administrativo, deve ser vista como um meio para se alcançar o escopo da segurança e fluidez do trânsito, contribuindo para a efetiva mudança de comportamento dos usuários da via e propiciando a eficácia da norma jurídica.

Observando-se as aparentes contradições no CTB, o artigo 271, § 9º, diz que não caberá remoção nos casos em que a irregularidade puder ser sanada no local da infração. Assim, mais uma vez o CTB vincula o agente com as palavras “não caberá”. Mas será que este enunciado vincula ou concede discricionariedade ao agente?

Analisando-se alguns artigos do CTB podemos tirar algumas conclusões:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses.

Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - do Código de Trânsito Brasileiro.

Neste caso, teria o agente a opção de deixar de realizar o recolhimento do documento de habilitação sob sua análise da situação em concreta (discricionariedade)? Por óbvio que não poderia, a não ser que o condutor não esteja portando a CNH, sob pena de se questionar o próprio cabimento da lavratura do auto de infração de trânsito, visto que deixar o condutor do veículo com sua CNH permitiria “em tese” que voltaria a dirigir e causar risco à segurança do trânsito.

Também poderia o agente de trânsito deixar de reter o veículo entregando-o para o próprio condutor alcoolizado? Claro que também não! Mais uma vez, vemos que a medida administrativa é um ato vinculado, pois caso libere o veículo para o próprio condutor estará colocando em dúvida a própria necessidade da autuação, visto que não se deve liberar um veículo a um condutor alcoolizado.

Vejamos agora o art. 175. Utilizar-se de veículo para demonstrar ou exibir manobra perigosa, mediante arrancada brusca, derrapagem ou frenagem com deslizamento ou arrastamento de pneus:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (dez vezes), suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo;

Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e remoção do veículo.

À vista disso, o agente tem a opção de deixar de realizar o cumprimento das medidas administrativas? Analisando-se legalmente a situação, o agente só pode deixar de remover o veículo se a irregularidade for sanada no local, conforme dito acima. Cabe observar que existe uma imposição legal diante do termo “não caberá”, por isso o agente não pode remover o veículo caso a infração seja reparada, ou seja, deve realizar a aplicação da norma ao caso em concreto não havendo discricionariedade quanto à conveniência e oportunidade da remoção.

O recolhimento do documento de habilitação também é necessário, pois, do contrário, não se estará atingindo a finalidade da norma que é a segurança no trânsito.

Isto posto, a maior certeza que temos, é que sendo possível ou não a realização das medidas administrativas, o agente de trânsito deve descrever no campo de observações do AIT toda a situação ocorrida, atendendo o Princípio da Motivação dos atos administrativos, principalmente se deixar de cumprir a medida administrativa, sob pena de invalidade do auto de infração de trânsito.

A motivação dos atos administrativos é a demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram, já que, para punir, a administração deve demonstrar a prática da infração. A motivação já foi objeto de debate se deveria ser aplicada apenas nos atos discricionários ou se deveria também ser realizada nos atos vinculados.

Para a professora Maria Silvia Zanella Di Pietro, o Princípio da Motivação

“está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.” (DI PIETRO, Marya Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed. Atlas, 2006, p. 97)

Assim, quando o agente de trânsito deixa de motivar o ato por meio do campo de observações, ele está colocando em dúvida a legalidade de seu ato, impedindo que tanto a autoridade de trânsito quanto o administrado tenham meios para conhecer e controlar a legitimidade dos motivos que levaram o agente a aplicar ou deixar de aplicar a medida administrativa.

O Princípio da Motivação está insculpido na Constituição Paulista de 1989 e também na Lei que regulamenta o processo administrativo federal (Lei 9.784/99). Esta, por sua vez, antevê tal princípio em seu artigo 2º e, em seu artigo 50, assinala as hipóteses nas quais a motivação é obrigatória, dentre elas, a imposição ou agravamento de deveres, encargos e sansões.

Por derradeiro, podemos concluir que por expressa determinação legal, a medida administrativa é um ato vinculado só podendo o agente deixar de aplicá-la quando autorizado pela própria lei, ou então, na impossibilidade de fazê-la, sempre com objetivo de atender a finalidade da norma, sob pena de nulidade. Da mesma forma, independentemente de ser um ato vinculado ou discricionário, o agente de trânsito deve esclarecer a situação observada no campo de observações do Auto de Infração Trânsito, sob pena de violação do Princípio da Motivação, tornando o ato nulo. Além disso, a medida administrativa, como parte do processo administrativo de imposição de multa é capaz de anular todo o processo caso não seja devidamente observada.

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4 Comentários

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Allan Aguiar Cruz
2 anos atrás

Boa tarde excelente artigo muito esclarecedor!!!!Caso saibam né respondam: Pode o agente de trânsito fazer verificação do chassi de uma moto parada em seguida liberar e mesmo assim multar por falta de capacete e contramão?....Pode esse mesmo agente arquivar os dados desse veículo para multas futuras por ele mesmo ou por outros agentes? continuar lendo

Thiago Barbosa
7 meses atrás

Excelente conteúdo!!!! Pode me tirar uma dúvida??? Pode um agente da autoridade de trânsito realizar alguma medida administrativa mas sem fazer a autuação??? Por exemplo: Remover a moto sem preencher o AIT? continuar lendo

Excelente artigo, muito didático! Sou pós-graduando em Direito de Trânsito pela Faculdade Legale seu artigo esclareceu minhas dúvidas. Obrigado! continuar lendo

Daniel Ladeira Lage
3 anos atrás

Obrigado pelo feedback. Abraço. continuar lendo