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16 de Maio de 2024

A ilegalidade da emissão unilateral do TOI na acusação de desvio de energia elétrica

Publicado por Del Rey Advocacia
há 3 anos

A grande maioria das pessoas já ouviu falar no famoso “gato” de energia elétrica; no entanto, pouco se sabe a respeito do que a concessionária pode ou não fazer ao constatar tal irregularidade no medidor de seus consumidores.

Primeiramente, necessário esclarecer que, juridicamente, o afamado “gato”, na verdade, configura crime de furto, conforme artigo 155 § 3º do Código Penal – com pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa – [1], tendo em vista que o referido diploma equipara a energia elétrica à coisa móvel.

Dito isso, ao se deparar com um desvio de energia elétrica, a concessionária deve proceder da seguinte forma [2]:

  1. Emitir o TOI, que nada mais é do que o Termo de Ocorrência de Irregularidade, com base no artigo 129, inciso I, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL, na presença do consumidor, que deve acompanhar e estar ciente das supostas irregularidades encontradas na inspeção;
  2. Realizar a perícia, atendendo os princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo que o consumidor, caso não concorde com a lavratura do TOI, pode requerer da concessionária uma perícia técnica por terceiro no medidor e demais equipamentos e, caso comprovada a adulteração, após notificação pessoal, se dá a constituição do devedor em mora;
  3. Registrar ocorrência policial, para fins de investigação pela autoridade policial, uma vez que se trata de um crime. [3]

Ocorre que, ao contrário do que seria correto nessa situação, na grande maioria das vezes, as concessionárias de energia elétrica agem de forma arbitrária e ilegal, impossibilitando o contraditório e ampla defesa dos consumidores, além de não respeitar o princípio da transparência e de exercer um poder que não lhe pertence por suas próprias características: o poder de polícia.

Basicamente, o que se vê na prática é a emissão do Termo de Ocorrência de Irregularidade de forma unilateral, ou seja, sem a presença do consumidor. Ademais, ato continuo, há a aplicação de multa com base em uma obscura média de consumo do que não teria sido contabilizado – tal encargo, muitas vezes, imposto diretamente na conta de energia, impedindo o consumidor de sequer pagar o consumo real de energia elétrica e contestar depois a penalidade. E mais, caso o consumidor não pague a multa, é bem possível que tenha sua energia elétrica cortada nos meses subsequentes.

Tais condutas são manifestamente ilegais e descabidas, visto que o TOI, quando realizado de forma unilateral e sem os requisitos legais, não permite, no momento de sua lavratura, que o consumidor realize a contraprova da irregularidade que lhe é imputada. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos (tema 699), fixou a seguinte tese, relativa aos casos de fraude do medidor pelo consumidor:

[...] na hipótese de débito estrito de recuperação de consumo efetivo por fraude no medidor atribuída ao consumidor, desde que apurado em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é possível o corte administrativo do fornecimento de energia elétrica, mediante prévio aviso ao consumidor, pelo inadimplemento do consumo recuperado correspondente ao período de 90 dias anterior à constatação da fraude, contanto que seja executado o corte em até 90 dias após o vencimento do débito, sem prejuízo do direito de a concessionária utilizar os meios judiciais ordinários de cobrança da dívida, inclusive antecedente aos mencionados 90 dias de retroação. [4] (Grifos nossos)

Não se trata, portanto, de isentar o consumidor do crime de fraude no medidor de energia elétrica dos prejuízos de sua atitude, mas sim de oportuniza-lo o contraditório, à ampla defesa ou à transparência, inerentes às relações de consumo.

Ainda segundo o entendimento do STJ, não se pode presumir que a autoria da fraude no medidor seja do consumidor em razão somente de considerá-lo depositário de tal aparelho e por este situar-se à margem de sua casa. Haja vista que não há espaço para presumir a má-fé do consumidor em fraudar o medidor, princípio comezinho do direito que a boa-fé se presume, a má-fé se prova. [5]

Destarte, é da concessionária de energia elétrica o dever de comprovar a fraude no medidor, respeitando todos os requisitos legais e direitos do consumidor, pois o TOI deficiente é insuficiente para embasar a alegação, bem como a multa, a suspensão de energia e tampouco a condenação do crime de furto. Ora, como dito anteriormente, a concessionaria não possui poder de polícia para, unilateralmente e a seu contento, impor cobrança sem o devido processo, com vistas a apurar a possível fraude por parte do consumidor.

Ademais, o consumidor que for acusado de desvio de energia elétrica, deve reunir todas as faturas de energia anteriores e posteriores ao TOI para ser feita uma comparação de consumo mensal de energia, não havendo uma grande alteração no consumo mensal, resta evidente que a acusação foi feita de forma precipitada.

Sendo assim, é importante frisar que, uma vez constatado pelo consumidor que teve seus direitos tolhidos, este poderá ingressar com uma ação judicial requerendo: a anulação do TOI; cancelamento da multa que lhe foi imposta pela concessionária; caso já tenha pago a multa, solicitar a devolução, simples ou em dobro; e indenização por danos morais.

No que tange a indenização por danos morais, seria cabível pelo fato de a concessionária ter atribuído ao consumidor a prática de um crime, o que pode manchar sua honra na comunidade onde reside. Além disso, acaba por vivenciar uma situação de extremo desgaste para provar sua inocência, podendo até mesmo ter a sua energia elétrica cortado se não dispor de fundos para arcar com o pagamento da multa.

Além disso, teria que recorrer, inclusive, aos serviços de um advogado, tendo mais gastos e transtornos, visto que a via judicial seria a única maneira de anular a prática ilegal da empresa, ou seja, ocorreria a judicialização como única forma de se resolver o impasse. Se aplicaria, ainda, a teoria do desvio produtivo, a perda de tempo útil, criada pelo advogado Marcos Dessaune, tese que vem sendo reiteradamente acatada pelos tribunais pátrios.

Dito disso, é importante que tenhamos consumidores cada vez mais conscientes para lidar com empresas cada vez mais lesivas. Não obstante a isso, caso tal fato ocorra, é imprescindível a presença de um advogado especialista para auxiliar o consumidor e guia-lo para o melhor caminho: a defesa dos seus direitos.


NOTAS

[1] Art. 155 § 3º do Código Penal.

[2] Art. 129, da Resolução Normativa ANEEL nº 4144/2010.

[3] 1645163-37.2011.8.19.0004 - APELAÇÃO - 1ª Ementa Des (a). MARIO ASSIS GONÇALVES - Julgamento: 22/03/2017 - TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

[4] STJ - REsp 1412433/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, Julgamento: 25/04/2018, Data de publicação: DJe 28/09/2018

[5] STJ - REsp: 1135661 RS 2009/0070734-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/11/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2011


REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm/>. Acesso em: 16 de mar. de 2021.

CAPEZ, Fernando. Código Penal comentado - 7. ed. - São Paulo: Saraiva, 2016.

DESSAUNE, Marcos. Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor: um panorama. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. RT, set.-out. 2018

Resolução normativa ANEEL. nº 414/2010 de 09 de setembro de 2010. Disponível em <http://www.aneel.gov.br/cedoc/ren2010414.pdf>.Acesso em: 16 de mar de 2021.

STJ - REsp 1412433/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, Julgamento: 25/04/2018, Data de publicação: DJe 28/09/2018

STJ - REsp: 1135661 RS 2009/0070734-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/11/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/02/2011

TJ-RJ - 1645163-37.2011.8.19.0004 - APELAÇÃO - 1ª Ementa Des (a). MARIO ASSIS GONÇALVES - Julgamento: 22/03/2017 - TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

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4 Comentários

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A premissa da inocência foi abandonada. A LIGHT compareceu ao meu imóvel, com atitude de "roubo de energia". Acontece que durante a pandemia minha empregada doméstica fica 15 dias em casa e trabalha 15; a filha dela ficou em quarentena com o namorado em Queimados; meu marido morreu. Ora se o consumo não diminui com todos estes fatos eu estaria mantendo todas as lampas acesas, colocando máquinas para funcionar sem razão, entre outras loucuras. Ser tratada como "ladra"e ter que explicar tudo isto acima é um tremendo constrangimento.
Vieram sem avisar. Abordagem "policial". Um horror.
Em tempo: tiraram o relógio da minha empregada, sem ela presente. A conta tinha aumentado nos 4 meses que ficou em casa no começo da pandemia e caiu quando passou a ficar comigo 15 dias.
Enquanto as multas e o dano moral forem irrisórios isso continuará. A justiça não cumpre seu papel educacional. Os verdadeiros ladrões de energia estão em toda parte, o investimento da empresa de energia é pífio na prevenção desta ocorrência. continuar lendo

Gostei do artigo. Parabéns! continuar lendo

Até que enfim, um artigo de qualidade, resumido na forma, mas não no conteúdo. Parabéns. continuar lendo

Muito obrigado, colega!! Que bom que gostou!! continuar lendo