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25 de Maio de 2024

A utilização de máscaras em protestos e/ou manifestações, por si só, caracteriza o anonimato?

Breve Análise do Art. 5°, IV, da Constituição Federal Brasileira de 1988.

Publicado por Moisés AC
há 4 anos

1. Introdução

Durante a sessão do filme "Joker", dirigido por Todd Phillips e protagonizado por Joaquim Phoenix, fui imbuído por uma sensação de perplexidade, não apenas pelo brilhante resultado cinematográfico que estava a desfrutar, mas pelo fato de pessoas utilizarem máscaras durante uma cena que retratava uma espécie de protesto/manifestação.

Assim, surgiu o seguinte questionamento: Poderia o uso de máscaras em protestos e/ou manifestações, à luz do ordenamento jurídico pátrio, configurar o anonimato, vedado pela Constituição Federal no Art. , IV?

Joker | Warner Bros - DC Films - 2019

Recomendo, desde já, a leitura da análise do referido filme em relação à democracia e o papel da administração pública na sua manutenção, de autoria de Bruno Tozo Figueiredo.

2. A Constituição Federal e a Manifestação do Pensamento

De acordo com o Art. , IV, da Constituição Federal Brasileira de 1988, tem-se o seguinte:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - e livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

Conforme observa-se, o texto constitucional permite a manifestação do pensamento, tratando-se de direito e garantia individual inerente aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no território nacional.

Em contrapartida, a Constituição traz, expressamente, a vedação ao anonimato. Expressamente, pois, embora não estejam devidamente incluídos neste inciso em análise, outras condutas também teriam o condão de aviltar a manifestação do pensamento de forma a configurar um ato ilícito, como, por exemplo, incitar, publicamente, a prática de crime, ou, ainda, fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime, sendo estas condutas tipificadas no Código Penal Brasileiro, nos Arts. 286 e 287, respectivamente.

Todavia, o anonimato é expressamente vedado pela Constituição Federal, podendo ser entendido como o fenômeno de ocultar-se ou não se identificar.

3. Entendimento Jurisprudencial

O tema ainda será objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o reconhecimento da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo 905.149, que tem como objeto de discussão a Inconstitucionalidade da Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 6.528/2013, que proíbe, em seu Art. , o uso de máscaras em reuniões públicas para manifestação do pensamento.

De acordo com o Ministro Luís Roberto Barroso, Relator do Processo, o assunto versa sobre a segurança pública, não apenas sobre o direito de manifestação:

Constitui questão constitucional saber se lei pode ou não proibir o uso de máscaras em manifestações públicas, à luz das liberdades de reunião e de expressão do pensamento, bem como da vedação do anonimato e do dever de segurança pública.

Conforme consta no voto do Ministro Relator, sustenta a parte recorrente, em síntese:

que a lei limita a liberdade de manifestação do pensamento (art. , IV, da CRFB/1988), bem como introduz restrições ao direito de reunião não previstas no art. 23 da Constituição Estadual, que reproduz o art. , XVI, da CF/1988.

De outro lado, é sustentado, em síntese:

que o uso de máscaras durante manifestações públicas é uma forma de anonimato vedada pelo art. , IV, da Constituição, com o objetivo dificultar a atuação policial e fugir à responsabilidade pela prática de atos de vandalismo, como ocorreu nas manifestações de meados de 2013. O uso de máscaras desnaturaria a natureza pacífica da manifestação, já exigida pelo art. , XVI, da Constituição. Não se trataria, portanto, de restrição adicional. A lei seria necessária e proporcional, haja vista a necessidade de o Estado resguardar a segurança pública. Em vários outros países também haveria restrições semelhantes.

Assim, é necessário aguardar o julgamento para que o tema devidamente debatido, decidido e, consequentemente, pacificado na jurisprudência brasileira.

Para acompanhar o trâmite processual do Recurso Extraordinário com Agravo nº 905.149 no Supremo Tribunal Federal, clique aqui.

4. A Utilização da Máscara: Anonimato x Identificação

Analisando o objeto em estudo neste artigo, percebe-se que, até mesmo no processo que será julgado pelo Supremo Tribunal Federal, os termos "chave" são anonimato e identificação. Ou seja, a mera utilização da máscara em protestos e/ou manifestações, por si só, não parece ter o condão de conceder ao usuário um caráter anônimo, não identificável. Explica-se.

Em um primeiro momento, imaginemos um famoso líder partidário que, após um discurso inflamado, coloca uma máscara em forma de protesto ou manifestação. Neste caso, não há que se falar em anonimato, tendo em vista que tal líder partidário pode ser facilmente identificado.

Em um segundo cenário, imaginemos 500 cidadãos participantes de uma manifestação a favor da redução do preço da carne no mercado, todos utilizando máscaras. Neste caso específico, há que se falar em violação ao Art. , IV, da Constituição Federal, visto que, por mais nobre que seja a causa da manifestação ou do protesto, há a impossibilidade de identificação daqueles que estariam utilizando as máscaras.

Percebe-se que se trata de uma questão não apenas de mera identificação, mas sim de segurança pública, visto que, caso haja a prática de crimes por parte de um dos manifestantes/protestantes mascarados, não seria possível realizar a sua identificação para eventual persecução penal, frustrando o exercício do Jus Puniendi Estatal e, assim, criando mais um obstáculo para o desenvolvimento da Segurança Pública.

5. Conclusão

Nesse sentido, percebe-se que o uso da máscara em protestos e manifestações, por si só, não possui o condão de violar a regra constitucional em estudo neste artigo, pois, ao realizar a leitura do inciso, extrai-se que a vedação ao anonimato ocorre justamente em virtude da impossibilidade de identificação. Assim, será necessário analisar cada caso concreto.

Havendo o uso da máscara em protesto ou manifestação, mas sendo possível identificar o usuário, não há que se falar em violação ao texto constitucional.

Todavia, caso não seja possível identificar o usuário da máscara em tais ocasiões, sendo mantido o anonimato e prejudicada a identificação, estará constatada a violação ao Art. , IV, da Constituição Federal Brasileira de 1988.

6. Referências

ADORO CINEMA. Coringa - Filme 2019. Disponível em: < http://www.adorocinema.com/filmes/filme-258374/>. Acesso: 15 de dezembro de 2019.

ADORO CINEMA. Todd Phillips. Disponível em: < http://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-34488/>. Acesso: 15 de dezembro de 2019.

ADORO CINEMA. Joaquim Phoenix. Disponível em: < http://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-21376/>. Acesso: 15 de dezembro de 2019.

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal Brasileiro.

INFOPEDIA. Definição ou significado de anonimato. Disponível em: < https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/anonimato>. Acesso: 15 de dezembro de 2019.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Manifestação do Ministro Roberto Luiz Barroso no Recurso Extraordinário com Agravo nº 905.149. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=6425146>. Acesso: 15 de dezembro de 2019.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Proibição de máscaras em manifestações é tema de repercussão geral no STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=323970>. Acesso: 15 de dezembro de 2019.

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4 Comentários

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Parabéns Dr Moises pela lucidez do artigo.

Proteger a Sociedade Responsável é a função precípua de qualquer lei ética.

Adoraria ver uma análise técnica como esta com relação ao atual entendimento do uso de etilometros e a não obrigatoriedade de produzir provas contra si mesmo.

Acredito que podemos olhar por outro prisma e concluir que a prova foi produzida por luvre iniciativa na ingestão do álcool e o etilometro apenas quantifica esta prova. continuar lendo

Muito obrigado pelo comentário e pela sugestão! Com certeza é um tema que abordarei posteriormente.

Grande abraço! continuar lendo

Ótimo artigo Dr.!

Com certeza é um entendimento fundamental frente ao crescente senso comunitário da sociedade, demonstrado por manifestações.

É importante defender o direito de manifestação em um regime democrático, entretanto, sem colocar em risco a segurança alheia e a dificuldade de possível repressão por atos excedentes ao protestos pacífico.

Forte abraço!! continuar lendo

Muito obrigado pelo comentário!

Grande abraço! continuar lendo