Aplicação do princípio da irredutibilidade salarial na previdência social
Direito do Trabalho
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE
SALARIAL NA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Mair Viana Peixoto Moço
A Previdência Social se apresenta, no Brasil, como principal fonte de renda de camada que, dada a idade ou limitações — a citar, por exemplo, a aposentadoria por invalidez —, não podem ou não logram êxito em se realocar no mercado de trabalho (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM, 2008). Esta, dada sua natureza, é permeada de princípios Constitucionais que servem tanto para conferir sua legitimidade, como também ilustrar suas acepções sociais, elemento este patente em sua própria estrutura (MARTINEZ, 2018).
Seu objetivo é assegurar a manutenção da renda do indivíduo quando da perda, temporária ou definitiva, de sua capacidade de trabalhar em decorrência de riscos a que todos nós estamos sujeitos, como doença, invalidez, idade avançada, encargos familiares, prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM, 2008, p 25).
Dentre os princípios que revestem a Previdência, destaca-se o da irredutibilidade dos valores dos benefícios, este, frente sua relevância, será alvo do presente estudo[1].
O princípio da irredutibilidade dos valores dos benefícios insere-se com perfeição na redação do art. 201, § 4.º, da Constituição Federal de 1988, ao que se observa:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.
Tal previsibilidade encontra-se, de igual plano, previsto no Decreto n.º 3.048/1999, em especial em seu art. 40 (BRASIL, 1999), ao que igual se observa:
Art. 40. É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real da data de sua concessão.
Para Martinez, seria possível conceituar o aspecto da irredutibilidade dos valores nos seguintes termos:
A irredutibilidade do montante dos benefícios significa duas coisas: 1) eles não poderem ser onerados, em particular, com deduções previdenciárias (contribuição); e 2) deverem manter o poder aquisitivo do quantum original, apurado em certo momento, por meio do parâmetro definido segundo lei ordinária e em face das circunstâncias de cada momento histórico (MARTINEZ, 2006, p. 49).
Horvath Júnior (2006) aponta que, do princípio da irredutibilidade seria possível a extração de dois “campos de atuação” do mesmo. Em primeira análise observa-se a concessão do benefício. Para o doutrinador, na concessão deverá ser observado o cálculo previdência para que seja conferida remuneração justa ao beneficiário. Importante notar que, conquanto a remuneração paga pela previdência possa apresentar diferença em relação ao valor percebida anteriormente, esta não poderá dar menos que o devido; e, em outro espectro, observa o reajustamento dos benefícios. Este, de forma ainda mais patente, traduz que não será possível, sob pretexto de reajustamento dos valores a serem percebidos pelo beneficiário, realizar redução dos valores anteriormente pagos.
Anota, ainda, o autor que irredutibilidade deverá cumprir, igualmente, dupla função. Deverá, no plano nominal, evitar a materialização de discrepância no momento da concessão do benefício, impedindo que o beneficiário venha a perceber remuneração inferior àquela efetivamente devida; e, em plano real, impedir que o mesmo venha a sofrer reajuste inferior àquele necessário para manter seu poder de compra — isto porque, se assim fosse permitido, poderia o Instituto realizar, por meio de reajustes não condizentes com a realidade econômico-financeira no País, defasagem dos valores, que, in casu seriam igualmente traduzidos em uma redutibilidade ficciosa do valor percebido. Esta redução, segundo Silveira e Amaral (2012), se materializa na condição do mínimo existencial, que, nos ensinamentos de Barcellos (2008), pode ser compreendido como sendo conjunto de condições básicas voltadas à preservação da dignidade da pessoa humana, de movo que, uma vez violadas, coloca-se em risco a própria integridade física, mental, emocional e afetiva da pessoa. Olsen (2008, p. 333), de forma complementar, indica que:
(...) o mínimo existencial, compreendido como condições necessárias à sobrevivência do homem, e como núcleo essencial do direito fundamental no dado caso concreto, em relação direta com a dignidade da pessoa humana, erige-se, tal qual verdadeira muralha, que não poderá ser transposta, sob pena de comprometimento de todo sistema constitucional, e da legitimidade do Estado Democrático de Direito.
A preservação da dignidade da pessoa humana, especialmente quanto à conferência e preservação do mínimo existencial, mostra-se pulsante nos objetivos e fundamentos da Previdência Social, estando, inclusive, estampado em seu rol de elementos basilares, indicando que tais anotações não se mostram como política, mas sim como norte.
A Seguridade Social é, portanto, um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Nesse sentido, o direito assume uma dimensão positiva não como forma de aceitar a intervenção do Estado na liberdade individual, mas como meio de proporcionar à coletividade uma participação do bem-estar social (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM, 2008, p. 22).
Esta, inclusive, se apresenta como jurisprudência unanime dos Tribunais brasileiros, sendo, de igual forma, esposada pelo Supremo Tribunal Federal. A exemplo desta, citam-se os seguintes acórdãos:
CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEI SUPERVENIENTE ESTABELECENDO VENCIMENTO ÚNICO PARA A CARREIRA. DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA, ASSEGURADA A IRREDUTIBILIDADE DO VALOR PERCEBIDO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que não existe direito adquirido nem a regime jurídico, nem aos critérios que determinaram a composição da remuneração ou dos proventos, desde que o novo sistema normativo assegure a irredutibilidade dos ganhos anteriormente percebidos. 2. Não havendo redução dos proventos percebidos pelo inativo, não há inconstitucionalidade na lei que estabelece, para a carreira, o sistema de vencimento único, com absorção de outras vantagens remuneratórias. 3. Agravo regimental desprovido. (RE 634.732 AgR-segundo, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª Turma, DJe 19-06-2013) (grifo nosso)
Agravo regimental no recurso extraordinário. Servidor público. Aposentadoria. Lei estadual nº 11.171/86. Gratificação. Incorporação. Estabilidade financeira. Inexistência de direito adquirido a regime jurídico. Redução de vencimentos. Impossibilidade. Legislação local. Reexame de fatos e provas. Precedentes. 1. Aplica-se à aposentadoria a norma vigente à época do preenchimento dos requisitos para a sua concessão. 2. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que não viola a Constituição o cálculo de vantagens nos termos da Lei estadual nº 11.171/86 em face de fato que tenha se consolidado antes da alteração, pela Emenda Constitucional nº 19/98, do art. 37, inciso XIV, da Constituição Federal. 3. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora constitucional o instituto da estabilidade financeira, não há direito adquirido a regime jurídico, ficando assegurada, entretanto, a irredutibilidade de vencimentos. 4. Rever o entendimento assentado no Tribunal de origem quanto à ocorrência de redução nos proventos do servidor demandaria a análise das Leis estaduais nºs 11.17186 e 12.386/94, e dos fatos e das provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 280 e 279/STF. 5. Agravo regimental não provido. (grifo nosso)
Ao que se observa o Supremo Tribunal Federal deixa transparecer, com assertividade, que inexiste garantia quanto ao fator previdenciário a ser aplicado, de igual forma não merece sustentação quanto ao regime jurídico[2] ao qual o beneficiário goza, de tal forma que não se pretende garantir condição favorável quando esta não lhe for exatamente aplicável. Tem-se, contudo, especial atenção quanto à redução injustificada dos valores percebidos pelo beneficiário, de modo que este não venha a ter seus proventos revisto a menor.
Entender de forma diversa seria promover insegurança jurídica entre as partes, desestimulando o beneficiário a recorrer e solicitar, junto à entidade, revisão de seu benefício. Seria, em outros ditos, coagir o mesmo a permanecer com a remuneração ofertada pelo Instituto, sem conferir-lhe direito de questiona-la.
Acerca da revisão do regime jurídico ao qual o beneficiário se insere, o Supremo Tribunal Federal passou a entender de forma unanime (RE-212131/MG, Relator Ministro ILMAR GALVÃO, publicação DJU 29-10-99, PP-00019, EMENT VOL-01969-03, PP-00474, julgamento 03/08/1999 - Primeira Turma) que esta não poderá impor condição negativa ao beneficiário sem que haja expressa modificação do status do mesmo.
O princípio da irredutibilidade, em consonância com os preceitos trazidos pela função da Previdência Social e sua importância como principal fonte de sustento de seus beneficiários, mostra-se plenamente adequada a exercer controle de adequação, de modo que as revisões propostas pelo Instituto não venham a causar prejuízos aos aposentados ou, considerando o ato de concessão, não seja-lhe conferido valor inferior àquele devido frente a suas contribuições.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: O princípio da dignidade da pessoa humana. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
BRASI. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Planalto: Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm. Acesso em: 07 maio 2020.
BRASIL. Decreto n.º 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Planalto: Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm. Acesso em: 07 maio 2020.
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM. Seguridade e Previdência Social: O Município Perante a Previdência Social. Brasília: CNM, 2008. Disponível em: https://www.cnm.org.br/cms/biblioteca/08%20Seguridade%20e%20Previd%EAncia%20Social.pdf. Acesso em: 06 maio 2020.
HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 6. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 7. ed. São Paulo: LTr, 2006.
OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos fundamentais sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2008.
SILVEIRA, Fernanda de Figuerêdo; AMARAL, Antônio Castro do. O princípio da Irredutibilidade do valor dos benefícios como preservação da dignidade da pessoa humana. Revista CESMAC – Refletindo o direito, v. 1, n. 1, 2012. Disponível em: https://revistas.cesmac.edu.br/index.php/refletindo/article/view/75. Acesso em: 07 maio 2020.
São princípios norteadores da Seguridade Social: 1. Abrangência de cobertura e atendimento de todas as situações de risco social. 2. Concessão dos mesmos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais. 3. Seletividade e distribuição na prestação dos benefícios e dos serviços. A seletividade consiste na eleição dos riscos e das contingências sociais a serem cobertos. Este princípio tem como destinatário o legislador constitucional, que estabeleceu expressamente quais os riscos e as contingências sociais protegidas no artigo 201 da Constituição Federal (CF). 4. Vedação de redução do valor dos benefícios, a fim de preservarlhes o poder aquisitivo e proteger os beneficiários de eventuais perdas monetárias. 5. Igualdade na forma de participação no custeio pela sociedade e pelo Estado no financiamento da seguridade, na medida de sua capacidade de contribuição. 6. Várias fontes de custeio, respeitada a capacidade contributiva de cada um. 7. Caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão com a participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo. 8. Preexistência de recursos para a concessão dos direitos referentes à Seguridade Social. 9. Recursos próprios e específicos, distintos daqueles que constam do orçamento fiscal da União. (grifos nossos) (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM, 2008, p. 22) ↑
Regime jurídico ou regime de trabalho é aquele que estabelece o vínculo profissional dos trabalhadores durante sua atividade, podendo ser estatutário (decorrente do Estatuto dos Servidores) para os servidores públicos, ou celetista (decorrente da Consolidação das Leis do Trabalho ─ CLT) para os trabalhadores da iniciativa privada e para os empregados públicos (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM, 2008, p. 28). ↑
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