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27 de Maio de 2024

Aplicação do princípio da irredutibilidade salarial na previdência social

Direito do Trabalho

há 2 anos

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE

SALARIAL NA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Mair Viana Peixoto Moço

A Previdência Social se apresenta, no Brasil, como principal fonte de renda de camada que, dada a idade ou limitações — a citar, por exemplo, a aposentadoria por invalidez —, não podem ou não logram êxito em se realocar no mercado de trabalho (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM, 2008). Esta, dada sua natureza, é permeada de princípios Constitucionais que servem tanto para conferir sua legitimidade, como também ilustrar suas acepções sociais, elemento este patente em sua própria estrutura (MARTINEZ, 2018).

Seu objetivo é assegurar a manutenção da renda do indivíduo quando da perda, temporária ou definitiva, de sua capacidade de trabalhar em decorrência de riscos a que todos nós estamos sujeitos, como doença, invalidez, idade avançada, encargos familiares, prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM, 2008, p 25).

Dentre os princípios que revestem a Previdência, destaca-se o da irredutibilidade dos valores dos benefícios, este, frente sua relevância, será alvo do presente estudo[1].

O princípio da irredutibilidade dos valores dos benefícios insere-se com perfeição na redação do art. 201, § 4.º, da Constituição Federal de 1988, ao que se observa:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:

§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.

Tal previsibilidade encontra-se, de igual plano, previsto no Decreto n.º 3.048/1999, em especial em seu art. 40 (BRASIL, 1999), ao que igual se observa:

Art. 40. É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real da data de sua concessão.

Para Martinez, seria possível conceituar o aspecto da irredutibilidade dos valores nos seguintes termos:

A irredutibilidade do montante dos benefícios significa duas coisas: 1) eles não poderem ser onerados, em particular, com deduções previdenciárias (contribuição); e 2) deverem manter o poder aquisitivo do quantum original, apurado em certo momento, por meio do parâmetro definido segundo lei ordinária e em face das circunstâncias de cada momento histórico (MARTINEZ, 2006, p. 49).

Horvath Júnior (2006) aponta que, do princípio da irredutibilidade seria possível a extração de dois “campos de atuação” do mesmo. Em primeira análise observa-se a concessão do benefício. Para o doutrinador, na concessão deverá ser observado o cálculo previdência para que seja conferida remuneração justa ao beneficiário. Importante notar que, conquanto a remuneração paga pela previdência possa apresentar diferença em relação ao valor percebida anteriormente, esta não poderá dar menos que o devido; e, em outro espectro, observa o reajustamento dos benefícios. Este, de forma ainda mais patente, traduz que não será possível, sob pretexto de reajustamento dos valores a serem percebidos pelo beneficiário, realizar redução dos valores anteriormente pagos.

Anota, ainda, o autor que irredutibilidade deverá cumprir, igualmente, dupla função. Deverá, no plano nominal, evitar a materialização de discrepância no momento da concessão do benefício, impedindo que o beneficiário venha a perceber remuneração inferior àquela efetivamente devida; e, em plano real, impedir que o mesmo venha a sofrer reajuste inferior àquele necessário para manter seu poder de compra — isto porque, se assim fosse permitido, poderia o Instituto realizar, por meio de reajustes não condizentes com a realidade econômico-financeira no País, defasagem dos valores, que, in casu seriam igualmente traduzidos em uma redutibilidade ficciosa do valor percebido. Esta redução, segundo Silveira e Amaral (2012), se materializa na condição do mínimo existencial, que, nos ensinamentos de Barcellos (2008), pode ser compreendido como sendo conjunto de condições básicas voltadas à preservação da dignidade da pessoa humana, de movo que, uma vez violadas, coloca-se em risco a própria integridade física, mental, emocional e afetiva da pessoa. Olsen (2008, p. 333), de forma complementar, indica que:

(...) o mínimo existencial, compreendido como condições necessárias à sobrevivência do homem, e como núcleo essencial do direito fundamental no dado caso concreto, em relação direta com a dignidade da pessoa humana, erige-se, tal qual verdadeira muralha, que não poderá ser transposta, sob pena de comprometimento de todo sistema constitucional, e da legitimidade do Estado Democrático de Direito.

A preservação da dignidade da pessoa humana, especialmente quanto à conferência e preservação do mínimo existencial, mostra-se pulsante nos objetivos e fundamentos da Previdência Social, estando, inclusive, estampado em seu rol de elementos basilares, indicando que tais anotações não se mostram como política, mas sim como norte.

A Seguridade Social é, portanto, um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Nesse sentido, o direito assume uma dimensão positiva não como forma de aceitar a intervenção do Estado na liberdade individual, mas como meio de proporcionar à coletividade uma participação do bem-estar social (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM, 2008, p. 22).

Esta, inclusive, se apresenta como jurisprudência unanime dos Tribunais brasileiros, sendo, de igual forma, esposada pelo Supremo Tribunal Federal. A exemplo desta, citam-se os seguintes acórdãos:

CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEI SUPERVENIENTE ESTABELECENDO VENCIMENTO ÚNICO PARA A CARREIRA. DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA, ASSEGURADA A IRREDUTIBILIDADE DO VALOR PERCEBIDO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que não existe direito adquirido nem a regime jurídico, nem aos critérios que determinaram a composição da remuneração ou dos proventos, desde que o novo sistema normativo assegure a irredutibilidade dos ganhos anteriormente percebidos. 2. Não havendo redução dos proventos percebidos pelo inativo, não há inconstitucionalidade na lei que estabelece, para a carreira, o sistema de vencimento único, com absorção de outras vantagens remuneratórias. 3. Agravo regimental desprovido. (RE 634.732 AgR-segundo, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª Turma, DJe 19-06-2013) (grifo nosso)

Agravo regimental no recurso extraordinário. Servidor público. Aposentadoria. Lei estadual nº 11.171/86. Gratificação. Incorporação. Estabilidade financeira. Inexistência de direito adquirido a regime jurídico. Redução de vencimentos. Impossibilidade. Legislação local. Reexame de fatos e provas. Precedentes. 1. Aplica-se à aposentadoria a norma vigente à época do preenchimento dos requisitos para a sua concessão. 2. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que não viola a Constituição o cálculo de vantagens nos termos da Lei estadual nº 11.171/86 em face de fato que tenha se consolidado antes da alteração, pela Emenda Constitucional nº 19/98, do art. 37, inciso XIV, da Constituição Federal. 3. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora constitucional o instituto da estabilidade financeira, não há direito adquirido a regime jurídico, ficando assegurada, entretanto, a irredutibilidade de vencimentos. 4. Rever o entendimento assentado no Tribunal de origem quanto à ocorrência de redução nos proventos do servidor demandaria a análise das Leis estaduais nºs 11.17186 e 12.386/94, e dos fatos e das provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 280 e 279/STF. 5. Agravo regimental não provido. (grifo nosso)

Ao que se observa o Supremo Tribunal Federal deixa transparecer, com assertividade, que inexiste garantia quanto ao fator previdenciário a ser aplicado, de igual forma não merece sustentação quanto ao regime jurídico[2] ao qual o beneficiário goza, de tal forma que não se pretende garantir condição favorável quando esta não lhe for exatamente aplicável. Tem-se, contudo, especial atenção quanto à redução injustificada dos valores percebidos pelo beneficiário, de modo que este não venha a ter seus proventos revisto a menor.

Entender de forma diversa seria promover insegurança jurídica entre as partes, desestimulando o beneficiário a recorrer e solicitar, junto à entidade, revisão de seu benefício. Seria, em outros ditos, coagir o mesmo a permanecer com a remuneração ofertada pelo Instituto, sem conferir-lhe direito de questiona-la.

Acerca da revisão do regime jurídico ao qual o beneficiário se insere, o Supremo Tribunal Federal passou a entender de forma unanime (RE-212131/MG, Relator Ministro ILMAR GALVÃO, publicação DJU 29-10-99, PP-00019, EMENT VOL-01969-03, PP-00474, julgamento 03/08/1999 - Primeira Turma) que esta não poderá impor condição negativa ao beneficiário sem que haja expressa modificação do status do mesmo.

O princípio da irredutibilidade, em consonância com os preceitos trazidos pela função da Previdência Social e sua importância como principal fonte de sustento de seus beneficiários, mostra-se plenamente adequada a exercer controle de adequação, de modo que as revisões propostas pelo Instituto não venham a causar prejuízos aos aposentados ou, considerando o ato de concessão, não seja-lhe conferido valor inferior àquele devido frente a suas contribuições.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: O princípio da dignidade da pessoa humana. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

BRASI. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Planalto: Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm. Acesso em: 07 maio 2020.

BRASIL. Decreto n.º 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Planalto: Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm. Acesso em: 07 maio 2020.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM. Seguridade e Previdência Social: O Município Perante a Previdência Social. Brasília: CNM, 2008. Disponível em: https://www.cnm.org.br/cms/biblioteca/08%20Seguridade%20e%20Previd%EAncia%20Social.pdf. Acesso em: 06 maio 2020.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 6. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 7. ed. São Paulo: LTr, 2006.

OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos fundamentais sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2008.

SILVEIRA, Fernanda de Figuerêdo; AMARAL, Antônio Castro do. O princípio da Irredutibilidade do valor dos benefícios como preservação da dignidade da pessoa humana. Revista CESMAC – Refletindo o direito, v. 1, n. 1, 2012. Disponível em: https://revistas.cesmac.edu.br/index.php/refletindo/article/view/75. Acesso em: 07 maio 2020.

  1. São princípios norteadores da Seguridade Social: 1. Abrangência de cobertura e atendimento de todas as situações de risco social. 2. Concessão dos mesmos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais. 3. Seletividade e distribuição na prestação dos benefícios e dos serviços. A seletividade consiste na eleição dos riscos e das contingências sociais a serem cobertos. Este princípio tem como destinatário o legislador constitucional, que estabeleceu expressamente quais os riscos e as contingências sociais protegidas no artigo 201 da Constituição Federal (CF). 4. Vedação de redução do valor dos benefícios, a fim de preservarlhes o poder aquisitivo e proteger os beneficiários de eventuais perdas monetárias. 5. Igualdade na forma de participação no custeio pela sociedade e pelo Estado no financiamento da seguridade, na medida de sua capacidade de contribuição. 6. Várias fontes de custeio, respeitada a capacidade contributiva de cada um. 7. Caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão com a participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo. 8. Preexistência de recursos para a concessão dos direitos referentes à Seguridade Social. 9. Recursos próprios e específicos, distintos daqueles que constam do orçamento fiscal da União. (grifos nossos) (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM, 2008, p. 22)

  2. Regime jurídico ou regime de trabalho é aquele que estabelece o vínculo profissional dos trabalhadores durante sua atividade, podendo ser estatutário (decorrente do Estatuto dos Servidores) para os servidores públicos, ou celetista (decorrente da Consolidação das Leis do TrabalhoCLT) para os trabalhadores da iniciativa privada e para os empregados públicos (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS – CNM, 2008, p. 28).

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