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30 de Abril de 2024

As ações revocatórias no processo de falência

Publicado por Moira Caroline Dassan
há 7 anos
  1. Ações revocatórias

Inicialmente veremos uma pequena introdução sobre a ação revocatória pelas palavras de Ulhoa:

A ineficácia subjetiva perante a massa falida de atos praticados pela sociedade empresária deve ser declarada em ação falimentar própria, denominada “revocatória”. Na hipótese de ineficácia subjetiva, a declaração é feita por despacho do juiz nos autos da falência, quando deles consta a prova dos autos, por ação própria ou exceção, em processo autônomo ou incidente ao falimentar”. [1]

Waldo Fazzio também nos ensina que:

Com o objetivo de recompor o ativo do devedor desfalcado em consequência de ato praticados por eles prejudiciais aos credores, à lei contempla a possibilidade de revogação de diversos negócios entabulados com ou sem a intenção de lesar credores, bem como, com ou sem conluio fraudulento”. [2]

Verifica-se nesses casos a hipótese de revocar alguns atos praticados pelo devedor, para que os credores não sejam prejudicados. A LRE prevê duas situações em que cabe a ação revocatoria. A primeira hipótese é a Ação Revocatória Baseada na Presunção de Fraude, nos termos do art. 129, da LRE, dispositivo que prevê a declaração de ineficácia de todos os atos praticados pelo devedor, em prejuízo da massa, antes da decretação da falência, onde, não há necessidade de que o devedor tenha a intenção de fraudar seus credores.

A segunda hipótese é a chamada Ação Revocatória Baseada na Fraude, prevista no artigo 130, da LRE. Nesta hipótese de ação Revocatória é imprescindível que haja o intuito de fraudar por parte do devedor, e ainda, que o prejuízo causado aos credores seja efetivo.

Deve-se verificar a validade e eficácia dos atos lesivos aos credores praticados pelo devedor sob as seguintes hipóteses:

a) Após a sentença que decreta a liquidação;

b) Praticados no curso do termo legal fixado na sentença decretatório;

c) Atos praticados em período anterior ao termo legal.

Na hipótese do ato praticado ser anterior à sentença que decreta a falência, no termo legal, ou ainda, no período que antecede a quebra, esse ato será ineficaz ou revogável, portanto, cabível a Ação Revocatória.

Em relação aos atos praticados conforme disposto no artigo 129 da LF, o legislador os chama de atos ineficazes. E se tratando do disposto no artigo 130, a lei entende como atos revogáveis.

Apesar de a doutrina fazer distinção entre os artigos 129 e 130 da LF, pôde-se dizer que, perante a massa em um sentido amplo os dois são considerados atos ineficazes. Independentemente de haver ou não, intuito fraudulento para prejudicar os credores, os atos dispostos nas hipóteses tanto do art. 129 como do art. 130, desde que praticados dentro do prazo legal será ineficazes, sujeitos a Ação Revocatória.

Explica Ulhoa:

Na descrição dos atos objetivamente ineficazes, em geral, a ineficácia é condicionada à prática num certo lapso de temporal (termo legal da falência ou 2 anos anteriores à quebra, dependendo do inciso). É irrelevante se a falida agiu ou não com fraude para que o ato, realizado no interregno referido na lei, seja, ineficaz. Dos atos do artigo 129 que, independente da época em que ocorreram e da comprovação de fraude, são reputados ineficazes, interessa o estudo da falência da sociedade empresária apenas o previsto no inciso VI, a alienação irregular de estabelecimento comercial”. [3]

Quanto aos atos anteriores ao termo legal, nota-se que o direito ordinário é conhecido como ação Paulinha, que serve para desfazer atos que violam a par condito creditorum,

Neste momento ainda não existe ação revocatória, a LRE prevê como inicio da ação revocatória o termo legal. Pelos atos praticados no período anterior ao termo legal, nem administrador judicial da massa nem os credores que figurarem na sentença que decreta a falência possuem legitimidade para postular a ineficácia de negócios do devedor.

A doutrina e a jurisprudência majoritária entendem que, seria prejudicial à estabilidade das relações empresariais darem ensejo a declaração de ineficácia, em favor da massa quanto aos atos anteriores ao termo legal. As exceções estão previstas no art. 129, incisos IV e V da LRE, sendo elas: atos revogáveis porque cometidos no biênio anterior à sentença falitária e a venda ou transferência do estabelecimento, pelo devedor insolvente, quando não consentida expressa ou tacitamente.

O termo legal existe para distinguir os possíveis atos dissolvidos por mecanismos judiciais ordinários e ainda suscetíveis de ação revocatória própria da falência. A retroatividade sempre será restrita a um período delimitado na sentença decretatória de falência.

Já em relação aos atos suscetíveis de revogação na falência, que são prejudiciais aos interesses dos credores, o instrumento processual será a ação revocatória.

Com a revogação dos atos praticados às vésperas da falência, o legislador impede que a massa fique dissipada, ou mesmo, que não restem mais bens, uma vez que esses bens deveriam ter sido arrecadados, e passados a integralizar a massa, já que pertenciam ao devedor antes mesmo da decretação da falência.

O legislador possui uma grande preocupação com os credores no sentido de efetivamente tutelar sua boa fé, por isso assegura os bens do devedor de uma possível diminuição sem justa causa. Impede ainda que alguns credores se posicionem melhor com o aumento de garantias para o seu crédito do que em relação aos outros, já que a falência foi evidenciada.

Possui legitimidade ativa para propor as ações revocatórias o administrador judicial, concorrendo com qualquer um dos credores e com o Ministério Público. Já no que diz respeito à legitimidade passiva, figurará no polo passivo todos aqueles que praticaram o ato, ou em decorrência dele, foram pagos, garantidos ou ainda beneficiados, além de terceiros contratantes, salvo, em relação a terceiros na hipótese de não terem tido o conhecimento da fraude.

A decadência quanto ao direito à ação revocatória se da em 3 anos, o prazo tem início a partir da decretação da falência. Como a legitimidade do administrador concorre com o credor e o Ministério Público, o administrador judicial não responderá perante a massa pelas consequências que decorrem da decadência.

Quanto às decisões que julgam as ações revocatórias caberá recurso de apelação. Vale ainda esclarecer que não deve haver confusão quanto à ineficácia de atos anteriores à sentença decretatória com a nulidade dos atos que foram praticados posteriormente a decisão de quebra.

Quanto aos atos praticados pela sociedade empresária considerados prejudiciais à massa, existe a possibilidade de reprimi-los tanto com base na LRE, sendo ato considerado ineficaz perante a massa falida, quanto de acordo com o Código Civil, para o ato passar a ser considerado inválido.

No caso do sujeito ativo encontrar provas de simulação de negócio jurídico, poderá optar entre a propositura da ação revocatória de acordo com a LRE, ou se preferir, pela anulatória baseada no Código Civil. Contudo, em nosso trabalho será abordado somente no que diz respeito aos atos considerados ineficazes, regidos pela LRE.

Na sentença declaratória, ou por decisão interlocutória posterior, o juiz fixará o termo legal da falência. É nesse momento que poderá se definir a ineficácia de alguns atos praticados pela falida. O importante para a ineficácia de eventuais atos praticados são as condições propostas em lei, inclusive os pertencentes ao lapso temporal.

Passaremos agora a analise das duas hipóteses de ação revocatória, conforme o disposto nos art. 129 (baseada na presunção de fraude) e 130 (baseada na fraude) da LRE.

2.2 Revocatória Baseada na Presunção de Fraude

O artigo 129 da LRE dispõe que serão ineficazes todos os atos praticados pelo devedor que poderiam prejudicar a massa antes mesmo da falência. Nesse caso não há a necessidade que o contratante tenha o conhecimento do estado patrimonial do devedor, ou mesmo que haja a intenção de fraude, visto que a fraude é presumida, deverá ser reconhecida pelo provimento jurisdicional.

Antes da decretação da falência e dentro do termo legal, os atos praticados pelo devedor são de eficácia relativa, portanto, exige-se sentença em ação própria para que seja declarada a ineficácia do ato.

Qualquer ato praticado pelo devedor dentro do termo legal de falência é válido entre as partes, porém será ineficaz em relação à massa falida, seja ela subjetiva ou objetiva.

Na LRE quando se trata de fraude subjetiva, para a declaração da ineficácia do ato jurídico, impõe-se a propositura da ação revocatória. Já na objetiva, a LRE inovou e além da revocatória ainda permite que o juiz decrete “ex ofício” a ineficácia do ato, nos termos do parágrafo único do art. 129, LRE.

Para que a ineficácia desses atos seja decretada, a lei impõe a citação de terceiros interessados que eventualmente também serão prejudicados, para que possam apresentar defesa incidental processual sob pena de nulidade. Tratando-se da evidência da “querela nulitatis insanabilis”, a nulidade do julgado pode ser requerida a qualquer tempo por petição ou por ação declaratória.

A ineficácia prevista no artigo 129 da LRE pode ser alegada em ação própria, em defesa, ou incidentalmente durante o curso do processo. Se o ato for declarado ineficaz de ofício pelo juiz da falência impõe-se antes o chamamento ao juízo, ou seja, a citação dos terceiros interessados a fim de integrar o incidente processual, podendo ser declarada a nulidade insanável do feito.

2.2.1 Dano

Para a ação revocatória, o “eventus damni”, que é o resultado do dano, é um pressuposto imprescindível. Ele é presumido devido às condições das negociações realizados no período suspeito, dessa forma, não há a necessidade do dano ser comprovado. Os pagamentos e as alienações feitas dentro do espaço de tempo imediatamente anterior a decretação da falência são alcançados pela ação revocatória, isto porque, a decretação do estado de falência é retroativo.

A lei impõe que o limite legal é de 90 dias, conforme o disposto no art. 99, II, da LRE, e este será contado:

a) Do primeiro protesto por falta de pagamento;

b) Do requerimento da recuperação judicial, na hipótese de convolação desta em falência (convolação aqui se apresenta no sentido de mudança de estado jurídico. A convolação da recuperação em falência significa que a mesmo mudou seu estado de solvente para insolvente)

c) Do requerimento de autofalência

O termo legal será fixado do fato que for mais antigo, seja ele o 1º título protestado, o pedido de autofalência ou ainda o pedido de recuperação.

2.2.2 Fraude

No que diz respeito a ação revocatória prevista no artigo 129 da LRE, não se faz necessária a presença do “consilium fraudis”, já que esse pressuposto só será imprescindível na outra hipótese de ação revocatória, a do artigo 130. Os atos dissipatórios realizados pelo devedor, gratuitos ou onerosos, praticados dentro do termo legal não necessitam da comprovação de que o ato foi praticado com fraude.

Nesse momento estão presentes as causas objetivas da revocabilidade, compreendendo-se a presunção absoluta de fraude. Por sua vez, reclamando somente o eventus domni, sendo ainda irrelevante a presença da scientia fraudis, portanto não há necessidade de se verificar a má fé. Comprovada a boa fé do terceiro, somente servirá para justificar uma eventual ação de perdas e danos contra o devedor falido.

Todas as hipóteses que se encontram no artigo 129 da LRE são de fraude objetiva e já incidem na hipótese legal, isto é, in re ipsa (“de que a coisa fala por si mesma”), sem necessidade de se comprovar a presença real da fraude. Vale esclarecer ainda que na fraude objetiva, não se faz necessário provar, como já afirmado, a fraude ou a consilium fraudis, se o ato realizado, em questão, estiver no rol das hipóteses enumeradas pelo artigo 129.

2.2.3 Ineficácia

O objetivo das ações revocatórias é a declaração da ineficácia do negócio jurídico danoso ao corpus creditorum, aqui não se trata ainda de anulação do negócio jurídico, pois, nesses caso não há o que ser anulado.

O artigo 129 da LRE dispõe que a ação revocatória é resumida ao binômio: ineficácia e restituição. Por isso o que é ineficaz volta ao seu estado anterior. Essa ação visa evitar a dissipação patrimonial causada pelo devedor e com isso evitar a desvantagem entre os credores.

Mesmo com o bem restituído, nota-se que primeiramente vem o crédito pertinente, aqueles insatisfeitos com os demais credores, mesmo a massa se restabelecendo em benefício dos credores, deve-se sempre respeitar a ordem de pagamento determinado pela lei.

2.2.4 Ineficácia dos atos da falida

O artigo 129 da LRE é um rol taxativo, então, se o devedor praticar qualquer um dos atos incluídos nesse dispositivo, tendo ou não a intenção de fraude, ele será considerado ineficaz. Mas há a necessidade de que o mesmo tenha sido praticado dentro do prazo legal, ou ainda de acordo com os demais pressupostos previstos.

Esses atos são considerados ineficazes, e estão condicionados à um lapso temporal estabelecido por lei, com exceção do inciso VI do artigo em questão, que será considerado ineficaz independente da época em que foi praticado. Todos os demais atos devem respeitar o prazo de 2 anos anterior a falência. Sempre ressaltando que não há a necessidade de se fazer prova do conluio fraudulento, mesmo que ele exista.

Estudaremos a seguir os atos objetivamente ineficazes, ressaltando que eles não serão considerados ineficazes se estiverem previstos no plano de recuperação judicial, ou mesmo, na proposta de recuperação extrajudicial devidamente homologada.

Para isso, passaremos a analisar os incisos do artigo 129 da LRE, os quais são atos suscetíveis de revogação:

  1. Pagamento de dívidas não vencidas, por qualquer meio que extingue o direito creditício, realizado dentro do termo legal.

O disposto no inciso I impossibilita que o devedor pague uma dívida que ainda não lhe é exigível, mesmo se o pagamento for efetuado da forma pactuada no contrato. Se a dívida ainda não é exigível, é certo que a mesmo não pode ser adimplida, e se o pagamento foi concluído, os efeitos desse ato devem ser desconstituídos, isto porque não é admitido esse tipo de preferência.

Temos como exemplos o pagamento por meio de numerários; descontos de títulos; transferência; dação em pagamento; cessão; restituição de mercadorias; ou mediante endosso de cartulários cambiárias.

Para que esse pagamento seja considerado ineficaz, é imprescindível que, o mesmo, tenha sido efetuado dentro do termo legal.

Há duas características que marcam a ineficácia dessa modalidade de pagamento, sendo elas:

  • A indiferença legal quanto à possível ciência, pelo contratante, do estado patrimonial do empresário devedor
  • A irrelevância do meio extintivo empregado na solução da obrigação

Para a LRE é irrelevante se o contratante sabia ou não da situação econômica em que o devedor se encontrava. Nem mesmo qual foi à forma utilizada para adimplir a obrigação que ainda não era exigível. Como o título ainda não era nem exigível, o devedor não tinha o dever de efetuar o pagamento.

Nota-se que no referido inciso que a ineficácia do ato é caracterizada pela inaptidão de exigir o título, visto que, esse título ainda não era exigível no momento do pagamento.

Waldo Fazzio cita Carvalho de Mendonça nesse sentido:

Ressalva a hipótese da obrigação bilateral a prazo, com expresso pacto da faculdade de execução, em determinado prazo, uma vez ajustada antes do termo legal. Tem razão, se não restar caracterizada a fraude de devedor, porque neste caso deve incidir o artigo 143”. [4]

Outra questão levantada é sobre os pagamentos feitos por terceiros. Entre eles há a distinção entre os pagamentos realizados pelos terceiros interessados e os realizados pelos não interessados.

No caso do pagamento feito por terceiro não interessado, há dois pontos a ser exaltado, no primeiro o pagamento efetuado pelo não interessado por mera liberalidade, em que nesta hipótese não será considerado ato ineficaz, nem, passível de ser revogado, visto que este terceiro está realizando o pagamento por vontade própria e não está sendo prejudicial à massa. Ainda neste caso, podemos dizer que essa conduta é benéfica ao credor que recebeu a obrigação mesmo que ela ainda não seja exigível, e ainda por consequência beneficiando os credores da massa, visto que será um credor a menos para concorrer no ativo.

Já em relação ao terceiro não interessado que a obrigação é em nome e por conta do devedor, podemos perceber que esse tipo de ato é mais fácil de ser revogado. É passível de revogação visto que, quem realmente está pagando é o devedor, não é o terceiro não interessado o titular do pagamento, e não o fez por mera liberalidade. Então, na realidade o que ocorreu foi o pagamento indevido a um credor que não tinha um título exigível, e com o pagamento o terceiro não interessado poderá integrar a massa com a finalidade de receber seu crédito, sendo prejudicial à massa.

Quanto ao terceiro interessado coobrigado integral ou parcial, o pagamento do débito não é passível de revogação. Já que a obrigação do devedor continua existindo, porém, em face de outro credor e a situação da massa não foi alterada.

  1. Pagamento de dívidas vencidas, no transcorrer do termo legal, por qualquer forma não estipulada no contrato.

Tratada no inciso II do artigo 129 da LRE, nessa hipótese o ato será passível de revogação nos casos em que a dívida for paga por qualquer outra forma que não estipulada no contrato. Agindo dessa forma estará se esquivando do concurso de créditos, e a satisfação da obrigação, não poderia ter ocorrido de forma diversa do que foi acordado previamente no contrato.

O que caracteriza a revogação desse ato é a forma pela qual o devedor usou para solucionar o débito com o credor por meio diferente do estipulado no contrato, a dívida vencida deve ser paga, já que o título nessa situação é exigível, mas frisa-se que o pagamento deve ser feito de acordo com o que se estipulou no contrato.

Como exemplos para esses casos, citamos a devolução simulada de mercadorias; a cessão alternativa de crédito e a dação em pagamento de coisas quando o débito é em dinheiro. Nessas hipóteses os bens do patrimônio social servirão para satisfazer apenas um credor, comprometendo assim o objeto do concurso falimentar.

A finalidade da lei é impedir a ação do empresário devedor quando esse se encontra em estágio pré liquidatório, lançar mão de meios em que divergem com o contrato, é tentar impedir que o credor requeira a falência da empresa.

  1. Constituição de direito real de garantia, dentro do termo legal, em relação à obrigação contraída anteriormente (artigo 129, inciso III)

Quanto à constituição de garantia real de dívida pré-existente, é ineficaz em relação à massa, como exemplo temos o caso do penhor ou da hipoteca para a garantia de débito já existente. Esse ato será ineficaz, visto que ao oferecer uma nova garantia a um credor, referente a uma dívida já existente, estará prejudicando os demais credores.

Podemos ressaltar que as garantias reais mais antigas que a dívida, bem como, as garantia substitutivas, as quais não mudam a situação da massa; ou as constituídas por terceiros em favor do débito anterior do devedor; as contemporâneasde dívidas, entre outros exemplos não se englobam na previsão da ineficácia de atos quanto à constituição de garantia real.

Fábio Ulhoa exemplifica:

Se os responsáveis pela sociedade empresária em estado pré falimentar buscam, através de financiamentos bancários, os recursos para o reequilíbrio da empresa, é só os obtêm se outorgada garantia real em favor do banco (hipoteca, caução de títulos, alienação fiduciária em garantia, penhor mercantil etc.), o ato não é eficaz perante a massa falida em razão da concomitância entre a concessão do empréstimo e a constituição do ônus real”. [5]

A LRE trata nesse sentido da proibição do devedor colocar ao credor uma garantia que lhe coloque em uma situação de preferência na ordem de classificação entre os credores. Visto que essa prática contraria o objetivo do concurso de credores, que busca um tratamento igualitário entre os sujeitos titulares de créditos de uma mesma natureza, e se o devedor privilegia um credor com uma garantia que não existia, logo, fere o objetivo maior do concurso de credores.

  1. Atos a título gratuito, desde que praticados nos 2 anos anteriores à decretação da falência:

Para essa hipótese estudaremos o inciso IV do artigo 129 da LRE, que trata da revogação de atos a título gratuito praticados no biênio anterior a falência. Toda sociedade empresária tem como objetivo o lucro, então qual seria o intuito da sociedade fazer a transferência de bens a título gratuito.

O único caso em que o ato não é considerado ineficaz nessa situação, se refere às doações de valor baixos feitas em benefício de entidades culturais ou assistenciais, ou ainda, para fins de promoção da imagem institucional.

  1. Renuncia à herança ou a legado, anteriores a 2 anos da abertura da falência:

O ato pelo qual se renuncia à herança no período de 2 anos anterior à sentença declaratória, é ineficaz, pois essa liberalidade é considerada injustificada. Isso porque forjar essa renúncia é simples, podendo o interessado passar os bens a terceiro com o intuito de subtrair os bens de uma futura e possível liquidação. Esse ato se encontra no inciso V do artigo 129 da LRE, que faz referencia ao artigo 1804 e seguintes do Código Civil.

  1. Alienação do estabelecimento comercial, chamado de trespasse, sem a anuência dos credores ou seu pagamento, salvo se restaram bens suficientes para sanar o passivo:

Essa hipótese de ineficácia da alienação do estabelecimento comercial está disposta no inciso VI do artigo 129 da LRE, expondo que se o estabelecimento comercial for alienado sem que os credores concedam anuência expressa para esse ato, ele será considerado ineficaz perante a massa.

A notificação aos credores deve ser feita com 30 dias de antecedência para que ele possa se opor ou não em relação a alienação do estabelecimento. A notificação deve ser feita judicialmente, ou no cartório de registro de títulos e documento. No caso do credor não se manifestar, é afastada a presunção de prejudicar os interesses dos credores.

Há situações em que o ato não será considerado ineficaz, por exemplo, se todos os credores forem pagos; se os credores forem notificados no prazo legal e não se manifestem ou não ofereçam contrariedade; e por fim, se restarem bens suficientes do devedor para satisfazer todos os débitos. Nessas hipóteses destacadas não há o que se falar em ineficácia do ato, já que os credores não se opuseram e não serão prejudicados.

Isso não quer dizer que o devedor mesmo em seu no estado de pré insolvência, não tem o direito de dispor separadamente bens que integram o estabelecimento, buscando quitar eventuais obrigações que possam lhe levar a quebra. Isso porque, se o devedor agiu de forma fraudulenta nas vendas desses bens, a ineficácia não será amparada pelo art. 129, inciso VI, mas sim pelo art. 130, pois nessa hipótese a fraude não será presumida, devendo ser provada.

  1. Registro no cartório de imóveis de direito real de constituição de garantia ou de transferência de propriedade imobiliária inter vivos, por título oneroso ou gratuito, posterior à decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.

Após a decretação da falência é vedado a transferência ou alienação dos bens. É o Código Civil que estabelece sobre a transferência de propriedade imobiliária em seus artigos 1245 e 1492. No entanto, os atos praticados após a decretação da falência não são considerados eficazes perante a massa. Se ocorrer qualquer tipo de alienação, onerosa ou não, o ato poderá ser alvo de ação revocatória e ser eventualmente declarado ineficaz.

  1. Reembolso, à conta do capital social, quando o acionista dissidente não foi substituído, em relação aos credores da sociedade falida anteriores à retirada (LSA, artigo 45, parágrafo 8º)

No caso de um dos acionistas se retirarem da sociedade empresária e o capital social da empresa ainda não tenha sido completamente integralizado, e também não substituído, o valor que foi reembolsado a título de pagamento do capital investido, terá que ser devolvido à massa, visto que neste caso não houve a substituição, o risco dos credores não receberem seus créditos é alto.

Isto ocorre porque o acionista que se retirou é um credor quirografário e se não tem quem o substitua o mesmo deverá se candidatar à massa de credores, fazendo parte do último grupo de credores.

2.3 Revocatória Baseada na Fraude

A ação Revocatória baseada na fraude será proposta em relação aos atos subjetivamente ineficazes. Nesses casos, todos os atos praticados pelo devedor com o objetivo de fraudar seus credores serão considerados ineficazes perante a massa. A LRE dispõe sobre esse assunto em seu artigo 130, sendo irrelevante a época em que o ato foi praticado pelo devedor, para que o mesmo seja considerado ineficaz. Porém, nesse caso, deve-se provar a fraude, a vontade que o devedor possuía de prejudicar seus credores ou fraudar a finalidade da execução concursal.

Quanto aos atos em que o artigo 130 se refere, há a necessidade de que a intenção de fraudar seja demostrada, e que haja ao credor efetivo prejuízo. O referido artigo busca revogar todos os atos fraudulentos praticados pelo devedor que possam acarretar a incapacidade de solver seus débitos com os credores.

A lei emprega nesse artigo um pressuposto subjetivo, o qual se caracteriza com a intenção do devedor de fraudar os credores.

Nesse sentido, verifica-se que a ação revocatória baseada na fraude, o ônus da prova caberá ao autor. A fraude compreende-se em dois pressupostos:

O primeiro é a comprovação do efetivo prejuízo sofrido pelo autor que impugna o ato praticado pelo devedor e terceiro, sendo esses pressupostos objetivos, ou seja, o eventus damni. Já o segundo consiste no pressuposto subjetivo, o consilium frauds, em que deverá ser provada a fraude do ato praticado pelo devedor e terceiro que com ele contrata, ou ainda, ciente do estado em que o devedor se encontrava.

Portanto podemos dizer que qualquer ato praticado pelo devedor que não esteja expresso nos incisos do art. 129, mas praticados com o conluio fraudulento poderá ser passível de ação revocatória baseada no art. 130.

Nota-se ainda que caso os atos elencados nos incisos I, IV e VI do artigo 129 da LRE, que eventualmente forem praticados fora do termo legal correspondente, são passíveis de ação revocatória, na hipótese da fraude ficar comprovada. Se comprovada a intenção de fraude pelo devedor o ato poderá ser declarado ineficaz independente do momento em que o mesmo fora praticado.

2.4 Processo

Podem adentrar o polo ativo da ação revocatória o administrador judicial, o Ministério Público e o credor.

O administrador judicial tem legitimidade concorrente com o credor. No entanto se torna um dever do administrador exercer a ação revocatória, já que ele é o substituto processual da massa. Já para o credor, o exercício da ação revocatória é uma faculdade.

Antigamente o Ministério Público não tinha a legitimidade para integrar o polo ativo de nenhuma ação revocatória, nem a baseada na fraude, nem na baseada na presunção da fraude. No entanto, a partir da nova lei (LRE) o Ministério Público ganha legitimidade para atuar como legitimado ativo nos casos de ação revocatória baseada na fraude conforme o disposto no art. 130.

Na ação revocatória o devedor não possui legitimidade ativa, não podendo usar a ação revocatória a seu favor. O objetivo da ação revocatória é devolver os bens à massa, e não ao devedor. Entretanto, querendo, o devedor poderá assistir como interessado natural.

Quanto ao polo passivo, figurará na ação revocatória todos aqueles que participaram da negociação do ato, ou ainda, se beneficiaram de alguma forma. Como a decisão da ação revocatória deve ser uniforme a todos, a LRE exige que haja a presença do litiscorsocio.

Em relação ao paciente da ação revocatória figurará, principalmente, aquele que no termo legal, conseguiu a realização total ou parcial de seus haveres. É aquele que restituirá a massa com o que recebeu devido à prioridade indevida, para voltar ao mesmo patamar que os outros credores, com quem concorrerá com a planilha de ativos do devedor.

O artigo 134 da LRE estabelece para a ação revocatória o rito ordinário, correndo no juízo da falência. No entanto, a ação revocatória não está apenas adstrita ao procedimento da LRE, em relação a prazos e atos processuais aplica-se o Código de Processo Civil subsidiariamente.

Da sentença que decide a ação revocatória, nas hipóteses dos artigo 129 e 130, caberá recurso de apelação.

O juiz poderá tomar duas providências para que os interesses da massa não sejam prejudicados em virtude de uma eventual demora no julgamento da ação, a primeira dela é a concessão da tutela antecipada, bem como, a medida cautelar de sequestro de bens retirados do patrimônio do devedor para a posse de terceiros.

O prazo decadencial para propositura da ação revocatória é de três anos para todos os legitimados, contados a partir da sentença constitutiva da falência.

BIBLIOGRAFIA

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5 Ed. SP: Saraiva, 2005

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7 Ed, SP: Saraiva, 2007

FERREIRA, Waldemar. Instituições de Direito Comercial. RJ: Freitas Bastos, 1946. V. 4

FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. SP: Saraiva, 1963

JUNIOR, Waldo Fazzio. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresa. 2º Ed. SP: Atlas, 2005

MIRANDA, F. C. Pontes de. Tratado de Direito Privado. RJ: Borsoi, 1971. V. 28.

TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. Da Personificação da Massa Falida. Revistas de Direito Mercantil n.78. SP: Revistas dos Tribunais, 1990


[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7 Ed. SP: Saraiva, 2007, p. 301

[2] JUNIOR, Waldo Fazzio. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresa. 2 Ed. SP: Atlas, 2005, p. 307.

[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7 Ed. SP: Saraiva, 2007, p. 295.

[4] JUNIOR, Waldo Fazzio. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresa. 2 Ed. SP: Atlas, 2007, p.315.

[5] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 7 Ed. SP: Saraiva, 2007, p.296

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