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16 de Maio de 2024

Cabimento do pedido de revisão em processo disciplinar

João Carlos Navarro de Almeida Prado aprado@apradoadvocacia.com.br, Mestre em Direito do Estado pela USP, advogado em processos ético-disciplinares da OAB

Publicado por NAP Advogados
há 4 anos

Uma vez transitada em julgado uma condenação disciplinar no Tribunal de Ética, porque todos os recursos cabíveis foram interpostos, ou não, resta avaliar, tecnicamente, se o processo disciplinar permite o manejo eficaz do pedido de revisão.

O pedido, se acolhido, pode resultar em diversas utilidades. No caso de uma pena que esteja em cumprimento, como a exclusão ou a suspensão do exercício profissional, o pedido de revisão, especialmente com manejo de um pedido liminar, pode obstar o prosseguimento da pena, permitindo a imediata retomada do exercício da advocacia. Já uma pena de censura ou suspensão findada pode ser afastada do prontuário, evitando que nova condenação importe em reincidência em infração disciplinar, transformando uma possível pena de censura em suspensão ou fazendo com que esta última seja majorada, além de outros efeitos, como impedir que o advogado integre chapa para eleições no órgão de classe.

Nos termos do Estatuto da OAB, o pedido revisional pode se fundar em erro de julgamento ou condenação baseada em prova falsa (art. 73, § 5º). Esta última ocorreria em situações em que o decreto condenatório do advogado representado teve por embasamento prova que, posteriormente, revele-se falsa do ponto de vista formal ou material.

Mais comum é a revisão embasada em erro de julgamento, fundamento que a legislação pouco esclarece e recebe, em regra, interpretação restritiva pelos Tribunais de Ética e Conselhos Seccionais, em contraste com o entendimento mais abrangente do Conselho Federal da OAB.

No âmbito dos Conselhos Seccionais, prevalece o entendimento de que aquilo que poderia ter sido trazido pelo advogado representado no decorrer do processo disciplinar ou em sede recursal e não o fora, está alcançado pela preclusão maior da coisa julgada, impedindo a reanálise dos fatos em sede de pedido de revisão.

Não obstante, o Conselho Federal da OAB entende que a existência de matéria de ordem pública que se traduza em nulidade absoluta constitui erro de julgamento, viabilizando o adequado manejo do pedido revisional:

RECURSO 2010.08.04511-05/SCA-PTU (SGD: 49.0000.2012.006043-2/SCA-PTU). Recte.: M.E.C.S. (Adv.: Meyre Elizabeth Carvalho Santana OAB/GO 5606). Recdo.: Conselho Seccional da OAB/Goiás. Relator: Conselheiro Federal Gilberto Piselo do Nascimento (RO). EMENTA 068/2012/SCA-PTU. Recurso - Exclusão - Decisão unânime - Pedido de Revisão das condenações anteriores - Questão prejudicial -- Infração praticada sob a égide da Lei nº 4.215/63 - Prescrição regida pela Lei nº 6.838/80 - Erro de Julgamento configurado - Matéria de Ordem Pública - Reconhecimento de ofício - Provimento ao recurso interposto. 1. A Revisão das condenações que sustentam processo de exclusão revela-se como questão prejudicial, para aferição das matérias que devem ser reconhecidas de ofício, como o erro de julgamento evidente ou a prescrição. Máxime quando requerido pela interessada dentro do compêndio processual que alicerça a exclusão. 2. A prescrição da pretensão punitiva rege-se com observância da Lei 6838/80, quando se trata de infração praticada antes da vigência da Lei 8906/94, ocorrendo em cinco anos contados da data do conhecimento do fato ou da intimação para a defesa prévia, não sendo interrompida por qualquer outra circunstância que não o julgamento e aplicação da pena respectiva. 3. Anulada a condenação imposta em um dos três processos que alicerçam a exclusão, deve esta ser afastada, pela ausência do requisito específico, dando-se provimento ao recurso da parte interessada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que integra o presente. Brasília, 14 de fevereiro de 2012. Gilberto Piselo do Nascimento, Presidente e Relator. (DOU. 28.06.2012, S. 1, p. 333)

Tal entendimento amplo da expressão “erro de julgamento” segue a mesma lógica e sistemática da revisão criminal. Nesse sentido, dispõe o art. 626, do Código de Processo Penal: “Art. 626. Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo”. Deste modo, por erro de julgamento compreende-se o apontamento de novas provas, elementos ou argumentos que possam levar à absolvição do advogado representado, à modificação da pena indevidamente imposta, ou ainda nulidades ocorridas na tramitação do processo.

No mesmo sentido, o Manual de Procedimentos do Processo Disciplinar (disponível em https://www.oab.org.br/Content/pdf/AnexoUnicoResolucaon022018SCA.pdf), editado pela 2ª Câmara do Conselho Federal da OAB, em seu item 28, determina a aplicação subsidiária da legislação processual comum, com a observância dos seguintes princípios:

(...)
c) a revisão pode ser parcial, com efeito de desclassificação da infração disciplinar, de afastamento de alguma tipificação, ou, ainda, para revisão da dosimetria, ou redução ou readequação da pena aplicada;
(...)
e) o art. 73, § 5º, da Lei nº. 8.906/94 é taxativo, mas na expressão “erro de julgamento” nele inserida como um dos pressupostos da revisão, também se compreende a decisão contrária à Constituição, à lei, ao Estatuto da Advocacia e da OAB, ao Regulamento Geral da OAB, ao Código de Ética e Disciplina e aos Provimentos, na extensão prevista nos arts. 54, VIII, e 75, caput, do EAOAB.

Assim, verifica-se que o pedido de revisão fundado em erro de julgamento, em exegese de maior amplitude, encontra pleno amparo no Estatuto da OAB, no Código de Ética e Disciplina, no Código de Processo Penal e no Manual de Procedimentos do Processo Ético-Disciplinar.

Por fim, resta abordar o cabimento do pedido liminar, que tem amparo no art. 68, § 6º, do Código de Ética e Disciplina. Em todos os recursos no processo disciplinar, à exceção da medida cautelar de suspensão preventiva, há efeito suspensivo, impedindo a produção de qualquer efeito da condenação antes do trânsito em julgado. Já o pedido de revisão, por expressa disposição legal, não suspende os efeitos da condenação, salvo a concessão de tutela cautelar para suspensão da execução, “ante a relevância dos fundamentos e o risco de consequências irreparáveis para o requerente”, por decisão liminar-monocrática do relator.

Se o pedido de revisão é embasado em hipóteses de erro de julgamento plenamente identificados nos autos, que traduzam ilegalidades, inconstitucionalidades, violações ao Estatuto da OAB, ao Código de Ética e Disciplina, ao Regulamento Geral da OAB ou aos Provimentos, com amparo na jurisprudência do Conselho Federal, encontra-se presente a plausibilidade dos fundamentos, ou o vetusto fumus boni iuris.

Caso o requerente esteja naquele momento cumprindo a pena imposta no processo sob revisão, como no prazo de suspensão do exercício profissional, não se revela possível o aguardo do trâmite da revisão, com seu recebimento, designação de relator e futura pauta para julgamento, sob pena do requerente ter protelada situação de eventuais nulidades, encerrando o cumprimento da pena para posterior reconhecimento de sua inadequação. Assim, adequado o pedido de concessão de medida liminar para que seja imediatamente sobrestada a pena de suspensão, até o julgamento definitivo do pedido de revisão, ante a presença do clássico periculum in mora.

Nota-se que, nestes casos, a não concessão do pedido cautelar pode acarretar danos incomensuráveis ao exercício profissional, com repercussões jurídicas de grande monta, qual seja, a continuidade do cumprimento de pena de suspensão e a manutenção desta nos assentamentos profissionais, como a eventual caracterização de reincidência e maus antecedentes.

Em síntese, se a revisão de processo disciplinar não constitui mero expediente recursal, por outro não se pode, a pretexto da existência da coisa julgada, ser mantida condenação disciplinar eivada de qualquer vício procedimental ou inadequação na infração apontada ou pena imposta, pois tratam-se de nulidades que se traduzem em erro de julgamento e encontram amparo normativo e jurisprudencial no Conselho Federal.

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2 Comentários

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Muito bom e esclarecedor o artigo!!
Parabéns!! continuar lendo

As proposições do estudo que versa sobre o instituto do PROCESSI DE REVISÃO DE MEDIDA DISCIPLINAR revelam-se oportunas e consagram a amplitude do direito de defesa, tendo sido a temática alinhada de forma leve, direta e satisfatoriamente pedagógica. continuar lendo