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1 de Maio de 2024

O alcance do CDC no caso 123Milhas

Quem ganhará essa guerra que está por vir?

há 8 meses

As redes sociais e os noticiários estão tomados por um só assunto: a Empresa 123 Milhas informou, na última sexta-feira (18/08/2023), que irá suspender pacotes e emissão de passagens vendidas na Linha “PROMO123”.

A oferta prometia passagens flexíveis - isto é, que poderiam ser emitidas até 24h antes ou depois da data solicitada - em uma condição de preço bem inferior ao valor de mercado.

A conduta da empresa afeta todos os consumidores que tenham adquirido passagens e possuíam embarque agendado entre setembro e dezembro de 2023, os quais serão impossibilitados de viajar.

Como solução da negativa de prestação do serviço e cumprimento da oferta, a empresa propôs a devolução do valor da compra em voucher para ser usado na própria plataforma, com acréscimo de correção de 150% pelo índice CDI (Certificado de Depósito Interbancário), a ser utilizado em até 36 meses.

Pois bem.

A repercussão do caso tem trazido diversos pontos de discussão acerca das possibilidades que os consumidores afetados pela suspensão da emissão de passagens têm para diminuir ao máximo o prejuízo e, principalmente, se o cliente é obrigado a aceitar os vouchers oferecidos pela empresa.

De acordo com o artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor, há, basicamente, três caminhos a seguir:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação - no caso, demandar a emissão das passagens nos exatos termos da oferta;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente - a qual se amolda à proposta feita pela empresa em conceder vouchers no valor da compra;

III - rescindir o contrato e requerer a restituição da quantia paga, monetariamente atualizada, e a indenização por perdas e danos.

Ocorre que, a teor do mesmo dispositivo do CDC, a escolha entre as alternativas é livre do consumidor, e não da prestadora de serviços.

É dizer que não cabe à 123 milhas a decisão de como irá ressarcir os consumidores pelos prejuízos causados, pois essa escolha deve ser feita de forma individual por cada um dos compradores das passagens não emitidas.

Impor, então, que o consumidor aceite vouchers como forma de solucionar o transtorno causado pela negativa de prestação do serviço contratado é uma prática reconhecidamente abusiva.

Em recentíssima decisão proferida no Juizado Especial Cível de Itapecerica da Serra/SP, em sede de liminar, foi determinado à empresa que mantivesse a viagem comprada e emitisse as passagens sob pena de multa diária.

Ou seja: o consumidor optou por exigir o cumprimento forçado da obrigação e seu direito foi devidamente resguardado.

No entanto, para aqueles que pretendem aceitar a emissão dos vouchers oferecidos pela empresa, há alguns pontos que merecem atenção.

O novo contrato a ser firmado prevê uma cláusula de que, em resumo, o consumidor abre mão sobre qualquer outro direito em relação a essa compra - referindo-se, nas entrelinhas, ao ressarcimento em dinheiro ou a indenização por danos extrapatrimoniais.

Embora esses termos causem espanto e dúvida quanto à possibilidade de, em caso de arrependimento, requerer a devolução de valores em dinheiro ou a restituição de crédito ao seu cartão, é importante relembrar que o Código de Defesa do Consumidor dispõe de matéria de ordem pública e interesse social, de modo que suas normas são inderrogáveis pela vontade das partes.

Voltando o olhar para o caso concreto, é dizer que, ainda que o consumidor aceite a restituição por meio de voucher, se essa modalidade for uma imposição feita pelo fornecedor — ao invés de uma opção —, não terá validade jurídica.

O inciso II do artigo 51 do CDC prevê, inclusive, que qualquer cláusula que subtraia ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga por serviço não prestado é nula de pleno direito.

Além disso, ao oferecer os vouchers como forma de compensação pela não emissão das passagens adquiridas, a empresa pretende causar uma sensação de garantia de fornecimento do serviço. No entanto, há de se considerar que não é o que de fato a medida reflete, posto que contará com um modo de fornecimento distinto daquele que foi inicialmente contratado pelo consumidor - cenário que demonstra de forma clara por que ainda é possível reivindicar as perdas e danos.

Outro questionamento que tem surgido diz respeito à justificativa apresentada pela empresa para que tenha tomado a decisão de suspender os pacotes e a emissão das passagens, que, segundo informado, deu-se em decorrência do aumento dos custos da atividade desempenhada, alegando o contexto econômico que o país vive, como a pressão de juros altos, aumento das passagens aéreas e inflação.

A justificativa afasta, ou não, a responsabilidade da empresa?

A doutrina chama de Teoria do Risco do Empreendimento (a qual é amplamente aceita e adotada pelo Superior Tribunal de Justiça) a compreensão de que aquele que se dispõe a fornecer bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes dos seus negócios, independentemente de sua culpa, pois a responsabilidade decorre da atividade de produzir, distribuir e comercializar ou executar determinados serviços.

O tema é também positivado pelo artigo 14 do CDC, o qual dispõe que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Ou seja: todos os argumentos trazidos pela empresa como forma de justificar a negativa na prestação dos serviços contratados se traduzem em riscos naturais da própria atividade, de modo que não se vislumbra qualquer fenômeno que afasta a responsabilidade da empresa pelos danos causados aos consumidores.

Desse modo, não se esqueça: a 123 milhas não pode impor aos consumidores que aceitem os vouchers oferecidos como solução à negativa de prestação do serviço de emissão das passagens adquiridas, sendo esta apenas uma das três opções de medidas que o consumidor poderá escolher adotar para minimizar seu prejuízo decorrente da conduta da empresa, e, além disso, a empresa responde independente de culpa pelos transtornos e danos causados aos consumidores.

Por fim, não é difícil antever a congestão do judiciário que as reiteradas condutas abusivas da empresa trarão. Como uma forma alternativa de solucionar sua demanda, socorra-se às medidas administrativas. Aqui estão algumas opções:

I - contato direto com a empresa via e-mail ou SAC - nesse caso, anote números de protocolo, nome de atendente e data do atendimento;

II - Consumidor.gov.br - site que comporta a plataforma do Procon em escala nacional contra empresas participantes (como a 123 Milhas);

III - Reclame Aqui - site privado que comporta reclamações públicas contra qualquer empresa;

No entanto, se não for possível obter êxito na sua reclamação de forma administrativa, busque um advogado de confiança e reivindique seus direitos!

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