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20 de Maio de 2024

O ataque de animal e a responsabilidade civil

A função ressarcitória e compensatória da indenização

Publicado por Claudia Divino
há 5 anos

 Um conceito conhecido por todos é o da responsabilidade na sua acepção moral, na qual a pessoa infringe um dever e com isso surge o ônus da responsabilidade baseado na culpa.

 A configuração da responsabilidade ocorre a partir do papel que a pessoa possui na situação e o vínculo que a indica como agente ocasionador do resultado .

 A responsabilidade sugere a violação de um comportamento necessário que não foi cumprido.

 No caso da responsabilidade moral que existe no nosso diaadia não temos a necessidade de um resultado negativo para se imputar ao outro a culpa, ela é baseada no conceito abstrato de certo e errado que existe sem qualquer tipo de resultado no mundo concreto.

 Já na acepção jurídica, a responsabilidade apenas se configura com uma efetiva lesão a um direito, seja ele abstrato ou concreto.

 Para uma explicação mais clara quanto aos dois tipos de responsabilidade:

 A responsabilidade jurídica possui um fundamento diferente da responsabilidade conhecida no nosso diaadia, porque esta espelha-se no pecado que tem como função atingir a esfera psíquica individual como forma de castigo pelo comportamento não cumprido.

 Dada a introdução, inserindo o principal conceito a ser tratado neste artigo, qual seja a responsabilidade juridica, explicarei um pouco mais sobre esta para alcançar o seu objetivo e suas consequências na seguinte situação fática: o ataque de um animal doméstico contra uma pessoa.

 O papel da responsabilidade civil (jurídica) é um instituto constituído por um conjunto de regras como meio de se adequar a norma ao caso concreto, valendo-se da correspondência valorativa e objetiva para se evitar a injustiça.

 A doutrina jurídica criou muitas funções para a responsabilidade civil, sendo as principais funções: a ressarcitória, a compensatória, a punitiva, e a sociopreventiva.

 A função ressarcitória tem como finalidade retornar as coisas ao status quo ante.

 O seu principio é a restitutio in integrum, que recoloca a vitima na situação anterior a lesão através de uma indenização fixada proporcionalmente ao dano provocado . Sendo a garantia ao patrimônio a essência deste mecanismo que visa a concretização da manutenção do principio constitucional da propriedade privada.

 Quanto a função compensatória, seu objeto é o patrimônio ideal que não pode ser valorado, direitos e bens que não podem ser ressarcidos.

 Esta função trata da lesão a intimidade, a privacidade, a imagem de um individuo, sendo impossível a restauração ao status anterior, status quo ante, pelo fato de ser uma lesão indelével.

 O papel da função compensatória é garantir a vitima um beneficio para neutralizar efeitos negativos provenientes de sentimentos suscitados pela situação.

 A indenização neste caso não é como a da função ressarcitória que equivale ao dano, esta limita-se a reequilibrar a situação que não poderá ser reestabelecida.

 Mas quando passamos a analisar o mecanismo sancionatória que a responsabilidade pode ter, temos a função punitiva, denominada punitive damages pela doutrina anglo-saxã.

 A punitive damages possui uma dupla finalidade: a de modificação e conscientização do comportamento danoso através da sanção; e a segunda é ser um modelo para que outros não cometam o mesmo erro.

 São duas teorias que sustentam o mecanismo da punitive damages, a teoria da pena privada e a teoria do desestimulo. Sendo este um assunto que demanda uma explicação mais profunda e que não é pertinente para o tema principal, abordaremos agora a ultima função denominada sociopreventiva.

 A função sociopreventiva tem como fim último a prevenção de se evitar a infração. Portanto, é um meio acautelatório dado pelo instituto da responsabilidade.

 O princípio que a guia é o principio da prevenção, baseado na prudência e no dever de segurança pilares da responsabilidade civil moderna. O responsável por exercer a função preventiva é o Estado e outras entidades da sociedade para assegurar a segurança dos indivíduos.

 Podemos então visualizar a abrangência que a responsabilidade civil possui no campo da atuação social e na esfera individual, subdividindo-se a sua atuação em duas dimensões: a dimensão repressiva e a dimensão preventiva.

 Saindo um pouco do campo doutrinário e analisando a legislação civil brasileira deste tema, temos o artigo 186 do Código Civil para a imputação da responsabilidade civil:

“ Aquele que, por ação ou omissão voluntaria, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

 Podemos desmembrar o artigo 186 do C.C. em 3 partes: a conduta, a culpa e o dano.

 A conduta é ação ou a omissão voluntária do agente; a culpa é a negligência ou a imprudência, nos termos da lei, juntamente com a imperícia; e, por último, o dano material ou extrapatrimonial, como por exemplo é o dano moral.

 Caso na situação o agente tenha praticado a conduta em legitima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, tem-se excluída a responsabilidade perante o caso em apreço.

 Nos termos do art. 188, também se desvencilha da responsabilidade aquele que destrói ou deteriora coisa alheia ou lesiona alguém com a finalidade de remover perigo iminente (não podendo exceder os limites indispensáveis para a remoção do perigo).

 Depois de fazer uma introdução um pouco longa da responsabilidade civil ,apresentei o artigo mais importante para a configuração da responsabilidade jurídica do Código Civil de 2002.

 Vejamos agora o tema principal deste texto que é o ataque de animais e seu caso sob judice em uma ação de indenizatória.

 Primordialmente, devemos saber que o artigo que possibilita a adequação deste caso com a legislação vigente é o artigo 936 do Código Civil.

 A responsabilidade neste caso tem como função o retorno ao status quo ante através da indenização. Ou seja, pagar o tratamento médico para a vítima que sofreu lesões corporais por conta de um ataque animalesco. Possui tambem a função compensatória , devido a violação de direitos subjetivos da vitima, passível portanto, da indenização moral assegurada pelo inciso X, do art. da Constituição Federal de 1988.

 Sendo a vida um direito inviolável protegido pelo “caput” do art. da Constituição Federal de 1988, a responsabilidade objetiva do agente dono animal acarreta a imposição do pagamento do tratamento médico da vítima.

Do art. 949 do Código Civil de 2002:

“No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”

 Quanto à indenização a ser dada para o caso do ataque de animal contra um ser humano, o quantum é estabelecido através da extensão do dano, nos termos do art. 944 do Código Civil.

 No caso de ocorrer a morte da vítima durante o ataque do animal a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I.No pagamento das despesas com o tratamento da vitima, seu funeral e o luto da família.

II. Na prestação de alimentos, às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vitima.

 No que concerne ao tipo de responsabilidade adotada neste caso, não se aplica o conceito inicial apresentado neste artigo, que é o da culpa.

 Portanto, não se utiliza o artigo 186 do Código Civil para se pleitear a indenização nos casos de ataque de animais a seres humanos.

 Independentemente de culpa, o dono do animal responderá pelas lesões corporais que o animal ocasionou na outra pessoa.

 Tem-se configurado, neste caso, a responsabilidade objetiva.

 Segue abaixo entendimentos jurisprudências que tratam de ações indenizatórias no caso de ataque de animal:

Indenização por danos materiais e morais. Agressão de cachorro do réu, da raça 'pitbull', que levara à morte o cão menor da autora. Alegação de cerceamento de defesa sem consistência, pois se trata de responsabilidade objetiva. Devido processo legal observado. Referência sobre excludente de culpa por motivo de força maior sem consistência. Inobservância dos cuidados necessários para evitar a evasão de cão feroz da residência. Perda do animal de estimação da autora trouxe enorme angústia e profundo desgosto. Danos morais caracterizados, inclusive 'in re ipsa'. Danos materiais demonstrados ante as despesas de veterinário e medicamentos. Sentença que se apresenta adequada. Apelação desprovida.

(TJSP; Apelação Cível 1017159-32.2017.8.26.0037; Relator (a): Natan Zelinschi de Arruda; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araraquara - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/03/2019; Data de Registro: 18/03/2019)

APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – ATAQUE DE CACHORRO – AMPUTAÇÃO TRAUMÁTICA DE 50% DE PAVILHÃO AURICULAR – DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS – POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO – SÚMULA 387, DO STJ – FIXAÇÃO DE VALOR ÚNICO QUE PODE SER ADMITIDA – DEFORMIDADE DEFINITIVA CAUSADA A MENOR – DANO ESTÉTICO EVIDENTE – NÃO OBSTANTE A INDENIZAÇÃO DEVA SER BALIZADA PELA CONDIÇÃO FINANCEIRA DOS OFENSORES, QUE, NO CASO EM EXAME, NÃO SÃO PESSOAS ABASTADAS, O VALOR ARBITRADO PELA SENTENÇA (R$ 20.000,00) COMPORTA MAJORAÇÃO A R$ 25.000,00 SOB PENA DE NÃO REPARAR INTEGRAL E ADEQUADAMENTE OS DANOS DECORRENTES DO ATO ILÍCITO EM QUESTÃO. - RECURSO PROVIDO EM PARTE.

(TJSP; Apelação Cível 1025745-98.2018.8.26.0562; Relator (a): Edgard Rosa; Órgão Julgador: 22ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/05/2019; Data de Registro: 17/05/2019)

Ato ilícito extracontratual – Ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos – Demanda de pessoa natural em face de microempresa proprietária de animais caninos – Sentença de parcial procedência, apenas com relação aos prejuízos morais e materiais – Recurso do autor – Parcial reforma do julgado – Cabimento – Autor que, ao adentrar ao estabelecimento comercial da ré a fim de adquirir algumas peças, foi violentamente atacado por um cachorro de grande porte, o qual mordeu-o no rosto e lhe ocasionou várias lesões – Longo tratamento buco-maxilo-facial por conta das extensas cicatrizes na face, mormente na região da boca e lábios – Sequelas estéticas ainda evidentes - Responsabilidade objetiva do proprietário do animal – Existência - Inteligência do art. 936, do CC – Indenizações por danos morais e estéticos - Possibilidade de cumulação – Súmula 387 do STJ – Observância – Majoração dos montantes indenizatórios, segundo os pedidos iniciais – Viabilidade. Apelo do autor provido.

(TJSP; Apelação Cível 1000716-63.2018.8.26.0233; Relator (a): Marcos Ramos; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ibaté - Vara Única; Data do Julgamento: 15/05/2019; Data de Registro: 17/05/2019)

RESPONSABILIDADE CIVIL. ATAQUE DE CÃES. Autor pretende o recebimento de indenizações pelos danos materiais e morais que alega ter sofrido em razão de ataque pelos cães de propriedade do réu. Sentença de improcedência. Apelo do autor. Requerente foi atacado pelos cães de propriedade do autor na via pública. Réu que tinha o dever de guarda dos animais. Responsabilidade objetiva pelos danos causados. Precedentes deste E. TJSP. Não comprovada culpa exclusiva do requerente, ônus que era do réu. Danos materiais que são indevidos por falta de comprovação. Danos morais decorrentes do sofrimento causado pela lesão e pelo temor em razão do ataque. Quantum que deve ser adequado às peculiaridades do caso e às condições financeiras das partes. Recurso provido em parte.

(TJSP; Apelação Cível 1000823-98.2016.8.26.0582; Relator (a): Mary Grün; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Miguel Arcanjo - Vara Única; Data do Julgamento: 14/01/2019; Data de Registro: 14/01/2019,

Nota da autora:

 O meio consensual pode ser o caminho mais tortuoso ou o menos.

Acredito ser o meio consensual mais usual nos casos em que os direitos violados são delimitados tanto na matéria, como nas suas extensões. Tal reflexão minha advêm do mecanismo de troca que o ser humano possui como forma de se relacionar com o mundo.

 Não tenho tal reflexão como absoluta, acredito que todos os seres humanos possuem a capacidade de entrar em acordo e fazer as pazes, sem ver na punição o meio correto de se fazer a justiça.

 Adotando a harmonia e o equilibrio como referências para a imputação da responsabilidade subjetiva e objetiva, não acho que a responsabilidade civil deve ser utilizada na forma da punitive damages (função sancionatória), sendo este um meio que cultiva a reprovação, e a partir dela nasce o medo e o ódio como conexões sociais.

Referência bibliográfica

Código Civil

Site do Tribunal de Justiça

Constituição Federal de 1988

GIANCOLI, Brunno Pandori. Direito Civil.3.ed.rev.e.atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. (coleção elementos do direito;v.4/ coordenação Marco Antônio Araújo Jr. , Darlan Barroso.

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