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22 de Maio de 2024

“Personalidade voltada para o crime”

Publicado por Evinis Talon
há 7 anos

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Quem milita na prática penal já deve ter visto alguma sentença condenatória na qual, durante a dosimetria da pena, o Juiz se valeu de expressões como “o réu tem a personalidade voltada para o crime”, “ninguém desabonou a conduta do réu” ou “a personalidade deve ser valorada de forma negativa, diante da folha de antecedentes do réu”.

Há inúmeras críticas que devem ser feitas nessa parte da dosimetria da pena, desde a indevida adoção de um Direito Penal do autor até o “bis in idem” que ocorre entre as circunstâncias judiciais referentes aos maus antecedentes e à personalidade, bem como em relação à agravante da reincidência.

A evidente vagueza das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal exige, para uma valoração negativa de alguma delas, que o Magistrado fundamente de modo idôneo, sob pena de o vago ser justificado pelo inexistente, o que seria teratológico.

Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu:

HABEAS CORPUS. DELITOS CONTRA O PATRIMÔNIO. DOSIMETRIA DO ROUBO CIRCUNSTANCIADO. FUNDAMENTAÇÃO DO AUMENTO DA PENA-BASE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PERSONALIDADE. MOTIVOS. CONSEQUÊNCIAS. VALORADAS NEGATIVAMENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Embora o tema ora levantado – majoração da pena-base sem fundamentação adequada – não tenha sido objeto de irresignação e de análise pelo Tribunal estadual, e apesar de transcorridos dezenove anos após o trânsito em julgado da condenação, os autos revelam a existência de constrangimento ilegal flagrante passível de ser reparado neste momento.

[…]

Já a personalidade, as consequências e os motivos do crime foram sopesados em desfavor do paciente sem que o sentenciante demonstrasse a existência de elementos aptos a motivar o recrudescimento da reprimenda, uma vez que adotadas expressões vagas e soltas, tais como: péssima natureza, pessoalidade desprovida de qualidades morais, ganância e efeitos graves.

3. Habeas corpus não conhecido, mas concedida ordem de ofício apenas para reduzir a pena de Lamartine Nixon Pereira a 6 anos, 8 meses e 26 dias de reclusão (Processo n. 0002300-10.1996.8.24.0008, da 1ª Vara Criminal da comarca de Blumenau/SC).

(HC 372.688/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 26/06/2017)

A decisão acima demonstra com perfeição a praxe judicial, felizmente corrigida pelo STJ nesse caso concreto. Eleva-se a pena por meio de frases curtas e desconexas. Assim, tomando essa decisão como exemplo, teríamos um aumento da pena como decorrência de uma “personalidade desprovida de qualidades morais”. Os Juízes, em grande parte, não explicam quais seriam as qualidades morais desejadas e por meio de quais provas chegaram à conclusão de que o réu não as tem.

Não raramente, a ausência de fundamentação é substituída por juízos morais, isto é, por uma punição maior em virtude de fatos que não se relacionam com o crime, como a conduta social e a personalidade. Atribuir um juízo moral não ligado diretamente ao crime é aumentar a pena em virtude dessas circunstâncias como decorrência de algo alheio à conduta típica.

Ademais, se o mesmo Juiz que realiza esses juízos morais ouvisse o senso comum, possivelmente diminuiria a pena do réu em razão do fato de ser acusado e condenado por um Magistrado e um Promotor que recebem uma imoralidade chamada “auxílio-reclusão”. Ou será que o senso comum não acha esse benefício imoral? Aliás, aqui sim se trata de “benefício”, ao contrário dos direitos previstos na Lei de Execução Penal – equivocadamente chamados de “benefícios” por muitos Juízes e Promotores –, que são condicionados a inúmeros requisitos.

Além desses juízos morais, também não é raro a ocorrência de “bis in idem”, especialmente entre maus antecedentes e personalidade do agente. Nesse caso, utilizam-se, de forma incorreta, condenações transitadas em julgado como parâmetro para negativar as duas circunstâncias judiciais mencionadas.

Coerentemente, o STJ manifesta-se contra esse “bis in idem”, conforme decisão a seguir:

[…]

DOSIMETRIA. PENA-BASE. CONDENAÇÕES TRANSITADAS EM JULGADO. VALORAÇÃO NEGATIVA DOS ANTECEDENTES E DA PERSONALIDADE DO AGENTE. IMPOSSIBILIDADE. BIS IN IDEM. COAÇÃO ILEGAL EVIDENCIADA. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO.

1. Condenações criminais transitadas em julgado não podem ser utilizadas para negativar mais de uma circunstância do artigo 59 do Código Penal, na espécie os antecedentes e a personalidade do agente, majorando-se com mais intensidade a pena-base.

2. Agravo regimental a que se nega provimento. Ordem concedida de ofício para afastar o desvalor da personalidade, redimensionando a pena privativa de liberdade.

(AgRg no REsp 1581047/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2017, DJe 07/06/2017)

Destarte, é necessário avaliar não apenas a fundamentação – que deve ser jurídica, e não moral –, mas também a ausência de “bis in idem”, não podendo o mesmo fato aumentar a pena em mais de uma circunstância judicial.

  • Sobre o autorAdvogado, Doutor em Direito Penal, professor, autor de 7 livros e ex Def. Púb.
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Apenas para complementar professor Evinis, a Súmula nº 241 do STJ estabelece que a reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial.

De fato, a personalidade voltada para o crime ou serve de maus antecedentes na primeira fase de dosimetria da pena (art. 59, CP) ou como agravante na segunda fase de dosimetria da pena, mas jamais poderá ser considerada em ambas as fases, sob pena de configurar "bis in idem". continuar lendo

Eu, mesmo não sendo juiz, nem conhecedor da área jurídica, afirmo com certeza que conheço muitas pessoas que se enquadram perfeitamente no tipo de “personalidade desprovida de qualidades morais”, até mesmo ex-presidentes da nossa República. Mas, no nosso país, criminosos são tratados como "coitadinhos". O julgamento do "Mensalão" pelo Supremo Tribunal Federal provou isso. Até o juiz Sérgio Moro, na Operação Lava Jato, está aplicando, no meu entendimento de brasileiro inconformado com a alta corrupção reinante, penas pequenas para bandidos da mais alta periculosidade. No texto, fiquei com uma dúvida: magistrados e promotores, no pleno exercício de suas funções de julgar e acusar, respectivamente, recebem auxílio-reclusão? De que se trata tal tipo de auxílio? E mesmo que recebam outros benefícios, o que isso teria a ver com a dosimetria da pena aplicada a criminosos? continuar lendo

Acesse o site da Previdência Social e pesquise sobre o tão decantado "auxílio-reclusão". Ele é devido a dependentes de trabalhadores presos em regime fechado ou semi aberto, e que recebiam salário por ocasião da prisão, de no máximo R$ 1.292,00. Poucos presos se enquadram nesse perfil. Pessoas mal intencionadas usam informações erradas para causar revolta na população trabalhadora. continuar lendo

Você tem certeza que juízes e promotores recebem “auxílio-reclusão”? Jamais ouvi falar deste nepotismo. Favor fundamentar. continuar lendo

Acho que o autor quis se referir ao "auxílio-moradia" que os juízes e promotores recebem. continuar lendo