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4 de Maio de 2024

Registro de paternidade só pode ser anulado se houver vício de consentimento

Publicado por Leonardo Goes
há 10 anos

Registro de paternidade só pode ser anulado se houver vício de consentimento

Aquele que reconhece voluntariamente a paternidade de criança sabendo que não é o pai biológico não tem o direito subjetivo de propor posteriormente ação de anulação de registro de nascimento, a não ser que demonstre a ocorrência de vício de Essa foi a Essa foi a decisão unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, acatou os recursos especiais interpostos pela representante da criança e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Inicialmente, um homem ajuizou uma ação anulatória de registro de paternidade, argumentando que registrou a criança, nascida em 2003, sob enorme pressão psicológica e coação irresistível imposta pela mãe. Na ação, ele afirma que “sempre soube que a criança não era seu filho”. Ele sustentou que não se trata de negatória de paternidade, mas de mera anulação de registro. Seu objetivo era a declaração da inexistência da relação jurídica de parentesco entre ele e a criança.

Na contestação, a representante da criança afirma que, ao saber da gravidez, o homem não levantou dúvidas a respeito da paternidade que lhe foi atribuída, tendo, inclusive, sugerido a realização do aborto. Diante da decisão da genitora de manter a gravidez, o homem prestou todo auxílio necessário durante a gestação. A mãe afastou qualquer possibilidade de coação, afirmando que ele registrou a criança sem vício de vontade.

Na audiência preliminar, o juiz homologou acordo para realização de exame de DNA, cujo laudo é conclusivo no sentido de excluir a paternidade biológica. Na sentença, o pedido formulado pelo homem foi julgado improcedente sob o fundamento de que “as alegações e provas trazidas nos autos pelo autor são insuficientes a amparar a desconstituição e/ou invalidação de seu ato”.

Com isso, o homem recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que acatou sua apelação sob o fundamento de que, “sendo negativa a prova pericial consistente no exame de DNA, o estado de filiação deve ser desconstituído coercitivamente”. Daí o recurso especial interposto pelo representante do menor e pelo MPDFT em que alegam divergência jurisprudencial e ofensa ao artigo 1.604 do Código Civil de 2002.

Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi afirma que diretrizes devem ser muito bem fixadas em processos que lidam com direito de filiação, para que não haja possibilidade de uma criança ser desamparada por um ser adulto que a ela não se ligou, verdadeiramente, pelos laços afetivos supostamente estabelecidos quando do reconhecimento da paternidade.

Segundo a ministra, o julgamento deve ser pautado pela duradoura prevalência dos interesses da criança, sentimento que deve nortear a condução do processo em que se discute, de um lado, o direito do pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação.

Ela afirma que o ato só pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento. Isto é, para que haja efetiva possibilidade de anulação do registro de nascimento do menor, é necessária prova robusta no sentido de que o relutante pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido. A ministra entende que não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade em que o próprio recorrido manifestou que sabia perfeitamente não haver vínculo biológico entre ele e o menor e, mesmo assim, reconheceu-o como seu filho. Além disso, o simples receio de ter contra si ajuizada uma ação, possivelmente uma investigatória de paternidade, não pode, jamais, ser considerado como “coação irresistível”, conforme alegado pelo pai, que, por sua vez, ajuizou ação para anular o ato de reconhecimento de filho que praticou espontaneamente.

A ministra finaliza, afirmando que o julgador deve ter em mente a salvaguarda dos interesses dos pequenos, porque a ambivalência presente nas recusas de paternidade é particularmente mutilante para a identidade das crianças, no sentido de tornar, o quanto for possível, contínuos os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento. (leogoesadv@gmail.com-Formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie)

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21 Comentários

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O fato é que um cidadão registrou uma criança como filho, sabendo ou não. Posteriormente, por algum motivo, solicitou comprovação de paternidade. A comprovação deu negativa para paternidade. Mesmo sendo leigo, comprovada a negativa de paternidade, deveria ser, de imediato, cancelada a certidão, independente de qualquer sentimento. Até porque, acredito que os Cartórios não expedem certidões sem comprovação do nascimento e de filiação. continuar lendo

Em minha maneira de ver o problema, reputo que a manutenção desse registro é psicologicamente mais danosa ao menor registrado que a anulação do ato, ora pleiteada. Após todo esse trâmite - que fatalmente virá a ser do conhecimento do registrado -, este jamais aceitará como pai o requerente da anulação tanto pelo fato de o mesmo não ser biologicamente e tampouco querer sê-lo sentimentalmente, demonstrando cabalmente na ação movida, não nutrir o menor apego ou amor paterno para com esse menor. Como julgador eu anularia esse registro possibilitando à mãe fazer seu filho conhecer e/ou saber qual sua real origem; origem biológica que foi essa sim, a razão única de seu nascimento e de sua vinda à face da terra. continuar lendo

Parabéns, Agamenon!

Com certeza sua visão deveria ter sido a verdadeira e única fundamentação no pleito de nulidade da paternidade, o que ademais pudesse servir para robustez da lide deveria ser um derivado disso. Acredito que a argumentação utilizada foi muito controversa ao ordenamento jurídico no tocante ao respeito da criança e garantia da integridade psicológica desta.
Concordo com você em gênero, número e grau.
(...) Mas, não atribuo responsabilidade ao magistrado que julgou o caso, embora, você está certo mais uma vez ao dizer que como julgador anularia o registro pois o entendimento que você norteou poderia fluir espontaneamente do magistrado (s) que julgou o caso. Infelizmente, o certo e o justo tem valor subjetivo nas mentes humanas. continuar lendo

Todas as explicações e dúvidas se limitam à situação de pai de uma criança. E no caso de pai e filho (maior de idade), por incompatibilidade ou desgosto profundo entre si, decidirem por vontade própria se desligarem desse parentesco, há como anular a paternidade? continuar lendo

O relacionamento pai e filho, independente de ser biológico ou não, tem que existir amor. Muitos pais não biológicos assumem de maneira fantástica os pequenos cuidando-os e mantendo-os como seus, e as vezes requerem até a paternidade destes quando registrados só em nome da mãe. A experiencia me leva a crer que em certos casos, a forçação da barra não irá simplesmente transformar o não pai em pai pelo simples fato de haver um registro em cartório, a não ser que o único objetivo desta causa seja para mantença do pequeno, o que se é muito corriqueiro hoje em dia. A meu ver sentimentos ainda existem, e não devemos descuidar, para num futuro, quando o pequeno estiver adulto não venha a sofrer sequelas ao descobrir que seu pai não é seu pai, mais uma figura criada cujo o único intuito era para satisfazer a sua manutenção. Se o mesmo foi coagido ou não, se o mesmo teve ou não a oportunidade anterior de defesa ou não, ou mesmo se foi levado por compaixão e depois veio o arrependimento, o certo é que o mesmo não é pai, não possui sentimentos de pai, e nunca será pai desse pequeno, trata-se de uma situação constrangedora para as partes. continuar lendo