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27 de Maio de 2024

Será que o ato de Cunha é formalmente constitucional?

A redução da maioridade penal poderia ser decidida duas vezes na mesma sessão legislativa, segundo julgado do STF.

Publicado por Rafael J Dias
há 9 anos

A redução da maioridade penal poderia ser decidida duas vezes na mesma sessão legislativa, segundo julgado do STF.

Como se sabe, o devido processo legislativo constitucional deve ser observado no âmbito do Congresso Nacional, e é passível de ser questionado no Supremo Tribunal Federal, por meio de Mandado de Segurança, caso viole as normas constitucionais atinentes ao processo legislativo.

Ser que o ato de Cunha formalmente constitucional

Conforme já ensinou o Ministro Celso de Mello, em plenário, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4029, julgada no dia 07 de março de 2012, ajuizada na Corte pela Associação Nacional dos Servidores do Ibama, - que discutia a constitucionalidade da lei que criou o instituto Chico Mendes, Lei 11.516/2007 - ensinou em seu douto voto que o processo legislativo funciona como o processo civil, a pretensão (iniciativa do projeto de lei) chama-se "pretensão de direito novo", e é como uma petição inicial do processo civil, sendo que o trâmite de tal pretensão deve respeitar as normas do processo, "in casu", o processo legislativo. Passível sempre, portanto, de controle formal perante o Poder Judiciário.

Não são muitas as normas constitucionais que dispõem acerca do trâmite processual legislativo, a mais importante delas é claro, é a que alude o artigo 60, da Constituição, que trata das Emendas Constitucionais. Mais especificamente, no nosso caso, da norma prevista no § 5º, deste dispositivo constitucional, "verbis":

"Art. 60. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa."

Neste embasamento, por uma simples interpretação textual da constituição, a "matéria" que seria o gênero, ou seja, A MAIORIDADE PENAL, somente poderia ser novamente deliberada (votada) na sessão legislativa de 2016.

Não é o mérito da proposta de emenda que agora está em jogo, mas a regularidade formal do ato legislativo. Pela interpretação textual pura e simples, a inconstitucionalidade formal é evidente. Porém, não é assim que vem decidindo o STF.

O STF, no Mandado de Segurança nº 22503/DF, decidiu que os projetos de emenda, tem subespécies, em que as matérias são modificadas em cada uma delas, e que a "emenda aglutinativa" seria uma subespécie do projeto originário, o que retiraria a incidência da norma prevista no artigo 60, § 5º, da CF, vide a ementa, "verbo ad verbum":

"EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, RELATIVO À TRAMITAÇÃO DE EMENDA CONSTITUCIONAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE DIVERSAS NORMAS DO REGIMENTO INTERNO E DO ART. 60, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRELIMINAR: IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA QUANTO AOS FUNDAMENTOS REGIMENTAIS, POR SE TRATAR DE MATÉRIA INTERNA CORPORIS QUE SÓ PODE ENCONTRAR SOLUÇÃO NO ÂMBITO DO PODER LEGISLATIVO, NÃO SUJEITA À APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO; CONHECIMENTO QUANTO AO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. MÉRITO: REAPRESENTAÇÃO, NA MESMA SESSÃO LEGISLATIVA, DE PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL DO PODER EXECUTIVO, QUE MODIFICA O SISTEMA DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, ESTABELECE NORMAS DE TRANSIÇÃO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS (PEC Nº 33-A, DE 1995). I - Preliminar. 1. Impugnação de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que submeteu a discussão e votação emenda aglutinativa, com alegação de que, além de ofender ao par. Único do art. 43 e ao § 3º do art. 118, estava prejudicada nos termos do inc. VI do art. 163, e que deveria ter sido declarada prejudicada, a teor do que dispõe o n. 1 do inc. I do art. 17, todos do Regimento Interno, lesando o direito dos impetrantes de terem assegurados os princípios da legalidade e moralidade durante o processo de elaboração legislativa. A alegação, contrariada pelas informações, de impedimento do relator - matéria de fato - e de que a emenda aglutinativa inova e aproveita matérias prejudicada e rejeitada, para reputá-la inadmissível de apreciação, é questão interna corporis do Poder Legislativo, não sujeita à reapreciação pelo Poder Judiciário. Mandado de segurança não conhecido nesta parte. 2. Entretanto, ainda que a inicial não se refira ao § 5º do art. 60 da Constituição, ela menciona dispositivo regimental com a mesma regra; assim interpretada, chega-se à conclusão que nela há ínsita uma questão constitucional, esta sim, sujeita ao controle jurisdicional. Mandado de segurança conhecido quanto à alegação de impossibilidade de matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada poder ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. II - Mérito. 1. Não ocorre contrariedade ao § 5º do art. 60 da Constituição na medida em que o Presidente da Câmara dos Deputados, autoridade coatora, aplica dispositivo regimental adequado e declara prejudicada a proposição que tiver substitutivo aprovado, e não rejeitado, ressalvados os destaques (art. 163, V). 2. É de ver-se, pois, que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado o substitutivo, e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo, não se cuida de aplicar a norma do art. 60, § 5º, da Constituição. Por isso mesmo, afastada a rejeição do substitutivo, nada impede que se prossiga na votação do projeto originário. O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto. 3. Mandado de segurança conhecido em parte, e nesta parte indeferido." (MS 22503, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/1996, DJ 06-06-1997 PP-24872 EMENT VOL-01872-03 PP-00385 RTJ VOL-00169-01 PP-00181) destacamos

Neste entender, o STF relativiza o termo "matéria" previsto no dispositivo constitucional, entendendo como "matéria" o conjunto específico de caracteres e proposições presentes em cada texto a ser deliberado. Deste modo, o texto originário seria uma "matéria", o substitutivo seria outra "matéria", as emendas aglutinativas (que são substitutivos - colcha de retalhos - de deliberações originárias), seriam outras "matérias", e assim sucessivamente.

O entender do STF, a meu ver desrespeita a "mens legis" (vontade do legislador constituinte) do artigo 60, § 5º, da CF, que ao referir "matéria", em nosso caso, seria o melhor entender o não poder-se deliberar acerca da redução da maioridade penal na atual sessão legislativa de 2015.

No entanto, o Supremo é guardião da constituição, e conforme o precedente acima ementado, o ato de Cunha seria constitucional, pois conforme texto concreto do regimento interno da Câmara dos Deputados, para desespero de muitos, e felicidade de outros tantos.

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São poucas as ocasiões em que se pode dizer "pouco importa o que diz o STF" mais importa a Constituição... Não importa se o texto derrotado na terça-feira saiu de comissão especial, se era o texto original ou resultado de emenda aglutinativa. O objeto é a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Isso foi reprovado. Todo o resto são firulas regimentais que haverão de permanecer circunscritas ao ambiente dominado pelo deputado Eduardo Cunha. A segunda votação é, portanto, inconstitucional. Assim como a proposta de emenda, que altera uma cláusula pétrea da Carta.
Valeu tudo no episódio até agora. Menos responsabilidade, postura ética, respeito e bom senso. O jornalista Ricardo Noblat observa que poucos foram os que ensaiaram, na Câmara, um discurso mais consequente – seja para aprovar ou derrotar a proposta. Ele observa ser fato que a maioria esmagadora dos brasileiros – 87% segundo pesquisa Datafolha – deseja a redução da maioridade penal. “Mas, e daí? Desde quando a vontade de maiorias ocasionais deve ser satisfeita? “Se perguntarem se o sujeito é a favor da pena de morte, é possível que a maioria responda sim. Num passado nem tão distante, a maioria já foi favorável à manutenção da escravidão”. Ele aduz ainda que uma eventual pesquisa sobre se o fechamento do Congresso é melhor para o país, a resposta será provavelmente um assustador “sim”. É claro que ninguém vai pensar em atender. continuar lendo

Não foi o STF que decidiu que as emendas e seus projetos possuem subespécies. Essas subespécies são previstas no art. 118 do Regimento da Câmara. Só pra fins de esclarecimento. continuar lendo

Obrigado, companheiro.
Porém o mote da questão é o que é entendido como "matéria" pelo Supremo, (art. 60, § 5º, da CF), se "matéria" é mesmo sinônimo de espécies ou subespécies de proposições legislativas.
Estar no regimento interno nem é relevante para a competência do STF, como se vê na ementa transcrita. O que importa é o que diz a CF.
No dispositivo constitucional resta claro que "matéria" é diferente da "proposta". Portanto as tais espécies e subespécies se relacionariam à "proposta" e não ao gênero: "matéria".
Vamos ver no que vai dar... continuar lendo

Excepcional artigo! continuar lendo

É cediço que, a Câmara/Senado, ou porque não dizer o Governo, esta eivado de Vicio de Conhecimento, situação que nos coloca em cheque, pois nós (Povo) somos representados por eles. Sera que já não esta na hora de exigir diploma de formação constitucional, pelo menos para se ter certeza que os Governantes detém, o minimo de conhecimento, para cuidar das questões relativas a suas obrigações e não vontade! continuar lendo