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29 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Segunda Câmara de Direito Comercial

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

Nelson Schaefer Martins
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Inteiro Teor

Dados do acórdão
Classe: Apelação Cível
Processo:
Relator: Nelson Schaefer Martins
Data: 2003-02-20

Apelação cível n. , de Lages.

Relator: Des. Nelson Schaefer Martins.

Execução. Embargos. Cheques. Bingo. Nulidade de obrigação oriunda de dívida de jogo. Código Civil de 1916, art. 1.477 parágrafo único. Recurso desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. da comarca de Lages (1 ª Vara Criminal), em que é apelante Bingo Star Ltda. ME e apelado Cidinei Heinzen Marcon:

ACORDAM , em Segunda Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Perante o juízo da 4 ª Vara Cível da comarca de Lages, Cidinei Heinzen Marcon ajuizou embargos do devedor em face de Bingo Star Ltda M.E., que promove execução instruída com cheques no valor atualizado de R$ 2.835,55, em 20.07.2000.

Aduziu que as cártulas emitidas pelo embargante destinavam-se exclusivamente à quitação de dívida de jogo; o embargado atua no ramo de "vídeo bingo, caça níqueis e demais jogos de azar".

Invocou as disposições dos arts. 741, 745 do CPC e 1.477 do Código Civil de 1916 e apontou ausência dos requisitos do art. 586 caput do CPC.

A embargada impugnou argüindo em preliminar a tese de que o embargante não é proprietário do imóvel dado em garantia e de que não seria possível admitir-se a penhora de imóvel não escriturado em nome do devedor; requereu a suspensão dos embargos até a efetiva e total garantia do juízo com bens do executado, livres e desembaraçados.

No mérito asseverou que o credor é pessoa jurídica, que opera legalmente a atividade comercial que é fiscalizada pelas autoridades competentes. Insistiu na assertiva de que são exigíveis as dívidas contraídas em jogos de bingo.

Houve réplica.

A sentença julgou procedentes os embargos para declarar a embargada carecedora de ação, pois ainda que autorizado o funcionamento do estabelecimento, o Código Civil, art. 1.477, não obriga o pagamento de dívida de jogo; condenou-a no pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da causa e declarou a insubsistência da penhora.

A embargada apelou tempestivamente com os seguintes argumentos: a) cerceamento de prova; b) a apelante demonstrou nos autos, o exercício de atividade legalmente autorizada e fiscalizada, com o pagamento de licenças e tributos incidentes; c) qualificou de teratológica a sentença, vez que faz com que o executado deixe de pagar o débito que assumiu mediante a emissão de cheques; d) enriquecimento ilícito por parte do apelado; e) o beneficiário indicado na cártula é terceiro em relação ao exeqüente, que endossou o título possibilitando ao apelante a execução; f) o apelado não provou cabalmente ser o título oriundo de atividade ilegal; g) os cheques possuem os requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade; h) redução dos ônus da sucumbência em 10% sobre o valor dado aos embargos.

O recurso foi preparado e contra-arrazoado.

Os autos ascenderam a esta Corte Estadual de Justiça.

É o relatório.

A atividade explorada pela credora é autorizada pelo art. 6 o , inc. V da Lei Estadual n. 11.348 de 17.01.2000 que "Dispõe sobre o serviço de loterias e jogos e diversões eletrônicas do Estado de Santa Catarina e adota outras providências":

"Poderão ser exploradas as seguintes modalidades lotéricas que terão premiação em bens, serviços e/ou dinheiro:

(...)

V - Bingo - loteria em que se sorteiam ao acaso números de um até noventa, mediante sucessivas extrações, até que um ou mais concorrentes atinjam o objetivo;".

O embargante alegou na preambular que os cheques foram emitidos para quitação de dívida de jogo (fls. 03).

A embargada, na impugnação, não negou este fato e no entanto defendeu a legalidade da atividade comercial que explora (fls. 13, embargos).

Não há dúvida acerca da legalidade e regularidade da prática empresarial da embargante.

Contudo não é este o ponto nodal da questão debatida em juízo conforme bem identificado pela sentença impugnada.

O fato de serem os cheques nominais a terceiros que os endossaram em branco não afasta a possibilidade de discussão da causa debendi, pois a credora preferiu debater e comprovar a licitude de sua atividade do que enfrentar as razões da inicial dos embargos.

A tímida preliminar de cerceamento de prova contida nas razões de apelação não elide o convencimento a respeito da origem da dívida relacionada com o jogo.

A tese do endosso e da condição de terceira foi aduzida apenas em razões de apelo. Porém, na peça de fls. 49 a 55, a preocupação primordial da apelante foi a de justificar a legalidade da dívida contraída em jogo de bingo.

Os elementos que surgem dos autos e a preocupação evidente em comprovar a legalidade do bingo eletrônico permitem concluir que os cheques foram emitidos ao portador e posteriormente preenchidos com os nomes de terceiros - o de n. XXXXX a caneta azul e o de n. XXXXX com carimbo de Volnei sobrenome ilegível.

Nota-se que os cheques foram preenchidos com caneta preta presumivelmente pelo executado.

Nestas circunstâncias surge o convencimento de que foi a própria empresa credora que recebeu os títulos em pagamento não sendo aplicável a disposição do art. 25 da Lei n. 7.357/1985.

Prescreve o art. 1.477 do Código Civil de 1916:

"As dívidas de jogo, ou aposta, não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor, ou interdito.

Parágrafo único. Aplica-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívidas de jogo, mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé".

J. M. CARVALHO SANTOS em sua obra Código Civil Brasileiro Interpretado, 9 ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977, leciona:

"1 - As dívidas de jogo... Entende-se por jogo o contrato aleatório, por meio do qual duas ou mais pessoas prometem a uma dentre elas, a quem for favorável certo azar, um ganho determinado. Em rigor, não há um contrato de jogo, mas apenas um contrato originado do jogo, o que é coisa bem diversa, de vez que o acordo das vontades não recai sobre a operação propriamente dita, mas sobre os resultados.

2 - Ou aposta... Aposta é o contrato aleatório, em que duas ou mais pessoas, de opinião diferente sobre qualquer assunto, concordam em perder certa soma, ou certo objeto, em favor daquela, dentre as contraentes, cuja opinião se verificar ser a verdadeira (CLÓVIS BEVILÁQUA, obr. cit., observ. ao art. 1.477)" ( Op. cit. p. 412).

"3 - Não obrigam a pagamento... Como se vê, o nosso Código, ao contrário de outras legislações, equipara, para todos os efeitos, o jogo e a aposta, negando-lhes, em princípio, o direito de legitimar uma ação judiciária por meio da qual o vencedor pretenda cobrar dos que perderam o pagamento da dívida.

O Código, neste particular, é expresso: as dívidas de jogo não obrigam a pagamento. Quem ganhar o jogo ou a aposta, por conseguinte, não terá recursos judiciais para haver de quem perdeu o pagamento da quantia ou o objeto ganho.

Viciado em sua origem, o crédito não poderá, a nenhum título, tornar-se válido e exigível, como veremos mais adiante.

A nulidade da dívida de jogo ou aposta é de ordem pública, podendo, por isso mesmo, ser alegada a qualquer tempo, por qualquer interessado. Mesmo que o réu não alegue a nulidade, não poderá o juiz condená-lo a pagar, se claramente está provado nos autos que a dívida exigida é proveniente de jogo ou aposta (Cfr. PAUL PONT, Petits Contrats, vol. 1 o , número 636), por isso que, em se tratando de matéria de interesse de ordem pública, pode o juiz intervir de ofício, pronunciando a nulidade" ( Op. cit. p. 413).

"Mas a nulidade da dívida não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé, isto é, aquele que ignore a origem reprovada da dívida.

Quer dizer: o perdente, uma vez transferido o título por cessão, ou endosso, a um terceiro de boa-fé, a este não poderá negar o pagamento, restando-lhe, todavia, direito regressivo contra o cedente ou endossante para dele haver a quantia que tiver sido obrigado a pagar" ( Op. cit. p. 422) (grifado).

Traz-se à colação precedente em Apelação cível n. 43.059, de Concórdia, rel. Des. Trindade dos Santos, Primeira Câmara Civil, j. 22.08.1995:

"CHEQUE - DÍVIDA DE JOGO - EXECUÇÃO - CHEQUE ENTREGUE PELO BENEFICIÁRIO A ADVOGADO PARA A PROMOÇÃO DA RESPECTIVA COBRANÇA - EXECUÇÃO AFORADA EM NOME DE TERCEIRO - ARDIL CARACTERIZADO - ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS - DECISÃO CONFIRMADA.

Nos termos do art. 1.477, do Código Civil, ninguém pode ser demandado por dívida de jogo ou aposta. Cheque emitido para tal fim está desprovido de força coativa, desimportando que a execução seja detonada por um terceiro, salvo se comprovada a boa-fé deste. E, a circunstância de o beneficiário ter entregue o cheque a advogado para que o mesmo efetuasse a cobrança, com a ação sendo, contudo, deduzida em nome de outrem, configura meio ardiloso, ensejador da imputação de ma-fé; ainda mais quando exsurge dos autos que o propalado credor não recebeu o cheque do beneficiário nem com este efetuou qualquer transação a justificar a posse do título".

Trecho do v. acórdão:

"E, na nossa legislação, é de se ver, por tratarem-se de obrigações naturais, não conferem as dívidas de jogo e aposta direito à exigência de seu cumprimento, como resulta claro do art. 1.477 do Código Civil a cujo teor "As dívidas de jogo, ou apostas, não obrigam o pagamento".

Isso porque, segundo o lapidar Clóvis Bevilácqua, "não sendo ato jurídico, o jogo e a aposta não criam direitos. As dívidas, que tiverem nele a sua origem, não são exigíveis"(Código Civil Comentado, vol. 5, pág. 228).

De igual pensar, é a lição de Washington de Barros Monteiro, quando diz:

"Em direito civil, porém, todos os jogos, lícitos ou ilícitos, não geram atos jurídicos, nem obrigam pagamento. Ninguém pode ser demandado por dívida de jogo ou aposta, porque, para efeitos civis, a lei as considera atos ilícitos"(Curso de Direito Civil, vol. 2, pág. 378).

Diverso não é o posicionamento adotado, a respeito do tema, por esta colenda Casa de Justiça.

Evidenciando esse posicionamento, trazemos à colação os seguintes acórdãos:

"Ninguém pode ser demandado por dívida de jogo ou aposta, porque a lei os considera atos ilícitos. Assim os títulos feitos para garantir pagamento de aposta são nulos e não podem ser cobrados"(rel. Des. Eduardo Luz, JC, 2/108).

"Jogo de cartas é, para efeitos civis, ato ilícito. De sorte que dívida de carteado não gera ato jurídico, nem obriga pagamento"(rel. Des. Xavier Vieira, Apelação Cível n. 35.698, de Mafra, j. em 10.3.92).

" As dívidas de jogo ou aposta não obrigam o pagamento, isto é, não são exigíveis "(rel. Des. João Martins,JC 48/506)".

No mesmo sentido precedente em apelação cível n. 99.010353-6, de Turvo, rel. Des. Cláudio Barreto Dutra, Terceira Câmara Civil, j. 20.06.2000 que extinguiu a execução por tratar-se de cheque oriundo de dívida de jogo, cuja tese não foi negada expressamente.

O jogador inexitoso não está obrigado ao pagamento de dívida de jogo, pois não se trata de ato jurídico suscetível de criar direitos.

Isto posto, nega-se provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz e Maria do Rocio Santa Ritta.

Florianópolis, 20 de fevereiro de 2003.

Nelson Schaefer Martins

PRESIDENTE E RELATOR

Ap. Cív.

Des. Nelson Schaefer Martins


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