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29 de Maio de 2024
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    A pandemia (COVID-19) e seu impacto nas relações jurídicas

    Publicado por Perfil Removido
    há 4 anos

    Identificado pela primeira vez em Wuhan, na província de Hubei (China), em dezembro de 2019, o COVID-19 (novo coronavírus) tem sido responsável por diversos casos de síndrome respiratória, levando muitos pacientes à morte.

    O vírus se alastrou de tal maneira, que colocou o mundo em quarentena, atingindo o Brasil em 11 de março de 2020 (ao menos oficialmente).

    Classificado como pandemia, pela Organização Mundial de Saúde, e dada política de enfrentamento instaurada no Brasil, foi editada a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispondo sobre as medidas de combate e emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

    Dentre as medidas previstas, em seu art. 3º, poderão ser adotadas o isolamento, inclusive social, quarentena, determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laborais, restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, requisição de bens e serviço, além de outras medidas.[1]

    A lei, ainda no mencionado artigo, mais especificamente em seu parágrafo único, ressalta que “as pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei”.

    Posteriormente, a lei foi regulamentada por uma portaria do Ministério da Saúde - Portaria 356, de 11 de março de 2020 – trazendo em seus art. 3º e 4º normas a serem seguidas e cumpridas durante as medidas de isolamento e quarenta.

    Na portaria, em seu art. 5º, o descumprimento das medidas de isolamento e quarentena acarretará a responsabilização, nos termos previstos em lei (caput). Cabe ao médico ou agente de vigilância epidemiológica informar à autoridade policial e Ministério Público sobre o descumprimento de que trata o caput (p. único).

    O fato é que a pandemia fez com que o Mundo repensasse toda forma de relacionamento, desde a convivência domestica até relações jurídicas mais complexas, ou seja, todo o cotidiano precisou e precisa ser repensado.

    Tudo mudou e os reflexos disso são inimagináveis e incalculáveis, basta ver todas as medidas adotadas até a presente redação desse texto.

    Só a título de exemplo, o Governo federal editou algumas Medidas Provisórias para enfrentamento da crise que esta por vir, quais sejam, MP 948/2020: disciplina as regras para cancelamento de serviços, reservas e eventos dos setores de turismo e cultura em razão do coronavírus; MP 936/2020: Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda; MP 927/2020: medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade decorrente do coronavirus.

    Como dissemos, não sabemos quais impactos ou consequência advirão dessa pandemia, nem buscamos encerrar eventuais discussões ou debates sobre o tema, o que pretendemos na verdade é apenas dar um horizonte/norte as dúvidas e situações mais corriqueiras de nosso diaadia quando somos diuturnamente demandados a responder.

    Assim, quais os reflexos causados pela COVID-19 no âmbito penal?

    Tendo em vista a recente pandemia do COVID-19, bem como a indicação da OMS (Organização Mundial da Saúde) através do Diretor-Geral Tedros Adhanom de que sejam evitados quaisquer tipos de aglomeração social durante este período de quarentena, considerando também os termos dos Decretos Judiciários Nº 244 e 245 de 30 de Março de 2020.

    Além disso o CNJ caminhou no mesmo sentido com a Recomendação nº 62, de 17 de Março de 2020, quanto a necessária diminuição do ingresso de pessoas no sistema prisional e socioeducativo através da aplicação de medidas alternativas à prisão.

    Neste aspecto, cumpre-se destacar que o atual posicionamento do CNJ reflete o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (HC 143641) quanto ao tema, bem como o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, como bem destacou o Ministro Rogério Schietti ao conceder em habeas corpus a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas à prisão (HC 565799/RJ).

    Não se trata, portanto de um direito subjetivo do encarcerado, tais recomendações e a própria decisão do Supremo, devem ser encaradas como comando humanitário, em que, se há dúvidas de que fora das unidades prisionais o contrário atingirá um sem-número de pessoas, levando muitos que tenham baixa imunidade e deficiências fisiológicas, algumas decorrentes de alimentação e higiene precárias, nenhuma dúvida resta de que, em adentrando ao cárcere, o coronavírus terá alta taxa de letalidade.

    Assim, cabe ao julgador analisar os elementos trazidos pela parte solicitante, assim como, periculosidade, risco de contaminação, conduta dente outros decidir sobre a concessão ou não da medida alternativas à prisão.

    E nas relações de consumo?

    Muitas pessoas demonstram preocupação com os reflexos do surto do coronavírus (e de seus efeitos) para a execução de obrigações contratuais.

    Ve-se por aí várias perguntas no sentido de: devo pagar a Van escolar? Como ficam as mensalidades escolares? Meu plano de saúde não permite agendamento de consultas ou estão suspensas etc.

    E a resposta para isso tudo, não temos, a realidade demandará de todos os interessados paciência, boa-fé, comunicação e ao Poder Judiciário solucionar quando isso não for possível.

    A avaliação da exposição ao risco e dos efetivos reflexos jurídicos dependem da verificação da redação de cada contrato, sendo, portanto, recomendável a apuração caso a caso desses impactos, para cada contratante.

    É de se destacar uma preocupação com a revisão e conservação dos contratos de longa duração ou de trato sucessivo, que se prolongam no tempo, como planos de saúde e mensalidades escolares, que dependendo das condições sócio-econômicas das partes, devem ter suas prestações ajustadas ao caos provocado pela pandemia, com situações como perda de renda ou emprego pelas partes.

    Obviamente as partes envolvidas, devem ser pautar na boa-fé objetiva, em suas funções de interpretação (art. 113, CC, alterado pela Lei da Liberdade Econômica1), de controle (art. 187, CC) e de integração (art. 422, CC), assim como o princípio da justiça contratual.

    Ambas serão afetadas pela pandemia e para o bom relacionamento e futura continuidade da prestação do serviço, terão que ceder de modo a ajustarem à realidade.

    Os potenciais impactos da pandemia de coronavírus devem ser antecipados pelas partes contratantes e podem ser enquadrados como força maior, diante da sua imprevisibilidade e de seus efeitos inesperados e incontroláveis em muitos contratos, podendo fundamentar, na prática, a excludente de responsabilidade do contratante ou o pleito para a revisão ou encerramento do contrato, conforme as características específicas de cada caso concreto.

    Por outro lado, em relação a serviços que possam ser prestados à distância, como é o caso de profissionais liberais como advogados ou contadores, não há que se falar em impossibilidade da prestação.

    Os bens de consumo, seja maior ou menor sua essencialidade, não poderão ter reajustes excessivos, sob pena de ofender a legislação (Código de Defesa do Consumidor, artigo 39, X, que considera como prática abusiva elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços).

    Eventuais alegações de impossibilidade ou dificuldade de realização da prestação ajustada em razão da pandemia, bem como os meios necessários para mitigação de danos ao consumidor, são exigentes de amplos deveres de informação, com esclarecimentos prévios e claros, sob pena de responsabilização pelo fato ou pelo vício do produto ou serviço.

    Por fim, as relações são praticamente infinitas, teríamos exemplos, mas não páginas suficientes para elencá-los. Logo, o Poder Judiciário, quando demandado, terá que analisar caso a caso, de modo a aplicar o direito de maneira que encontre, sobretudo, bom senso e justiça para os dois lados da moeda.

    No âmbito empresarial qual impacto?

    Sabe-se que a pandemia fez com as autoridades brasileiras editassem leis e atos normativos, a fim de que o convívio social foi diminuído, por meio da quarentena, isolamento social e restrição na locomoção em determinados Estados.

    No âmbito empresarial, o pressuposto para celebração de contratos e a liberdade de associação, tem justamente como pressuposto o convívio social, seja por meio físico, como reuniões, assembleias, eventos ou por meio eletrônico, como trocas de e-mails, reuniões virtuais.

    Além disso, muitos seguimentos tiveram suas sedes fechadas, em razão das determinações do Órgãos Públicos que acabaram seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde e também do Ministério e das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

    Os efeitos disso são notórios, empresas declarando falência ou pedindo recuperação judicial, em razão da queda, sem precedentes, de faturamento, redução e até suspensão de salários, sem falar nos números expressivos de demissões.

    Considerando o cenário de pandemia atual, bem como as medidas governamentais tomadas, é razoável flexibilizar e renovar as obrigações pactuadas (por exemplo: as MPs editadas que permitem a redução ou até suspensão dos contratos de trabalhos – seara trabalhista, a possibilidade de alguns seguimentos suspenderem o recolhimentos do FGTS por certo prazo – tributária, além de incentivos aos pequenos e médios empreendedores, flexibilização pelos Bancos no recebimentos de seus créditos, oriundos de financiamentos e uma avalanche e possibilidades – cível/consumidor).

    É provável que a outra parte também esteja passando por dificuldades e não vai querer perder por completo sua fonte de renda, pois como já dissemos, a pandemia afetou a todos, sem qualquer tipo de restrição ou escolha.

    A melhor alternativa é buscar uma solução consensual para o problema, mas, caso reste inexitosa a renegociação, mesmo porque o cenário atual é de calamidade, já temos decisão no país favorável à revisão de contratos devido a situações em que houve decretação de calamidade pública (vide decisões as seguintes decisões:

    STJ AREsp 1088064 MA 2017/0088243-5, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJ 06/06/2017; e TJ-RJ - APL 00064248420118190061 RIO DE JANEIRO TERESOPOLIS 1 VARA CÍVEL, Relator: DENISE NICOLL SIMÕES, Data de Julgamento: 19/11/2015, VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR, Data de Publicação 24/11/2015), mas ainda assim entendemos que a melhor solução parece ser a extrajudicial, como inclusive o Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, defendeu no final de março deste ano, quando, em videoconferência realizada com investidores, afirmou que: "Não há juiz que vá despejar por falta de pagamento. Não há contratos que serão abruptamente rompidos. As pessoas vão ter que se acostumar com a negociação.(fonte: https://g1.globo.com/política/noticia/2020/03/31/fux-defende-busca-pelamediacao-em-processos-judiciais-em-meioacrise-do-coronavirus.ghtml).

    Além de medidas excepcionais para administração do caixa, as empresas impactadas devem considerar buscar a renegociação privada e consensual de suas respectivas obrigações, sem excluir a hipóteses de judicialização nos casos em que restem flagrante essa impossibilidade.

    Em situações mais drásticas e talvez como ultima ratio, pode ser oportuna e necessária a utilização dos regimes de recuperação extrajudicial ou recuperação judicial como forma para viabilizar a reestruturação de dívidas, em ambiente processual organizado, nos moldes da Lei nº 11.101/2005.

    Assim, o momento é de ter organização, prudência e sem dúvidas estar assessorado por equipe séria e especializada nesse tipo de restruturação, pois os desafios a serem enfrentados serão grandes.

    Conclusão

    Face ao exposto, verifica-se que o cenário durante a pandemia também é um pouco obscuro para o Direito pátrio e medidas legislativas estão sendo tomadas e alguns institutos consagrados pelo nosso direito estão sendo invocados. Por isto, pretendemos com o presente texto auxiliar os cidadão de um modo geral a esclarecer, ainda que minimamente, suas dúvidas dando uma direção e talvez refletir e se possível encontrar saídas para os problemas que estão sendo e serão enfrentados.


    [1] Art. 3º - I – isolamento (separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus – art. 2º, I);

    II – quarentena (restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus – art. 2º, II);

    III – determinação de realização compulsória de:

    a) exames médicos;

    b) testes laboratoriais;

    c) coleta de amostras clínicas;

    d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

    e) tratamentos médicos específicos;

    IV – estudo ou investigação epidemiológica;

    V – exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;

    VI – restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos;

    VII – requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e

    VIII – autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que:

    a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e

    b) previstos em ato do Ministério da Saúde.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-pandemia-covid-19-e-seu-impacto-nas-relacoes-juridicas/862189484

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