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26 de Maio de 2024
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    A redução de poder do relator ao julgar o mérito dos recursos no Novo CPC

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Peço perdão aos leitores que se acostumaram com o tom dos artigos que já publiquei nesta coluna. O assunto de hoje exige seriedade absoluta, primeiro pela aridez de seu conteúdo, segundo por estar passando ao largo na rotina forense. Peço paciência e atenção, pois serei breve e irei direto ao ponto: relatores ainda estão julgando monocraticamente recursos que precisam ser levados ao Colegiado.

    O Código de Processo Civil de 2015 (“CPC-15”) reduziu os poderes dos relatores julgarem o mérito dos recursos. Uma leitura paralela entre o art. 557 do Código de Processo Civil de 1973 (“CPC-73”) e o art. 932 CPC-15 já permitiria essa conclusão. Apesar do tratamento mais detalhado do instituto na Lei n.º 13.105/2015, era justamente na singeleza e amplitude da vetusta norma que o julgamento monocrático nos tribunais se difundiu. Leiamos:

    ***

    CPC-15

    Art. 932. Incumbe ao relator:

    I - dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes;

    II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;

    III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;

    IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

    a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

    b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

    c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

    V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

    a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

    b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

    c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

    VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;

    VII - determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso;

    VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.

    ***

    CPC-73

    Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

    § 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

    (...)

    ***

    Negritamos os trechos das normas que tratam de juízo de admissibilidade, quer seja extrínseco (p. ex., preparo) ou intrínseco (p. ex. ausência de impugnação específica). Nesse ponto, o CPC-15 repete o vocábulo prejudicado, exclui o advérbio manifestamente do adjetivo inadmissível e explicita o princípio da dialeticidade recursal, ao lembrar que arrazoar jamais deveria ser recortar e colar. Portanto o relator poderá (como podia no CPC-73) não conhecer monocraticamente do recurso em que a parte “não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida”.

    Sublinhamos os pontos das normas que outorgam poder ao relator de analisar sozinho o mérito do recurso, para negar-lhe provimento. Aqui está uma grande e importante mudança: o CPC-15 fechou a amplíssima janela da negativa de provimento por improcedência ou confronto com jurisprudência dominante do Tribunal local ou dos Superiores. É vedado ao relator entender sozinho que a decisão merece prosperar e negar provimento ao recurso; deverá proferir voto, levá-lo à sessão de julgamento e convencer seus pares do acerto da sua posição. O CPC-15 também proíbe, por omissão, aquelas decisões usuais em que o relator citava um julgado de sua própria Câmara, ou afirmava ser predominante entendimento na Corte toda e negava provimento ao recurso. Ele até poderá usar a jurisprudência não vinculante, mas, aqui também, em voto, a ser submetido ao órgão julgador. Retomado está, portanto, o julgamento colegiado de improvimento recursal.

    Destacamos com itálico as hipóteses hoje permitidas para julgamento monocrático de provimento. Aqui também a expressão jurisprudência dominante foi suprimida pelo legislador que, inclusive, se preocupou em promover ação afirmativa em prol do contraditório efetivo, impondo a necessidade de contrarrazões prévias ao julgamento monocrático de provimento.

    Pois bem. Analisadas as mudanças mais claras sobre o julgamento recursal monocrático de mérito, perguntamo-nos. O que ficou igual? O relator pode dar ou negar provimento fundamentando sua decisão em súmula, quer proveniente do Supremo Tribunal Federal ou ainda do STJ e do próprio Tribunal a que pertence o relator. E o que mudou? A lógica sistêmica do CPC-15 outorgou ao relator o poder de negar ou dar provimento ao recurso com base em acórdão proferido em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ou acórdão proferido em julgamento de Recurso Repetitivo pelo STF e STJ.

    A colegialidade dos julgamentos reduz a chance de erro, além de permitir ao advogado interferir mais e melhor para a construção de uma decisão justa

    Por favor, caro leitor, atente para o conteúdo absolutamente alheio de opinião que até agora adotamos. Apenas pontuamos mudanças e alterações. Entretanto, fazemos questão de gizar sermos favoráveis às mudanças trazidas. A colegialidade dos julgamentos reduz a chance de erro, além de permitir ao advogado interferir mais e melhor para a construção de uma decisão justa. A contrapartida da facilitação na rotina dos Tribunais não se mostrou verdadeira, sendo o julgamento monocrático um mero degrau na escada processual. Isso sem olvidar o subjetivismo da expressão jurisprudência dominante, incompatível com precedentes não vinculantes.

    Seja como for, nos parece que essas mudanças importantes não vêm sendo muito destacadas. Em vídeo que circula na internet, assisti um processualista que muito admiro dizer que a mudança seria insignificante porque o uso do julgamento monocrático era raro. Com todas as vênias, o colega deve ter pouca experiência no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e, até mesmo, no próprio STJ. A negativa de provimento monocrático de recursos improcedentes ou contrários à jurisprudência dominante era expressiva nessas Cortes, e comum em muitas outras, apesar de rara no Tribunal de Justiça de São Paulo. Mais ou menos usada, a prática deve cessar de imediato.

    Lamentavelmente presenciamos, em mais de duas oportunidades, relatores invocando os enunciados administrativos editados pelo Pleno do Superior Tribunal de Justiça para seguirem julgando na forma do CPC-73 recursos interpostos na vigência daquela do Código de Buzaid, mas julgados sob a égide do CPC-15. Relembremos os tais enunciados:

    Enunciado administrativo número 2: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.”

    Enunciado administrativo número 3: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.”

    Os enunciados em questão dizem textualmente que a parte não poderá ser beneficiada ou prejudicada com as novidades do CPC-15 quando seu recurso foi interposto sob a égide do CPC-73. Assim, se você, caro leitor, tiver interposto um Recurso Especial sem procuração na vigência do CPC-73, o STJ já avisou que, mesmo julgando na vigência do CPC-15, não irá conhecê-lo, aplicando a jurisprudência defensiva contida na súmula n.º 115 do STJ (na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos) em vez das regras de saneamento de vícios formais trazidas pelo CPC-15 em seus arts. 76, § 2.º c/c 932, § único). Vale anotar não ser esse o posicionamento do Fórum Permanente dos Processualistas Civis (“FPPC”):

    Enunciado 463: “O parágrafo único do art. 932 e o art. 933 devem ser aplicados aos recursos interpostos antes da entrada em vigor do CPC/2015 e ainda pendentes de julgamento.”

    Quer prevaleça a posição dos enunciados 2 e 3 do STJ ou do enunciado 463 do FPPC, dúvida alguma deveria existir na dicotomia segundo a qual requisitos de admissibilidade não se confundem com regras de julgamento. Como adiantamos acima, relatores têm invocado os enunciados administrativos do STJ para afirmar que recursos interpostos sob a vigência do CPC-73 devem ser julgados pelas regras do CPC-73. O equívoco de direito intertemporal é flagrante, em nítida ofensa ao art. 14 e 1.046 do CPC-15.

    O julgamento monocrático em nada prejudica ou beneficia a parte, portanto mudá-lo no processo em curso jamais ocasionará prejuízo ao direito processual adquirido. Trata-se de simples regra de julgamento, tal como é a fundamentação qualificada (art. 489, § 1.º) ou a necessidade de fixação do ônus da prova no saneador (art. 357, III). Ninguém em sã consciência processual iria cogitar a aplicação destes institutos apenas para os processos ajuizados na vigência do CPC-15. Então está ausente qualquer razão para as regras revogadas de julgamento monocrático pelo relator continuarem em vigor.

    Até mesmo porque o direito processual adquirido é sempre da parte. Nunca ouvi ou li a existência de direito processual adquirido do julgador. Por mais conturbada que seja uma mudança de lei processual para a magistratura, a função jurisdicional é defender as garantias constitucionais da parte, e jamais essa ou aquela prerrogativa legal do julgador, ainda que modificada por lei nova. O julgador, o advogado, o promotor, todos esses agentes, fazem parte do meio - jamais foram, são ou serão, o fim do processo. O CPC-15 deixa escancarado que o processo existe para materializar o direito material da parte, e não tem a finalidade exclusiva de facilitar a vida de seus agentes. Pode até dar mais trabalho relatar, revisar e pautar recursos. Mas é a regra em vigor e precisa ser respeitada.

    Por tudo isso, concluímos ter havido uma expressiva redução dos poderes do relator no julgamento monocrático recursal de mérito no CPC-15, restrição essa que deve ser aplicada a todos os recursos julgados a partir de 18 de março de 2016.

    André Gustavo Salvador Kauffman Advogado em São Paulo e no Rio de Janeiro. Mestre e Especialista em Processo Civil pela PUC/SP. Professor e autor de artigos jurídicos. Membro efetivo do IBDP. Sócio do K.A Advogados (www.kaadvogados.com.br)
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