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17 de Junho de 2024

Boa-fé e confiança são elementares no Direito Tributário

Publicado por Consultor Jurídico
há 11 anos

A existência e funcionamento do ordenamento jurídico, por si só, oferece um estado de confiança mínima aos indivíduos, enquanto fim sistêmico a ser atingido pelos meios que lhe confere o sistema normativo. Contudo, a consolidação dessa confiabilidade dependerá, em muito, da graduabilidade da confiança e convicção de segurança jurídica que se há de constituir ao longo do processo de positivação do direito, como confiança lato sensu (legalidade certeza; ordenamento estabilidade) [1] ou como confiança stricto sensu (experiência confiança).

São possibilidades de aplicação do princípio de confiança stricto sensu, entre outros, o impedimento de atos contraditórios (venire contra factum proprium), a suppressio, a vedação de aplicação de critérios novos a fatos passados, o silêncio ou a observância das práticas reiteradas da Administração, a confiança formada a partir das condutas transparentes e espontâneas do particular, a preservação dos direitos adquiridos com isenções, remissões, anistias ou transações, entre outras. [2]

O princípio da proteção da confiança legítima garante o cidadão contra modificações substanciais inesperadas, mas também daqueles casos cuja permanência de certas situações jurídicas, pelo decurso do tempo ou pela prática continuada da Administração, já não autoriza a revogação ou a anulação do ato administrativo, [3] para fazer valer uma legalidade incongruente com a confiabilidade adquirida. A Administração deve respeitar esse estado de confiança legítima [4] e, ao mesmo tempo, controlar os seus atos em conformidade com o respeito à confiança dos indivíduos na ação dos órgãos estatais.

A confiança é um estado psicológico. Por isso, para que ela possa ter eficácia jurídica, deverá revelar-se, objetivar-se de algum modo. Nesse esforço de determinação do seu conteúdo, deve-se afastar qualquer vínculo fundado em simples expectativa, suposição ou esperança. Com esse propósito, em muitos casos, o direito positivo tipifica a exigência de confiança, quando serve de objeto para regulações específicas, como no caso de regras de compliance societárias ou financeiras, [5] mediante critérios de determinação previamente assentados na legislação. A confiança legítima, ora em estudo, não tem qualquer equivalência com essas modalidades regulatórias.

A boa-fé objetiva (bona fides) mantém íntima relação com a confiança (fides) e, por conseguinte, interagem intensamente, ainda que juridicamente possam comportar, em casos específicos, diferenciações eloquentes. [6] Deveras, a boa-fé, ao longo dos séculos, assumiu uma presença constante nas relações contratuais e daí sua expressiva aplicação, preferencialmente à confiança. Esta, porém, tal como a boa-fé objetiva, não se circunscreve aos limites do Direito Privado, mas assume a condição de verdadeiro princípio geral, aplicável a todos os ramos jurídicos. [7]

O princípio da boa-fé protege o contribuinte que conduz seus negócios, rendas ou patrimônio com transparência e diligência normal de um bom administrador ou de um homem probo. Por ter um conteúdo preponderantemente axiológico, sua aplicação depende da comparação de condutas objetivas: (a) a conduta adotada pelo contribuinte no caso concreto e (b) a conduta que seria praticada segundo as expectativas ordinárias em casos semelhantes, com o zelo requerido.

Somente pode externar confiança quem age conforme a legalidade ou vê-se afetado por modificação inopinada ou incoerente com a funcionalidade sistêmica do ordenamento jurídico. Por conseguinte, só há que se falar em confiança passível de proteção quando a credulidade do jurisdicionado confirma-se pela estabilidade, previsibilidade ou certeza da situação que julga legítima. Afora isso, a conduta contrária da Administração deve ser objetivamente demonstrada.

Em matéria tributária, por exemplo, a confiança legítima pode evidenciar-se pela prática de interpretação ou aplicação da lei pelo mesmo ou por vários contribuintes e que gera a expectativa de confiança em um agir legítimo e conforme a legalidade; pela coerência entre a forma de interpretação e transparência de informações; bem assim, pela cooperação e diligência do contribuinte nos atos requeridos, sem qualquer omissão ou resistência. Veja-se o caso das práticas reiteradas da Administração.

Não poderia a Administração deixar de agir ao seu momento de aplicação do tributo para, anos mais tarde, alegar sua própria ineficiência ou erros de atuação administrativa, como motivo para o exercício de cobrança de multas [8] e juros. Impõe-se a proteção da boa-fé e a garantia contra esses acréscimos incabíveis. Como diz Menezes Cordeiro, a suppressio, em relação aos direitos patrimoniais amparados pela boa-fé, significa a situação de direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa-fé. [9] O exercício retardado de algum direito, acentua Menezes Cordeiro, não pode levar a desequilíbrios nas relações jurídicas. [10] Por isso, a segurança jurídica postula esta proibição para a exigibilidade de adicionais a título de sanções pecuniárias e juros.

Entre as chamadas normas complementares, o art. 100 do CTN identifica as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas. Essa é a previsão que mais se aproxima do instituto da suppressio em matéria tributária, na medida em que significa uma proibição para que a Administração, quando não tenha exercitado seu direito em certo período de tempo, com evidência de estabilidade duradoura, suficiente para aperfeiçoar o suporte fático da reiteração da prática, possa fazê-lo a qualquer tempo.

A noção de prática reiteradamente observada pelas autoridades administrativas mostra aparente dificuldade para sua adequada compreensão, especialmente sobre quantas práticas seriam suficientes a tanto (a estabilidade da suppressio). Seja como for, o que importa é vir o acatamento sucessivo dessas práticas pela autoridade fiscal, quer pela atuação do contribuinte seguindo um determinado modelo de agir, sempre conforme a lei (ainda que em uma expectativa de confiança legítima), em uma prática conhecida pelas autoridades e admitida; quer pela ação direta do Fisco, de acordo com uma específica linha interpretativa ou dando aplicação e tratamento fiscal a certa prática cuja reiteração confere-lhe força de fonte do direito tributário.

Como exemplo de práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas pode-se citar o reconhecimento do domicílio fiscal do contribuinte em dada localidade municipal A, na aplicação da sua legislação, segundo os critérios de apuração adotados para todos os demais munícipes, de forma pacífica e sem qualquer oposição; quando, em verdade, seu imóvel transpassava os limites fronteiriços de Município vizinho B e deveria sujeitar-se à cobrança do IPTU por este, que igualmente sempre reconhecera o imóvel por localizado em A (por eleição de boa-fé do contribuinte). Perceba-se, pois, a diferença. Caso se verificasse uma espécie de revisão das linhas limítrofes entre A e B e fosse identificado entre ambos eventual equívoco de fronteiras, em atenção ao princípio da proteção de expectativa de confiança legítima, dever-se-ia garantir ao contribuinte o efeito ex nunc para qualquer nova cobrança, porquanto aplicável o art. 146 do CTN, na medida em que se aperfeiçoara a modificação de critério do lançamento. Contudo, na situação de simples dúvida e aceitação pacífica de B, pode haver igualmente a aplicação da suppressio, segundo o tratamento do art. 100, III e parágrafo único, do CTN, caso seja provado que o contribuinte simplesmente recolhia o IPTU em favor do Município em que julgava ser residente (A), ao reconhecimento dos efeitos da prática reiterada da Administração do Município B; cabível a repetição do indébito em relação ao Município A. Dizer que a eleição do domicílio não interfere com a determinação da competência municipal não autoriza, por outra banda, afastar sua verificação para efeitos de confirmação da boa-fé do contribuinte na eleição de domicílio tributário (art. 127 do CTN), para preservar seu direito ao regime da suppressio tributária.

O direito do contribui...

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