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2 de Maio de 2024

Cabe Usucapião de terra devoluta, ainda que em faixa de fronteira

há 14 anos

DECISAO (www.stj.jus.br)

STJ reconhece usucapião na faixa de fronteira do Brasil com o Uruguai

Não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste, em favor do Estado, presunção relativa de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser usucapido. Com este entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não atendeu a pedido da União e acabou mantendo a decisão de segunda instância que reconheceu a aquisição originária de terra situada no município de Bagé (RS) por usucapião para duas mulheres.

No caso, as mulheres ajuizaram ação de usucapião. A União, por sua vez, pediu a extinção do processo, alegando que a área está posicionada à distância de 66 km, em linha seca, da fronteira entre Brasil e o Uruguai, faixa destinada a ser devoluta, nos termos do artigo 1º da Lei 601/50, regulamentada pelo artigo 82 do Decreto 1.318/54.

O juízo da Vara Federal de Bagé proveu a ação por reconhecer o preenchimento dos requisitos à aquisição da terra por usucapião. A União apelou da sentença. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) negou a apelação ao entendimento de que o imóvel, mesmo que esteja localizado na faixa de fronteira, está sujeito aos efeitos da prescrição aquisitiva. Para o TJ, as terras devolutas, integrantes do domínio público, por não estarem afetadas a um fim público, são de direito disponível, tal qual os bens particulares. Por essa razão, podem sofrer os efeitos do usucapião.

Inconformada, a União recorreu ao STJ sustentando ser inviável o usucapião em face de o imóvel ser devoluto e público, envolvendo faixa de fronteira. O particular é que teria de provar que a área postulada advém de situação diversa das contidas na legislação foi desmembrada legitimamente do domínio público.

Ao decidir, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, destacou que, seguindo o entendimento já pacificado do STJ, o terreno localizado em faixa de fronteira, por si só, não é considerado de domínio público.

O ministro ressaltou também que, inexistindo presunção de propriedade em favor do Estado e não se desincumbindo este ônus probatório que lhe cabia, não se pode falar em pedido juridicamente impossível, devendo ser mantida a decisão das instâncias inferiores.

NOTAS DA REDAÇAO

A decisão em questão nos permite uma reflexão na seara dos Direitos Reais, envolvendo inclusive tema afeto ao Direito agrário, concernente às terras devolutas. Vejamos os elementos que constituíram a decisão.

Terras devolutas são terrenos públicos, ou em outras palavras, propriedades públicas que nunca pertenceram a um particular mesmo estando ocupadas. O termo devolutas relaciona-se com a decisão de devolução desta terra para o domínio público ou não, dependendo de ações ditas discriminatórias. Historicamente, envolvia a devolução de terras que foram da coroa portuguesa, no período do Brasil Império, e que portanto, por serem públicas, nos termos da Constituição da República não poderiam ser usucapidas.

Quanto ao tema preconiza a CR/88 em seu art. 188 que a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária. Referida norma abala o entendimento pátrio até que advindo essa redação as terras devolutas, bem como públicas, não poderiam ser usucapidas (arts. 183, caput; e, 191, parágrafo único da CR/88).

A lei que delimita o tema é a Lei n. 601/1850, que em seu art. determina:

Art. 3º São terras devolutas:

1º As que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial, ou municipal.

2º As que não se acharem no domínio particular por qualquer titulo legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.

3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas por esta Lei.

4º As que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título legal, forem legitimadas por esta Lei.

Assim, conforme se pode extrair da decisão em comento, é pacífico nos Tribunais Superiores que desde a CR/88 faz-se necessário que a entidade pública demonstre que a terra devoluta é pública. Do contrário não será tido por bem dominial e portanto, alienável e passível de usucapião. Inclusive, ensina Pontes de Miranda que se a terra não está registrada como pública, não pode ser tida como presumidamente pública por tratar-se de terra devoluta, mas sim, nos termos da lei civil é terra de ninguém e portanto, usucapível.

O registro é o título hábil para provar a titularidade do bem, sendo ele a prova cabal, nos termos da lei civil, da mesma forma que o registro de nascimento faz prova de determinado indivíduo, seu parentesco, sua idade, etc, para fins de ações de estado por exemplo.

A usucapião é instituto de Direito Real consistente em forma de aquisição originária de propriedade de bem imóvel, que se materializa após decurso de prazo denominado de prescrição aquisitiva fixada em lei pelo exercício reiterado da posse direta do bem de forma mansa e pacífica e sem vícios que o invalidem.

Conforme a orientação do art. 1208 do CC/02 não induzem a posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência, ou a clandestinidade.

É em meio a este tema que se deu a demanda cujo fecho teve por decisão a que estamos comentando.

A questão que exsurge diante da controvérsia submetida à apreciação do judiciário é simples: é possível usucapir terra devoluta?

Entretanto, a reposta pode não ser tão óbvia quando tão somente aplicado o texto constitucional que estabelece que se é bem público não pode ser usucapido. Em verdade, a interpretação deve considerar o ordenamento como um todo e não apenas dispositivos isolados. Então cabe a consideração de outras regras.

Ainda quanto a matéria, temos que a CR/88 determina que as terras devolutas integram o patrimônio dos estados, nos termos do artigo 26, IV, pertencendo aos demais entes federativos apenas algumas faixas mencionadas, consoante art. 20, II, a saber:

Art. 26: Incluem-se entre os bens dos Estados:

IV - as terras devolutas não compreendidas pela União.

Art. 20: São bens da União: II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;

A controvérsia objeto da decisão em comento trata justamente das terras devolutas situadas na fronteira Brasil/Uruguai, tratando-se portanto de bem da União já que supostamente indispensável à defesa da fronteira.

Ocorre que o fato de ser fronteira não exclui a premissa antes apontada de que cabe ao Poder Público provar tratar-se o imóvel em discussão de terra pública, devendo para tanto fazer demonstração através de título hábil, qual seja o registro do mesmo.

Ocorre que, como se depreende da decisao, a União não fez prova do alegado, ou seja, de que o terreno era público. Conforme entendimento da Corte Superior, não havendo prova, a alegação de que é terra devoluta, ou de que se trata de faixa fronteiriça não é suficiente para que o bem seja tido por dominial e portanto não usucapível. Ademais, orienta a Súmula 83 do STJ que o fato de estar em fronteira não torna a terra automaticamente devoluta.

Desta forma, acertada a decisão do STJ que manteve a decisão do Tribunal a quo estabelecendo que na ausência de prova cabal da titularidade de entidade pública quanto a bem tido por terra devoluta, cabe às requerentes a usucapião do bem ocorrida a prescrição aquisitiva.

Nesta esteira é o julgado:

EMENTA : RECURSO ESPECIAL. USUCAPIAO. FAIXA DE FRONTEIRA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇAO EM FAVOR DO ESTADO DE QUE A TERRA É PÚBLICA.

1. O terreno localizado em faixa de fronteira, por si só, não é considerado de domínio público, consoante entendimento pacífico da Corte Superior.

2. Não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste, em favor do Estado, presunção iuris tantum de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser usucapido.

3. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 674558/RS, Min. Rel. LUIS FELIPE SALOMAO - QUARTA TURMA)

EMENTA : CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AÇAO DE USUCAPIAO - FAIXA DE FRONTEIRA - TERRAS DEVOLUTAS - REQUISITO PRESCINDÍVEL - CARACTERIZAÇAO - REEXAME DE PROVAS - SÚMULA 7/STJ - IMPOSSIBILIDADE.

1. - O aresto combatido está todo lastreado no exame da prova, Conforme bem ressaltou o Acórdão, o fato de estar localizado em zona de fronteira, por si só, não o caracteriza como terra devoluta. Por conseqüência lógica, não aplicou ao caso as normas infraconstitucionais invocadas no recurso ora em exame, uma vez que não restou caracterizada a condição de terra devoluta, tal como definido e disciplinado nos referidos diplomas legais. Assim sendo, para se infirmar tal conclusão necessariamente se teria que reexaminar o conjunto probatório, o que é inviável (Súmula 07 do STJ).

2. - A simples circunstância da área objeto de litígio estar localizada na faixa de fronteira, por si só, não a torna devoluta, nem autoriza inclusão entre os bens de domínio da União. Súmula 83.

3. - Recurso Especial improvido. (STJ, REsp 736742 / SC, TERCEIRA TURMA, DJe 23/11/2009)

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