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21 de Junho de 2024
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    Carta aberta ao ministro Marco Aurélio: Os limites da liberdade de informação

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 14 anos

    1. A relevante decisão do Supremo Tribunal Federal

    No dia 30 de abril de 2009, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, para o efeito de declarar como não-recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei Federal 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, a chamada lei de imprensa.

    O Partido Democrático Trabalhista PDT, autor da ADPF, sustentou que a Lei 5.250/67, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, é incompatível com a Constituição Federal de 1988, em especial com o artigo 220, parágrafo 1º, que dispõe: Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

    O argumento foi acolhido por 7 (sete) dos 11 (onze) ministros do Supremo Tribunal Federal: Carlos Ayres Britto (relator), Eros Grau, Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Celso de Mello.

    Os ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, pronunciaram-se pela parcial procedência da ação, mantendo em vigor alguns dispositivos da Lei de Imprensa, notadamente os preceitos definidores de crimes e os que disciplinam o direito de resposta, que, segundo eles, estão em harmonia com a Constituição.

    O ministro Março Aurélio votou pelo não conhecimento da ADPF, por entender que o pedido não caracterizava o objeto da ação, ou seja, a demonstração de descumprimento de preceito fundamental, argumentando que, após a Constituição Federal de 1988, as normas da Lei 5.250/67, de natureza inconstitucional, não estavam mais sendo aplicadas. A lei fora purificada pelo crivo equidistante do próprio Judiciário, que não aplica os dispositivos que se contrapõem à Constituição Federal. Salientando, mais de uma vez, que a causa em exame não se tratava de Ação Direta de Inconstitucionalidade ou de Ação Declaratória de Constitucionalidade, o ministro Março Aurélio enfatizou: Deixemos a cargo de nossos representantes, dos representantes do povo brasileiro, a edição de uma lei que substitua essa, sem ter-se enquanto isso o vácuo que só leva à babel, à bagunça, à insegurança jurídica, sem uma normativa explícita da matéria.

    Em síntese, a Suprema Corte reconheceu a existência de uma reserva de legalidade ao declarar os efeitos jurídicos da decisão: Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa.[1]

    2. Alguns aspectos do voto vencido

    Aludindo aos estudos e à minha contribuição doutrinária durante muitos anos no trato desta matéria e, em especial, como relator de um anteprojeto de Lei de Imprensa elaborado por comissão de juristas e jornalistas instituída pela Ordem dos Advogados do Brasil e coordenada pelo ex-ministro Evandro Lins e Silva (1991), o ministro Março Aurélio destacou vários aspectos positivos daquele disegno di legge e rejeitou a premissa utilizada pela imprensa e pela própria Corte, de que o julgamento seria concentrado no propósito de varrer o chamado lixo autoritário, como herança do regime militar. Considerou equivocada a interpretação, dada pela maioria dos juízes do STF, segundo a qual a cláusula de reserva do parágrafo 1º do artigo 220 da lei fundamental seria obstáculo a impedir a elaboração de leis acerca da liberdade de imprensa, ainda que contenha disposições de reforço à proteção desse bem jurídico e de punição dos abusos.

    3. A redação e remessa da carta

    Na condição de advogado e professor de Direito Penal e atendendo ao dever funcional de contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis, como determina o artigo 2º, parágrafo único, V do Código de Ética e Disciplina da OAB, redigi e encaminhei ao ministro Março Aurélio a carta cujo texto segue adiante. A correspondência teve a fundamentá-la, também, o princípio de que o advogado é imprescindível à administração da Justiça (CF, art. 133), prestando serviço público na função social que exerce (Lei nº 8.906/94, art. , ).

    4. A confiança nos juízes

    Em sua clássica obra Elogio dei giudici scritto da un avvocato , o imortal Piero Calamandrei destaca a confiança na magistratura como o primeiro dever do advogado. E numa das passagens mais eloquentes desse primeiro capítulo de seu pequeno-grande livro, o mestre italiano nos diz: Enquanto ninguém o perturba ou o viola, o direito rodeia-nos, invisível e impalpável, como o ar que respiramos, insuspeitado como a saúde, cujo preço apenas conhecemos quando se perde. Mas quando o direito está ameaçado e oprimido, desce do mundo astral, onde descansara no estado de hipótese, e espalha-se pelo mundo dos sentidos. Encarna-se então no juiz e torna-se a expressão concreta de uma vontade operante por intermédio de sua palavra. O juiz é o direito tornado homem. Na vida prática só desse homem posso esperar a protecção prometida pela lei sob uma forma abstracta. Só se êsse homem souber pronunciar a meu favor a palavra de justiça, poderei certificar-me que o direito não é uma sombra vã. Por isso se coloca o verdadeiro fundamentum regnorum não apenas no jus, mas também na Justitia. Se o juiz não tem cuidado, a voz do direito é evanescente e longínqua como a voz inatingível dos sonhos. Não me é possível encontrar na rua por onde passo homem entre os homens na realidade social esse direito abstracto, que vive apenas nas regiões astrais da quarta dimensão. Mas posso encontrá-lo, oh juiz, testemunha corpórea da lei, de que depende a sorte dos meus bens terráqueos.[2]

    Além desse sentimento, permanente no exercício diuturno da profissão que abracei há mais de 50 anos, devoto pelos juízes e tribunais o profundo respeito pela missão humana e social que exercem e pela liberdade de convicção que alimenta as suas decisões. No entanto, faço ressalva à frase rotineira segundo a qual decisão judicial não se discute. A realidade do homem, do mundo e da vida, exige que todo e qualquer julgamento proveniente do coração e da mente possa e deva ser discutido.

    E, conforme as circunstâncias, modificado.

    Esse, aliás, é um dos caminhos do progresso.

    Segue o texto integral da carta.

    Curitiba, 1º de maio de 2009.

    O conflito entre a liberdade de informação e os direitos da personalidade, entre eles os relativos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, será resolvido em favor do interesse público visado pela informação .

    (Art. 8º, do Anteprojeto de Lei de Imprensa elaborado por Comissão da OAB, sob a presidência e coordenação do Ministro Evandro Lins e Silva). (DCN , 14.08.1991, p. 4770).

    Senhor Ministro

    Março Aurélio Mello :

    Acompanhei boa parte dos votos e o resultado do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 130, que culminou com a surpreendente decisão que salgou a terra inteira por onde germinou, floresceu e deu frutos a Lei 5.250/67. Vi e ouvi, entre fascinado e entediado, a decantação de doutrinas nacionais e estrangeiras e os mais formosos discursos motivados pelas Declarações de Direitos e tribunais judiciários de várias partes do mundo, com destaque para a Suprema Corte dos Estados Unidos. O tempo gasto com a exposição e a defesa de princípios e normas das liberdades públicas, entre elas, a liberdade de informação jornalística já presentes na consciência jurídica nacional e aplicados pela jurisprudência após a Carta Política de 1988 deu-me a impressão de que ainda estávamos no tempo da resistência civil contra o Estado autoritário de Direito. Vi e escutei votos repletos da erudição e do entusiasmo que fariam sacudir os auditórios das Conferências Nacionais da OAB durante os anos 70, quando as teses sobre o Estado Democrático de Direito e tudo quando dele resulta eram defendidas por setores da militância pacífica ou armada contra a ditadura ou por juízes, jornalistas, escritores, poetas, artistas, filósofos e advogados que, como eu, pensavam, falavam, escreviam e ainda conseguiam (com restrições da censura prévia), publicar ideias sobre a dignidade da pessoa humana e da luta contra a opressão e a intolerância ideológica que mandavam para o patíbulo do processo injusto e do cárcere humilhante os dissidentes e os hereges das ordens políticas dos novos tempos. Aquelas frestas de liberdade eram abertas em horas e dias alternados entre a cátedra universitária e as audiências/julgamentos dos tribunais castrenses organizados para julgar civis acusados de crimes contra a Segurança Nacional, bem jurídico de oportunismo totalitário, porém elevado à sagração ideológica para a depuração dos costumes políticos e administrativos e das culturas da corrupção e da subversão. Vi e ouvi quando o senhor Ministro perguntou a si mesmo em que país estava vivendo quando a cláusula salvatória do parágrafo 1º do artigo 220 da Constituição Federal, (filha dileta da Emenda I a Constituição dos Estados Unidos)[3], estava sendo lida como proibição de legislar ainda que para proteger as liberdades de manifestação do pensamento, de expressão e de comunicação pelos jornais e outros veículos. Tanto o seu raciocínio lógico como a interpretação correta do ministro Gilmar Mendes são irretocáveis: a proibição de lei sobre a liberdade religiosa, por exemplo, jamais poderia impedir o Congresso de editar normas criminalizadoras do abuso dessa liberdade ou de seu uso como tacape da intolerância. É o caso de se perguntar: não existe, em nosso ordenamento legal, um número imenso de normas constitucionais e infraconstitucionais que são objeto de regulações para melhor aplicação nos casos concretos e a mais adequada exegese do direito em abstrato?[4] Em outros termos: a norma constitucional que garante a segurança (pública e individual) e, por extensão, tutela a integridade física das pessoas, poderia impedir a criminalização das lesões corporais ou dispensaria a indicação dos elementos constitutivos da defesa legítima?

    O ministro Gilmar Mendes, em suas ponderadas objeções ao precedente da salgação da terra lavrada[5], não obteve da maioria de seus pares o apoio de uma caridosa permissão de regras mínimas para um procedimento que possa, embora insuficientemente, viabilizar o exercício dos direitos de resposta e retificação.

    A maioria do Supremo Tribunal Federal decidiu que a magistratura poderá dispensar bases normativas específicas para decifrar o enigma da esfinge da correta ponderação de bens e interesses postos em colisão nas matérias divulgadas pelos meios de comunicação. Não me refiro à experiência de vida e à lição dos anos que modelam a biografia dos ministros dos tribunais superiores da República, responsáveis pela guarda da Constituição e pela interpretação uniforme à lei federal quando surgirem os problemas acerca do vazio legislativo para se efetivarem os direitos fundamentais. Na ausência de um juiz garantista[6], para preservar nos procedimentos de investigação criminal os suspeitos e indiciados contra desvios de poder e abuso de autoridade, eu penso, infelizmente, nos magistrados desertores do bom senso e apóstolos da pregação intolerante no rosário de ameaças à liberdade.

    Disseram alguns ministros que o sistema processual brasileiro está provido de medidas cautelares para prevenir ou inibir os excessos e que na sua falta o juiz poderá recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito (CPC, art. 126). Mas, como poderão os modestos de inteligência e hipossuficientes de lógica jurídica prover a ausência da norma, ou seja, legislar nesse terreno difuso de interesses e na escuridão dos caminhos sem um critério de luz para identificar a preponderância, nos exemplos cotidianos, de um bem sobre outro, quando ambos são proclamados como relevantes e, in these, no mesmo plano de valoração? Causou-me espanto a afirmação enf...

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