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15 de Junho de 2024

CPC / 2015 permite provimento de recurso sem prévia oitiva do recorrido

O artigo 932, V, do novo CPC estabelece incumbir ao relator, “depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento [a] recurso” em determinadas situações que ali são descritas. Não é objetivo deste texto examinar em que casos se deve prover um recurso, seja por decisão monocrática, seja por meio de acórdão, no regime do novo CPC. O objetivo aqui é outro: busca-se saber se seria possível, em alguma situação, dar provimento a recurso sem antes abrir-se oportunidade para a manifestação do recorrido, ou se isso implicaria necessariamente violação ao princípio do contraditório.

Ao dispositivo legal há pouco mencionado, outros devem ser acrescentados. O artigo do novo CPC expressamente estabelece que não se profere decisão contra a parte “sem que ela seja previamente ouvida”, ressalvadas as exceções previstas no parágrafo único do mesmo artigo (tutela provisória de urgência; hipóteses de tutela da evidência previstas no artigo 311, II e III; decisão liminar proferida no procedimento monitório).

Quando se examina a regulamentação dos procedimentos previstos para as diversas espécies de recurso, facilmente se verifica que, ao menos como regra, não seria mesmo possível o provimento do recurso sem prévia oportunidade para que o recorrido ofereça suas contrarrazões. É que, como regra, o procedimento do recurso se desenvolve, primeiro, perante o juízo a quo, prolator da decisão recorrida, a quem incumbe colher as contrarrazões, e só depois é que os autos são remetidos ao juízo ad quem, onde o mérito do recurso será apreciado. É assim, por exemplo, na apelação (em que as contrarrazões são colhidas pelo juízo de primeira instância — artigo 1.010, parágrafo 1º — e só depois encaminhado ao tribunal de segunda instância). Também no agravo interno (em que as contrarrazões são apresentadas ao relator, nos termos do artigo 1.021, parágrafo 2º; e só depois levado à apreciação do colegiado), no recurso ordinário (a que se aplica o mesmo procedimento previsto para a apelação: artigo 1.028), no recurso especial e no recurso extraordinário (em que as contrarrazões são colhidas no tribunal de origem, conforme estabelece o artigo 1.030, e só depois, se for admitido o recurso no tribunal de origem, os autos serão remetidos ao tribunal de superposição).

Fica, porém, o caso do agravo de instrumento, recurso que é interposto diretamente no tribunal ad quem, para ser examinado. É que nesse caso o recurso é interposto e imediatamente distribuído ao relator, a quem incumbe determinar a intimação do agravado para oferecer contrarrazões (artigo 1.019, II) e, se for o caso, julgar monocraticamente (ou, não sendo o caso, submeter a causa à apreciação do órgão colegiado). Pois é aqui que se põe (ao menos principalmente, pois há desdobramentos em outros recursos que não podem ser desconsiderados, como seria o caso de recurso especial contra a decisão proferida nesse mesmo agravo de instrumento) a questão objeto deste pequeno texto: seria possível, em alguma hipótese, ao relator do agravo de instrumento dar provimento ao recurso sem previamente ouvir o agravado? Buscarei demonstrar que sim, sem que daí resulte qualquer violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Como sabido, um dos efeitos do julgamento do mérito de um recurso é o assim chamado efeito substitutivo. Significa dizer que, uma vez julgado o mérito do recurso, a decisão aí proferida substitui o pronunciamento recorrido, passando a ocupar seu lugar no procedimento. É o que resulta do artigo 1.008 do novo CPC, segundo o qual “[o] julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso”. Assim, por exemplo, proferida uma decisão sobre tutela provisória pelo juízo de primeiro grau, a decisão prolatada pelo tribunal em grau de recurso — seja ela monocrática, do relator, ou colegiada — passa a ser a decisão sobre tutela provisória, substituindo a decisão proferida pelo juízo originário. Isto se dá, perceba-se, mesmo naqueles casos em que no tribunal nega provimento ao recurso (“confirmando-se a decisão”, como muitas vezes se lê na prática).

Isto que acaba de ser dito aplica-se a qualquer espécie de recurso. Pense-se, por exemplo, no caso de ser proferida sentença de improcedência do pedido. Interposta (e desprovida) a apelação, a decisão de improcedência agora é a do tribunal, e não mais a do juízo de primeira instância. É contra esta nova decisão que se pode agora recorrer. É ela que, se nenhum recurso admissível for interposto, alcançará a autoridade de coisa julgada. É a decisão do tribunal — e não a do juízo de primeiro grau — que poderá vir a ser rescindida, caso se venha a propor ação rescisória.

Pois é aqui que se encontra a chave para a solução da questão ora enfrentada. Há decisões judiciais que devem ser proferidas inaudita altera parte, isto é, sem prévia oitiva da outra parte. É o caso, por exemplo, da decisão que concede tutela de urgência, ou da que defere o benefício da gratuidade de Justiça para o autor. Pois no caso de a parte não obter a decisão que postulou, poderá ela (caso se trate de uma decisão interlocutória agravável, nos termos do artigo 1.015) interpor agravo de instrumento para obter um pronunciamento de segundo grau que substitua a decisão de indeferimento prolatada em primeiro grau.

Nesses casos, não faria qualquer sentido exigir-se que antes do provimento do agravo de instrumento se tivesse de ouvir o agravado. Figure-se o seguinte exemplo: o autor postula uma medida de urgência, afirmando expressamente na petição inicial que a prévia oitiva do réu retiraria toda a eficácia da medida, como seria, por exemplo, o caso de se ter postulado o arresto cautelar de um bem que o demandado poderia facilmente alienar se fosse ouvido antes da decisão sobre a concessão ou não da tutela de urgência. Indeferida a medida pelo órgão de primeiro grau, e interposto o agravo de instrumento, não faria qualquer sentido exigir-se a prévia oitiva do agravado para só depois prover o recurso. Afinal, soa bizarro — para dizer o mínimo — afirmar que seria preciso ouvir o réu antes de decidir se é ou não o caso de se conceder uma medida que se postulou inaudita altera parte.

Evidentemente, decisões — seja qual for o grau de jurisdição em que proferidas — prolatadas inaudita altera parte são provisórias. E no caso de que ora se trata, essa provisoriedade resulta — inclusive — do fato de não ter havido a prévia manifestação do demandado sobre a matéria nela versada, o que faz com que para ele seja perfeitamente possível suscitar depois a mesma matéria, não se podendo cogitar aí de qualquer tipo de preclusão.

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