Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    Fornecimento de bebida alcoólica para crianças e adolescentes é crime - jamais contravenção penal (Parte 1 de 2)

    Publicado por Nova Criminologia
    há 13 anos

    [1]

    Resumo: A discussão acerca dos efeitos maléficos do álcool no organismo humano é anacrônica e tem, frente ao consumo por crianças e adolescentes, seu mais acalorado debate. Em meio a criação de mecanismos e leis visando a coibir o fornecimento de bebidas alcoólicas a menores de idade, há um pequeno grupo que tenta advogar a tese de que, no ordenamento jurídico pátrio, tal conduta seria mera contravenção penal e não crime. Assim, o presente estudo irá demonstrar a impropriedade de referida interpretação, colocando de forma clara e fundamentada que a conduta em discussão é crime, com vistas a melhor prevenção e repressão.

    Palavras chaves: Bebida alcoólica. Fornecimento. Crianças e Adolescentes. Crime.

    SUMÁRIO: 1. INTRODUÇAO. 2. DA PROTEÇAO INTEGRAL. 3. DO FORNECIMENTO DE BEBIDA ALCOÓLICA A CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO CRIME. 4. CONCLUSAO

    1 - INTRODUÇAO

    Em tempos de discussão acerca das conseqüências do advento da chamada Lei Seca, aliada a divulgação pela imprensa dos efeitos da bebida alcoólica em menores de idade, tem-se, na contramão das finalidades do legislador pátrio e, por que não dizer, da sociedade brasileira como um todo, o crescimento dos defensores da corrente jurídica que tenta emplacar a tese de que o fornecimento de bebidas alcoólica a crianças e adolescentes não seria crime; mas, sim, mera contravenção penal.

    O que causa maior preocupação é ver que referia tese, de argumentos impróprios e de terríveis conseqüências práticas (pena irrisória, prescrição de ações em curso, sentimento de impunidade, etc), está sendo adotado não apenas por defensores de acusados e réus, como também vem cada vez mais sendo acatada por magistrados e tribunais.

    Deste modo, eis o presente estudo, com fito de demonstrar a inconsistência de referida tese, demonstrando que a nefasta prática de fornecer bebida alcoólica a menores de idade constitui crime e, assim, deve ser severamente repreendido, como forma não apenas de se dar efetividade aos ditames protetivos da Constituição Federal aos infantes, como seres em desenvolvimento, como também estabelecer a reprovação e prevenção de sua ocorrência, nos moldes do Código Penal.

    2 - DA PROTEÇAO INTEGRAL

    A Constituição Federal, em seu art. 227, caput e seu 4º, estabelece:

    Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

    1º a 3º - omissis; 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

    Observa-se que a Constituição Federal, que adentrou ao mundo jurídico nacional em 1.988, claramente firmou que a sociedade brasileira deverá estar empenhada na proteção integral de crianças e adolescentes, e, para isso, postou que instrumentos seriam criados para punição dos transgressores.

    Fora nessa esteira que surgiu em 1.990, a Lei nº 8.069, conhecida pelo nome de Estatuto da Criança e do Adolescente.

    Logo no início de sua codificação, eis um dos regramentos mestres:

    Art. 3ºA criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana , sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios , todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral , espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade . (grifos não constantes no original)

    Encontra-se clarividente na letra da lei serem as crianças e adolescentes titulares de direitos e, no caso, merecedores de atenção quanto a peculiaridade de serem pessoas em desenvolvimento, devendo receber dos pais, sociedade e poder público, respeito e dignidade, além de proteção integral (físico, mental, moral, espiritual e social), conforme reza do ECA:

    Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

    Ocorrendo afetação aos seus direitos, há nitidamente necessidade de se coibir tais ofensas, seja quem for o responsável por tal violação.

    3 - DO FORNECIMENTO DE BEBIDA ALCOÓLICA A CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO CRIME

    Foi pensando em dar efetividade às normas de proteção e repressão que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 243, estampou como crime a conduta daquele que pratica uma das condutas mais nocivas a pessoas em desenvolvimento:

    Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida:

    Pena detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

    A norma visa a responsabilizar aquele que fornece produtos cujos componentes possam causar dependência física ou química, sendo a bebida alcoólica, a toda evidência, um desses produtos.

    Sobre a devida responsabilização, dispõe ROBERTO JOAO ELIAS, que é, portanto, desejável que se puna aquele que faz com que tais produtos cheguem às mãos da criança ou do adolescente, de qualquer forma que seja . [2]

    No entanto, em esteira diferenciada, alguns juristas e profissionais da seara do Direito vêm sustentando a tese na qual aponta que a conduta de quem fornece bebida alcoólica a menor de idade estaria tipificado no art. 633, inciso I, daLei de Contravencoes Penaiss, alegando a incidência do denominado princípio da especialidade

    Sobre referido princípio, destacam que o art. 2433 doECAA trata de forma genérica produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica), enquanto o art. 633, inciso I, daLCPP, trata especificamente de bebida alcoólica.

    Somam ao princípio da especialidade, referidos defensores do afrouxamento repressivo, a utilização do que entendem ser uma interpretação sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente, aduzindo que o próprio Estatuto, ao diferenciar bebida alcoólica (art. 81, II) de produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida (art. 81, III), demonstraria que a bebida alcoólica não entraria no tipo do art. 243.

    Com a devida vênia ao pensamento acima exposto, tem-se que se que o fato do legislador não ter inserido no artigo 243 do ECA, o texto contido no inciso II, do artigo 81 da Lei nº 8.069/90, que trata especificamente da bebida alcoólica, não afasta a sua aplicação, haja vista que citada regra refere-se a normas de prevenção , ao contrário do artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que vem previsto na seção referente aos crimes em espécie .

    Isso porque a disposição de prevenção (Titulo III do ECA), contida no art. 81, é meramente exemplificativa , podendo ser ampliada, por exemplo, através de portarias e legislação específica (federal, estadual e municipal), variando o tipo de sanção.

    VALTER KENJI ISHIDA, ao tratar da natureza do rol do art. 81, leciona:

    O rol elencado não é taxativo, podendo ser ampliado, mas tão-somente pela atuação do Juiz da Infância e da Juventude. Por exemplo, na Comarca de São Paulo, tem-se ação civil pública ministerial tramitando visando à proibição de venda a menores do cerol, produto utilizado para fazer o cortante de pipas e papagaios. [3]

    Deste modo, vê-se que o rol utilizado pelos defensores de mencionada tese, é de natureza exemplificativa, podendo o magistrado, através de uma portaria, fazer um regramento preventivo e, como sanção, haver aplicação de multa especificadamente estabelecida na própria portaria ou, ainda, multa por infringência ao art 249999, por exemplo (descumprir, dolosa ou culposamente, os demais deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrentes de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar.). Ve-se, pois, que a alegada diferenciação feita pelo art 81111 doECAA é, na verdade, apontamento exemplificativo, não podendo ser interpretado, jamais, como tratamento diferenciado e, assim, ser invocado para alegar não tipificação pelo art 243333.

    Ainda, tem-se que somente lançando as finalidades daConstituição Federall e doEstatuto da Criança e do Adolescentee ao limbo é que poderia ser alegado que suposta atipicidade derivaria, assim, de uma interpretação sistemática do próprio Estatuto.

    Seria enorme contra-senso e teratológica construção hermenêutica dizer que o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao criar o tipo penal do art. 243, visou reprimir o fornecimento, por exemplo, de cola de sapateiro a menor de idade [4] , não tendo interesse em reprimir o fornecimento de bebida alcoólica, expressamente tido como vedado peloEstatuto da Criança e do Adolescentee no mencionado art811111.

    Já que se alega interpretação sistemática, volta-se a informar, não há como alegar que o Estatuto deixaria sem repressão o fornecimento de bebida alcoólica, ante a flagrante nocividade e afetação à saúde de crianças e adolescentes como seres em desenvolvimento.

    O art. do Estatuto da Criança e do Adolescente é expresso em apontar:

    Art. 6º Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento

    Por sua vez, o art. 73, reza que a inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade de pessoa física ou jurídica, nos termos desta lei.

    Verifica-se que a violação de norma de proteção, como o é o art. 81, II (vedação de bebida alcoólica a menores de idade), deverá ensejar responsabilização do infrator, nos termos desta lei, ou seja, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

    Assim, em interpretação sistemática, tem-se que o art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, claramente, visa a responsabilizar o infrator que está, ao fornecer produtos cujos componentes podem causar dependência, a violar o dever de prevenção, princípio basilar do ECA, perante as crianças e adolescentes como seres em desenvolvimento e fortemente suscetíveis aos nefastos efeitos da bebida alcoólica.

    Como alegar, então, que a norma do art. 243, que não é norma penal em branco , não abarca a vedação de fornecimento de bebida alcoólica, porque haveria tratamento diferenciado?

    Já foi dito que o rol é exemplificativo e, assim, ainda que houvesse diferenciação, essa separação visa justamente a postar maior atenção à bebida alcoólica, pela maior gravidade que possui.

    Segundo JOSIANE ROSE PETRY VERONESE (Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora titular da disciplina Direito da Criança e do Adolescente dessa mesma Universidade), em pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas e Psicotrópicos, órgão ligado à Escola Paulista de Medicina, entre estudantes da rede estadual de primeiro e segundo graus da cidade de São Paulo, revelou que 70,04% dos jovens começam a beber entre os 10 e os 12 anos de idade (nos Estados Unidos o índice é de 50,02%). [5]

    Não são válidas, ainda, argumentações no sentido de aplicação do princípio da especialidade, já que a contravenção prevista no inciso I, art. 6333, foi tacitamente revogada pelo art. 24333, doECAA, um vez que o novo texto, embora de forma não expressa, regulou inteiramente a matéria precedente, englobando na sua figura típica a conduta de servir bebida alcoólica a menor de 18 anos, por tratar-se de produto cujo componente pode causar dependência física ou psíquica. [6]

    Ainda, observe que o art 63333 daLei de Contravencoes Penaiss, adentrando-se na invocada questão da reserva legal, apresenta apenas o verbo típico servir.

    O art. 243 do ECA, por sua vez, apresenta como verbo S típicos vender, fornecer, ministrar ou entregar.

    Ademais, o fornecer, é acrescido de ainda que gratuitamente, deixando claro que está a englobar o servir.

    Assim, claramente o tipo do art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente engloba o tipo penal do art. 63, I, da Lei de Contravencoes Penais.

    Aliás, se for aceita a funesta tese laxista, de que o art. 243 do ECA não se aplica quando o produto for bebida alcoólica, tem-se que pela também invocada tese da reserva legal, quem vender, fornecer gratuitamente ou entregar bebida alcoólica a menor de idade, não sendo caso de estar servindo, simplesmente não deverá ser responsabilizado, por se tratar de fato atípico . [7]

    Pela visão dos defensores da tese mitigadora, estaria autorizado no país, a partir de agora, a venda de bebida alcoólica a menores de idade, desde que a mesma não lhe seja servida... Claro absurdo!

    • Publicações216
    • Seguidores497189
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações1333
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/fornecimento-de-bebida-alcoolica-para-criancas-e-adolescentes-e-crime-jamais-contravencao-penal-parte-1-de-2/2534722

    Informações relacionadas

    Vaneska Karla, Advogado
    Modeloshá 4 anos

    Contestação criminal.

    Jorge Batista, Estudante de Direito
    Modeloshá 3 anos

    Resposta à Acusação

    Diego Carvalho, Advogado
    Modeloshá 6 anos

    Defesa Preliminar

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)