FUNDAMENTOS DAS SUCESSÕES EMPRESARIAIS
As sucessões se manifestam como consequência da transmissão do patrimônio. Sendo faces da mesma moeda, ativo e passivo patrimoniais poderão manter a vinculação numa transferência societária ou num trespasse, naturalmente porque se está diante de regramento de ordem pública (ou cogente) de proteção dos credores. De outro ponto de vista, o tipo de negócio jurídico encetado e a natureza do débito serão determinantes para aferir a extensão ou ampliação do polo subjetivo de obrigações numa concentração empresarial, numa alienação de ações, numa venda de estabelecimento ou mesmo numa simples aquisição de ativos imobiliários.
A substituição de um sujeito pelo outro deve ter a sua análise feita a partir do patrimônio e da imprescindível autorização legal para que a sucessão se dê a título universal. Portanto, em princípio, uma sucessão universal em sociedades empresárias personificadas se dá a partir de negócios jurídicos de incorporação, fusão e em alguns casos de cisão, porquanto a Lei nº 6.404, de 1976, e o Código Civil regulem justamente a substituição de uma sociedade pela outra decorrente da transferência patrimonial pressuposta à operação. Os credores das sociedades fundidas, incorporada ou mesmo da cindida têm a garantia legal da sucessão universal no patrimônio da sociedade resultante.
A sucessão nos débitos é um risco inerente ao negócio e deve ser mensurado
Outro é o raciocínio quando se trata de sucessões particulares, que têm como pressuposto a fixação de obrigações contratuais - e não uma autorização legislativa, como no caso da sucessão universal no patrimônio. Nessa alternativa, ocorrem hipóteses de cessão de débito/crédito e assunção de dívida alheia, conforme noticia percuciente estudo de Fabio Konder Comparato (RT 747/795). Portanto, uma sociedade sucede a outra em débito por força de obrigações assumidas expressamente.
Ainda existem alternativas de sucessão geradas pela natureza "propter rem" de determinada obrigação, que acaba se transmitindo e acompanhando o próprio bem transferido. Vinculam a coisa e não a pessoa. Essa é a natureza do que prevê o perigoso art. 133 do Código Tributário Nacional (CTN). Nessa regra de sucessão em obrigações tributárias, valora-se o estabelecimento empresarial como uma universalidade de fato ou o conjunto de bens materiais e imateriais apreendidos pelo empresário ou sociedade empresária e colocados em função da atividade. Caso seja celebrado o trespasse (ou venda - STJ - Ag no REsp nº 1.321.679) do estabelecimento, por exemplo, e ocorra a continuidade na exploração da atividade, ainda que sob sociedade distinta, caracteriza-se a sucessão nos débitos tributários (STJ - REsp nº 923.012). Será integral se o alienante cessar a exploração da atividade; será subsidiária (ou seja, primeiro cobra-se o vendedor e depois o adquirente), se prosseguir na exploração ou iniciar nova atividade dentro de 6 meses, ainda que em ramo distinto. A severa regra somente é ressalvada se a venda de estabelecimento se der em processos de falência ou de recuperação judicial.
Mais uma hipótese vinculada à transferência de bens está no fundamento da sucessão trabalhista e sua previsão nos arts. 10 e 448 da CLT. Em ambos os dispositivos legais, malgrado alguns excessos da jurisprudência especializada, é imprescindível a presença de prova robusta que demonstre a mudança na titularidade do estabelecimento bem como a continuidade da prestação de serviço pelo empregado (TST - RR 629.250/00).
Não é demais anotar que as sucessões tributária e trabalhista pela transferência de ativos ficam ainda mais caracterizadas na hipótese de identidade entre os sócios da sucedida e da sucessora no estabelecimento, conforme já decidiu o STJ no AgRg no REsp nº _TTREP_40. E a propósito da troca de sócios, o Código Civil atual inovou no art. 1003, parágrafo único, ao manter a responsabilidade do sócio por dois anos após a retirada pelas obrigações que tinha como sócio, o que não é propriamente uma sucessão, mas uma solidariedade obrigacional do sócio após a sua saída da sociedade.
Portanto, além das complexidades próprias dos negócios e do encontro de vontades, os custos de transação das concentrações empresariais acabam se agravando diante de um quadro de múltiplos fatores que implicam a sucessão universal ou particular em obrigações. Tais fatores também devem ser colocados à mesa.
Gustavo Saad Diniz é advogado e professor doutor de direito comercial da USP-FDRP
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