Justiça determina que bem de família oferecido em garantia por devedor pode ser penhorado
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consentiu a penhora de bem de família que foi oferecido pelo devedor como garantia em renegociação de dívida. Os ministros da Terceira Turma do STJ entenderam que o devedor agiu de má-fé na execução do contrato que livremente ajustou, de forma que o caso foi tratado como exceção frente à jurisprudência consolidada no Tribunal.
O recurso julgado trata de uma ação de execução de título extrajudicial com base em cédula rural pignoratícia emitida pelo marido e avalizada pela esposa em favor do banco, ou seja, a ação foi difundida no foro de domicílio do réu com a firmação de um contrato no local de pagamento da dívida (títulos de crédito) e a peça conteve a indicação, por parte do credor, dos bens do devedor que serão penhorados, e a partir do seu recebimento o juiz ordenou a expedição de mandado de citação, a fim de que o devedor pague a dívida no prazo de 3 dias, contados do dia da citação.
Caso o devedor não cumpra a obrigação no referido prazo, ocorre a penhora, visto que os embargos não mais suspendem a execução. Julgada improcedente a ação de embargos, ou não sendo opostos, haverá a arrematação de uma quantidade de bens do devedor que podem satisfazer o direito do credor.
A cédula de crédito rural ou Cédula Rural Pignoratícia (CRP) é extraída com base no penhor rural e passa a valer como título de crédito autônomo e negociável. É título de ampla utilização na concessão do crédito rural, especialmente pelas instituições financeiras oficiais (bancos), e sua emissão, atualmente, sob essa modalidade, dá-se de próprio punho pelo devedor ou representante com poderes especiais, podendo o produtor rural delimitar a sua renda. A CRP é um tipo de promessa de pagamento em dinheiro, com ou sem garantia real cedularmente constituída, cujas modalidades estão previstas no artigo 9º do Decreto-Lei 167/67 e são as seguintes: cédula rural pignoratícia, cédula rural hipotecária, cédula rural pignoratícia e hipotecária e nota de crédito rural.
O advogado e professor Christiano Cassettari, diretor do IBDFAM/SP, esclarece que o caso trata de uma decisão que condena uma pessoa por ter oferecido seu único bem destinado à moradia em garantia de uma determinada obrigação. “A interpretação dada é que tal conduta geraria uma espécie de renúncia ao bem de família. Ocorre, porém, que a jurisprudência de alguns tribunais estaduais, como o de São Paulo, por exemplo, já havia firmado entendimento de que o bem de família é irrenunciável, motivo pelo qual a conduta reprovável seria a do credor de ter aceitado esse tipo de bem em garantia”, disse.
Cassettari explica que, no caso de ação de execução de título extrajudicial, com base em cédula rural pignoratícia, trata-se de uma ação judicial que acarreta uma forma coercitiva de cobrar o crédito de uma obrigação, com base numa relação negocial. Por exemplo: um contrato, permitindo que se avance no patrimônio do devedor por meio da penhora de bens, em caso de não pagamento.
O acordo – Antes de tudo, houve um processo de execução, no curso do qual os devedores propuseram o pagamento da dívida em valor inferior ao cobrado, e concordaram em colocar como garantia o imóvel em que residiam. Descumprido o acordo, o credor requereu a avaliação do bem para penhora, ocasião em que os devedores invocaram a proteção do bem de família.
Os devedores recorreram ao STJ com o argumento de que a penhora do bem ofenderia os artigos 1º e 3º, inciso V, da Lei 8.009/90. O artigo 1º impede a penhora por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários do imóvel e nele residam, salvo as hipóteses previstas na lei.
O inciso V do parágrafo 3º, por sua vez, aponta que a impenhorabilidade é oponível em processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, exceto, entre outros, se movido para a execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.
Boa fé - A Terceira Turma do STJ concluiu que os devedores renunciaram à impenhorabilidade do bem no momento em que assinaram a petição do acordo. Segundo o relator e ministro João Otávio de Noronha, a jurisprudência do STJ considera que os imóveis que servem de residência constituem bem de família e são, por isso, impenhoráveis, mesmo quando feita a penhora por indicação dos próprios devedores.
O ministro observou que a dívida foi constituída presumivelmente em benefício da família. Depois, foi concluído acordo, homologado pelo juízo da execução, no qual as partes entraram em consenso quanto ao valor da dívida.
A Turma concluiu que o credor somente se interessou pelo acordo em razão da possibilidade de agregar nova garantia à dívida. Não se pode permitir, segundo Noronha, em razão da boa-fé, a desconstituição da penhora, sob pena de desrespeito ao Poder Judiciário.
Cassettari também esclarece que a execução de título extrajudicial sobre um bem de família ocorre somente em casos excepcionais previstos em lei, tais como: em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; pelo credor de pensão alimentícia; para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação; ou mesmo por dívida de condomínio.
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