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17 de Junho de 2024

Mulheres contam com proteção específica na CLT

Mais de 10 milhões de mulheres desenvolvem algum tipo de atividade remunerada no Brasil, de acordo com dados do IBGE. No Distrito Federal, segundo o Dieese, elas já são cerca de 590 mil, quase a metade de toda a força de trabalho. A participação feminina no mercado cresceu 11% nos últimos 10 anos, fruto do avanço cultural iniciado na década de 70, quando as mulheres começaram a buscar independência financeira e realização profissional. A legislação brasileira também acompanhou essa mudança. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), apesar de ser de 1943, destina um capítulo com 27 artigos em vigor, destinados à proteção do trabalho da mulher.

A presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, desembargadora Elaine Vasconcelos, observa que os direitos assegurados na lei ordinária (CLT e outros textos correlatos) não são regras estanques e bastantes a garantir as necessidades da mulher no contexto das relações de trabalho. Segundo a presidente, a garantia maior está nos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Na medida em que o artigo , inciso I, da Constituição Federal, estabelece que 'homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição, Princípio da Isonomia derivado do super princípio da Dignidade da Pessoa Humana (artigo 1, inciso III da CF), as decisões devem se pautar na concretização das normas do direito constitucional.

As questões de gênero, ainda muito debatidas nos tribunais, em especial na Justiça do Trabalho, já estão se pautando por esta visão constitucionalista, para além das normas engessantes da lei ordinária. A questão de gênero vai muito além das questões trabalhistas. É uma concepção cultural, pontua.

Na opinião da desembargadora do TRT 10, Marcia Mazoni, o legislador considerou necessário dar tratamento diferenciado às mulheres em alguns aspectos. A maioria desses dispositivos da CLT, no entanto, também se aplica ao homem, em especial aquele que merece proteção diferenciada.Os direitos específicos da mulher são aqueles inerentes à maternidade e ao peso máximo no exercício de suas atribuições, considerando que sua capacidade física difere do homem, explica a magistrada.

Para a juíza do trabalho Flávia Fragale, a criação dessas normas específicas para a mulher é fruto de um contexto protecionismo que permeou o texto celetista. Esse foi um reflexo das leis que surgiram na Europa na época da Revolução Industrial quando havia muita contratação e exploração da mão de obra feminina , que acabou por inspirar o legislador brasileiro a produzir normas semelhantes, a fim de evitar que os mesmos abusos acontecessem em nosso País. A primeira Constituição do Brasil a ter essa previsão foi a de 1934 e, em seguida, veio a CLT, em 1943,afirma a juíza.

Gravidez e maternidade

Alguns direitos já são bastante conhecidos pela maioria da população, como o da licença-maternidade. Hoje, esse benefício é de quatro meses (120 dias) para empregadas do setor privado, tanto para mães biológicas quanto para adotivas. O período de seis meses (180 dias), por enquanto, só é válido para as servidoras de órgãos públicos. Segundo a juíza Flávia Fragale, alguns empregadores têm adotado o prazo de seis meses motivados pelo incentivo do Programa Empresa Cidadã, que permite a dedução dos salários desses dois meses adicionais no imposto de renda. É um estímulo, avalia a magistrada.

O período da gestação garante estabilidade no emprego, além de pagamento de salário integral e demais vantagens financeiras adquiridas. A gestante também pode optar pela mudança de função, quando as condições de saúde assim exigirem. É possível ainda solicitar dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para realização de, no mínimo, seis consultas médicas e exames complementares no decorrer da gravidez. Em caso de aborto espontâneo, o empregador deverá liberar a empregada por duas semanas de repouso remunerado. Além disso, após o retorno do período de licença-maternidade, a mulher terá o direito a dois descansos de meia hora cada um durante a jornada de trabalho, para que possa amamentar o próprio filho até que ele complete seis meses de idade. Por conta dessa quantidade de benefícios, o que a gente mais vê é demissão de mulher grávida, constata a juíza Flávia Fragale.

A presidente do TRT10 observa que, em relação aos direitos derivados da maternidade, no Brasil, que tem uma realidade absolutamente diversa dos países europeus, a melhor proposta não é aumentar os benefícios para as mulheres, e sim dividir a responsabilidade entre pai e mãe. Fatalmente incorreríamos na tal Proteção como fator discriminalizante. A melhor solução seria uma licença maternidade nos primeiros meses para as mães e a paternidade pelo mesmo período para os pais. Assim, haveria uma verdadeira divisão de tarefas, incentivando a mudança cultural e acabando com a discriminação da mulher no trabalho. A licença não é em prol da mãe, e sim da criança. A desembargadora cita como exemplo a legislação da Suécia, onde a licença paternidade permite que o pai fique em casa por um período de até 13 meses para cuidar do filho.

Descanso antes da jornada extra

Outra previsão legal bastante polêmica diz respeito ao artigo 384 da CLT, que prevê a obrigatoriedade de um descanso de 15 minutos, no mínimo, antes do início da jornada extra de trabalho da mulher. Atualmente, embora homens e mulheres sejam iguais em direitos e obrigações, o dispositivo da CLT se aplica porque nós temos diferenças fisiológicas, merecendo, portanto, a mulher um tratamento diferenciado quando o trabalho lhe exige um desgaste físico maior. Esse é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que vem sendo seguido pela Justiça do Trabalho da 10ª Região, comenta Flávia Fragale.

Desigualdade e preconceito

Ao longo dos últimos anos, a mulher brasileira passou a ter menos filhos e aumentou sua escolaridade. Mas apesar de ser maioria da população e ter mais tempo de estudo, elas ainda ganham menos que os homens, de acordo com o IBGE. Nas grandes empresas a desigualdade é reveladora. Menos de 14% dos cargos de diretoria das 500 maiores empresas do Brasil são ocupadas pelo sexo feminino. As mulheres também demoram mais para serem promovidas.

Com relação aos salários, elas obtêm renda anual média de R$ 1.097,93, enquanto os homens atingem R$ 1.518,31, segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE. A diferença ocorre mesmo quando a mulher tem 11 ou mais anos de estudo. A Pesquisa de Emprego e Desemprego do Dieese sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho do Distrito Federal aponta ainda que a proporção do rendimento recebido por mulheres em relação ao dos homens diminuiu de 78,1%, em 2011, para 77,4%, em 2012.

É para corrigir algumas dessas distorções que a CLT proíbe que seja considerado o sexo como critério determinante para fins de cálculo da remuneração, possibilidade de formação profissional e oportunidades de ascensão na carreira. Também não é permitido que o empregador recuse emprego ou promoção a um empregado, muito menos o demita em razão de ser homem ou mulher. Além disso, é proibido publicar anúncio de emprego com preferência por determinado sexo, bem como exigir atestado ou exame para comprovar esterilidade ou gravidez, durante admissão ou permanência no emprego.

A desembargadora Marcia Mazoni explica que a vítima de preconceito de gênero no trabalho pode ajuizar uma reclamação da Justiça. De acordo com a juíza Flávia Fragale, a mulher encontra dificuldades para comprovar a prática discriminatória. A pessoa tem que provar que tinha as mesmas condições que outro profissional para obter a promoção, por exemplo, ou que a empresa repete a prática de contratar ou promover homens. Essa comprovação tem que ser respaldada por depoimentos de testemunhas, esclarece.

No direito, entretanto, os entendimentos são muitas vezes diversos. Na visão da desembargadora Elaine Vasconcelos, o juiz, quando se depara com uma ação de assédio moral, deve avaliar que nem sempre o ônus da prova recai sobre o empregado que o alega. Em verificando indícios de prova e avaliando as circunstâncias do caso concreto, pode-se inverter o ônus da prova conforme prevê o Código do Consumidor (artigo 6º). Isto porque o assediador não comete a conduta merecedora de repreensão em público, especialmente dentro do ambiente de trabalho. Esta é sempre praticada de forma a não deixar testemunhas. Aplicar a regra engessada do Código de Processo Civil (artigo 333) seria um contrassenso em face dos direitos fundamentais já mencionados, sublinha.

Propostas de mudança

Ainda para a desembargadora Elaine Vasconcelos, os magistrados, ao julgarem as reclamações trabalhistas, não podem apenas se pautar pela CLT. Essa legislação foi concebida para a mulher de 1943. Havia, portanto, um contexto completamente diferente do que se tem hoje, pondera. Temos muito ainda que evoluir, mas não através essencialmente da busca de mudança na lei ordinária. Já temos nossa Lei Maior que trata disso, que é a Constituição. Minhas decisões e a de muitos tribunais já estão pautadas pelo princípio constitucional, conclui.

O mesmo argumento é compartilhado pela advogada trabalhista Marla Viegas. Acho que menos que ampliar a legislação precisamos fazer valer o que está estabelecido. A mulher já tem a igualdade garantida constitucionalmente, reforça. Segundo ela, trata-se também de um problema cultural. Devemos trabalhar essa questão na origem, desmistificar o poderio do homem e diluí-lo, diz. Marla também acredita que seja necessário ampliar a divulgação das leis existentes. Às vezes, as mulheres não têm a consciência dos seus direitos, reconhece.

Contudo, algumas propostas de mudança na legislação já tramitam no Congresso Nacional. Um exemplo é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 30/07), em tramitação na Câmara dos Deputados, que prevê a ampliação da licença-maternidade de 120 para 180 dias a todas as mulheres gestantes ou adotantes. O texto que está para ser votado pelo Plenário é o parecer da comissão especial, no qual há previsão também de proibir a demissão sem justa causa da trabalhadora durante os sete meses após o parto ou adoção.

Outro é o Projeto de Lei 4857/09, também em discussão na Câmara, que garante a igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. A matéria entrou em pauta no ano passado, mas não foi a voto por falta de acordo entre os partidos. Havia divergências sobre três pontos: a criação de comitês pró-igualdade entre os sexos no ambiente de trabalho; o acesso dessas comissões a informações das empresas; e a criação de um cadastro de empresas que discriminam mulheres.

História de luta

O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, é fruto de uma história de luta por melhores condições de trabalho e vida das mulheres na sociedade. A origem da data está na virada do século 20, no contexto da Segunda Revolução Industrial e da Primeira Guerra Mundial, quando ocorre a incorporação da mão de obra feminina, em massa, na indústria. As condições de trabalho, frequentemente insalubres e perigosas, eram motivo de frequentes protestos por parte das trabalhadoras. Muitas manifestações ocorreram nos anos seguintes, em várias partes do mundo. Em 1975, foi designado pela ONU como o Ano Internacional da Mulher e, em dezembro de 1977, o Dia Internacional da Mulher foi adotado pelas Nações Unidas, para lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres.

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