O que resta do sigilo bancário após a decisão do Supremo?
Após 15 anos de espera, o Supremo Tribunal Federal finalmente firmou posição a respeito da lei que autoriza a quebra de sigilo bancário por parte do Fisco. O caso é polêmico e ocupou três sessões de julgamento da corte. A decisão, como qualquer outra, sujeita-se a análise, elogio e crítica. O debate público, a rigor, não se encerra quando o Supremo decide. Porém, o que se pretende neste texto é outra coisa: entender o julgamento e suas consequências.
A questão central dizia respeito à constitucionalidade dos artigos 5º e 6º da Lei Complementar 105/2001, que conferiam aos órgãos da administração tributária meios para obter dados bancários dos contribuintes sem necessidade de prévia autorização judicial. O artigo 5º estabelece uma forma de acesso sistêmico e restrito da União aos dados das operações financeiras efetuadas pelos contribuintes. Devem constar dos informes encaminhados pelas instituições financeiras apenas a indicação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, sem nada que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, parágrafo 2º).
O artigo 6º é mais amplo. Dá poder aos três níveis de governo. Trata-se de mecanismo de acesso incidental que permite que a União, estados, Distrito Federal e municípios examinar “documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras”. Porém, para tanto, exige-se que “processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente” (artigo 6º, caput).
Embora com alcance, objeto e pressupostos diferentes, as duas disposições têm, em suma, o mesmo objetivo: permitir à administração tributária o acesso direto às informações bancárias dos contribuintes para o fim de cobrar tributos. Na leitura do Fisco, trata-se de reconhecer os meios necessários para que se possa identificar “o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”, na forma do que prevê o artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição. Na interpretação do contribuinte, uma afronta ao direito à intimidade do assegurado pelo inciso X do artigo 5º da Constituição.
Com esses contornos, o Supremo Tribunal Federal examinou a questão constitucional no julgamento de quatro ADIs de relatoria do ministro Dias Toffoli (ADIs 2.310, 2.397, 2.386 e 2.859) e um recurso extraordinário de relatoria do ministro Edson Fachin, com repercussão geral reconhecida (RE 601.314). A tabela abaixo assinala as diferenças entre os casos.
Caso | Requerente | Objeto | Resultado |
---|---|---|---|
Contribuinte | Artigo 6º da LC 105/2001 e aplicação retroativa da Lei 10.174/2001 | Negado provimento | |
Partido Social Liberal (PSL) Parágrafo 4º do artigo 1º, artigo 5º e artigo 6º da LC 105/2001 e Decreto 3.724/2001 | Improcedente | ||
Confederação Nacional do Comércio (CNC) | Improcedente | ||
Confederação Nacional da Indústria (CNI) | Artigo 1º, parágrafo 3º, VI (no tocante às remissões ao artigo 5º e 6º da LC 105/2001), artigo 3º, parágrafo 3º; artigo 5ºe artigo 6º da LC 105/2001, artigo 1º da LC 104, no que alterou o artigo 198 do CTN, e Decreto 3.724/2001 | Improcedente | |
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) | Prejudicada quanto ao Decreto 4.545/2002. |
O resultado do julgamento é conhecido. O tribunal declarou a constitucionalidade da lei complementar e reconheceu a prerrogativa da administração tributária de requisitar diretamente às instituições financeiras os dados bancários de seus correntistas para o fim de cobrar-lhes tributos. Prevaleceram em favor da lei, ao menos, três fundamentos: a necessidade de instrumentos eficientes de fiscalização tributária, a estreita conexão entre o acesso à informação e a concretização da Justiça fiscal, por meio da capacidade contributiva, e a evidente tendência internacional ao fim do sigilo bancário contra o Fisco e à troca de informações entre os vários países.
Ficaram vencidos apenas os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que votaram pelo reconhecimento da reserva de jurisdição na matéria e, por conseguinte, pela inconstitucionalidade da legislação impugnada, na linha da orientação firmada no julgamento do RE 389.808, relator ministro Marco Aurélio, DJ 15/12/2010.
Julgado o feito, afasta-se a dúvida quanto à constitucionalidade da LC 105, mas remanescem algumas questões quanto ao seu alcance e às suas consequências. Afinal, o que resta do sigilo bancário após a decisão do Supremo?
Alcance
Um dos primeiros pontos a se considerar é que a decisão do STF evidentemente não declarou o fim do sigilo bancário. Porém, a bem da verdade, reconheceu o fim desse direito contra o Fisco. Permanece, no entanto, o dever de guarda e sigilo em relação aos dados obtidos, na forma do previsto no parágrafo único do artigo 6º da LC 105/2001. Por isso, afirmou-se, no julgamento, que o sigilo não seria, de fato, “quebrado”, mas “transferido” ao Fisco, com o comprom...
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